sexta-feira, 31 de julho de 2020

A Pandemia do Coronavírus (Covid-19) e a repercussão no Direito brasileiro

O Senado Federal, por meio do PL nº 1.179/2020, criou o RJET (Regime Jurídico Emergencial e Transitório) de Direito Privado que, apesar de ter sofrido importantes vetos presidenciais em dispositivos nucleares do PL original, foi convertido na Lei nº 14.010/ 2.020, para a regulação de relações jurídicas, em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19), atingindo várias áreas do Direito Civil.

Com o mesmo escopo, decisões dos Tribunais Superiores e do CNJ
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Vejamos algumas alterações:

- FAMÍLIA

- PRISÃO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS E PANDEMIA
A LEI PREVÊ PRISÃO EXCLUSIVAMENTE DOMICILIAR
"(...) Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes do CPC), DEVERÁ SER CUMPRIDA EXCLUSIVAMENTE SOB A MODALIDADE DOMICILIAR, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações (...)" (Art. 15 da Lei 14010/ 2020).
STJ = JÁ A O STJ TRAZ A POSSIBILIDADE DA SUSPENSÃO E O CUMPRIMENTO NO MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO"
“(...) 1. Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19), admite-se, excepcionalmente, a SUSPENSÃO DA PRISÃO dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado.2. Hipótese emergencial de saúde pública que autoriza provisoriamente o diferimento da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia.3. Ordem concedida. (STJ, HC 574.495/SP, DJe 01/ 6/ 2020)”.
Colhe-se do voto condutor do ministro relator: " A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra, pois não se olvida que, afinal, também está em jogo a dignidade do alimentando – em regra, vulnerável ". (clique aqui para ler mais).
Portanto, ao se propor execução de alimentos pelo rito da prisão, a eventual decretação não terá qualquer força coercitiva imediata. Mais efetivo para o credor o pedido de suspensão e cumprimento da prisão no momento oportuno ou a cobrança pelo rito da coerção patrimonial.
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-DIVÓRCIO VIRTUAL - CNJ - Provimento nº 100 / 2.020.
 O CNJ editou o Provimento supra que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos e institui o Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado) em âmbito nacional. Entre as muitas mudanças previstas nesse Provimento passou a vigorar no País a possibilidade do divórcio virtual.
No entanto, não houve mudança nos requisitos para o divórcio administrativo (via tabelionato). Portanto, ainda é necessário o consenso entre as partes, a inexistência de filhos menores, incapazes ou nascituros (veja modelo de minuta de divórcio extrajudicial aqui). 
A inovação trazida trata dos meios para a prática do ato. Podendo ser utilizada a videoconferência, tanto para a identificação das partes, quanto para a captura do consentimento expresso sobre os termos do divórcio. O ato deverá ser assinado digitalmente pelas partes e pelo tabelião. Tudo deverá ser gravado e arquivado, tornado-se parte do ato notarial,  garantindo a segurança jurídica do ato. Dispensando-se, via de consequência, o deslocamento e a presença física das partes no cartório, sendo tais práticas substituídas por esses meios eletrônicos.
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- SUCESSÃO - INVENTÁRIO E PARTILHA – PRAZOS

ABERTURA
- A regra do CPC foi alterada. E, segundo a nova lei, caso a morte tenha ocorrido a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial do prazo de 2 (dois) meses previsto no art. 611 do CPC será adiado para 30 de outubro de 2020:
“(...) O prazo do art. 611 do CPC, para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020” (Art. 16 da Lei 14010/ 2020).
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DURAÇÃO
O prazo de 12 meses para se encerrar o inventário, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da vigência da nova lei que instituiu o Regime Emergencial até 30 de outubro de 2020. Na prática, se a abertura do inventário foi requerida em 10 de outubro de 2019 segundo a regra do Art. 611 do CPC, o prazo se encerra em 10 de outubro de 2020. Com a nova lei, o curso do prazo será suspenso e somente voltará a correr após 30 de outubro de 2020:
· O prazo de 12 (doze) meses do art. 611 do CPC , para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020 (§ Único do Art. 16 da Lei 14010/ 2020).
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- CONSUMIDOR
DIREITO DE ARREPENDIMENTO - SUSPENSÃO - Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do CDC (direito de arrependimento, no prazo de 7 dias), na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos (Art. da Lei 14010/2020).
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- PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
O Art. 3º diz que “os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. § 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional. § 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406/ 2002 (Código Civil).
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- USUCAPIÃO
“(...) Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020” (Art. 10 da Lei 14010/ 2020).
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- CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS
· Art. 11. (VETADO). - · Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
· Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.
· Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.
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- SEGURO DE VIDA - Projeto de Lei inclui morte causada por epidemia na cobertura de seguros de vida.
Como medida para evitar que familiares fiquem desamparados em decorrência de fatalidades causadas pela covid-19, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou o Projeto de Lei 890/2020 que inclui na cobertura de seguros de vida óbitos decorrentes de epidemias ou pandemias. A proposta acrescenta item ao Código Civil (Lei 10.406, de 2002) determinando que o segurador não pode recusar pagamento do seguro, ainda que na apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado decorrer de infecção por epidemias ou pandemia. Na justificativa, Randolfe afirma que as seguradoras de vida ou de acidentes pessoais parecem imunes a essa crise mundial, causada pelo coronavírus, pois estabelecem como excludentes da responsabilidade civil contratual as mortes ou danos à saúde pessoal por decorrência de epidemias e pandemias declaradas pelos órgãos competentes. (Clique aqui para continuar lendo).              

CAIXA SEGURADORA ANUNCIA QUE PAGARÁ SEGURO POR COVID-19 - Uma matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 23/3/2020 informa que a Caixa Seguridade vai liberar indenizações em caso de morte causada pelo coronavírus. Ainda de acordo com o site, a iniciativa deve ser tomada pelas companhias concorrentes. O presidente   da Caixa Seguradora, Laurent Jumelle, afirmou: “Mesmo não tendo a obrigação legal, pagaremos as indenizações. A ideia é pagar as indenizações em todas as mortes por covid-19, durante a pandemia e depois”.

A decisão, de acordo com o Valor, valerá para o seguintes produtos: seguro de vida, habitacional, prestamista e pecúlio dos planos de previdência.. Todos os produtos da seguradora excluem o risco de pandemia. Clientes com o seguro viagem também poderão contar com a cobertura, com indenização no caso de morte e pagamento de despesas com assistência médico-hospitalar e internações.

Outra seguradora que estuda incluir cobertura por morte em razão da covid-19 é a Mag Seguros. Nuno Pedro David, diretor de marketing da MAG Seguros, explicou como em que fase está a tomada de decisão da seguradora: “Uma parte significativa do nosso portfólio garante eventos decorrentes de pandemia. Para os demais, estamos em tratativas junto aos nossos resseguradores e ao mercado a fim de encontrar uma solução”.

Camila Calais, do escritório Mattos Filho, explica que a situação tem sensibilizado o mercado por uma razão: ““Todos estão bastante sensibilizados sobre o tema, e considerando que a taxa de mortalidade pela doença não é altíssima, para algumas seguradoras não faz sentido manter a exclusão”.

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- STF CONCEDE LIMINAR E ASSEGURA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS PARA DECIDIR SOBRE ISOLAMENTO
Em abril de 2020, em ação proposta pela OAB, o STF concedeu parcialmente medida cautelar na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para garantir que as medidas adotadas pelos estados e municípios no enfrentamento à pandemia de Covid-19 sejam respeitadas pelo governo federal.
A decisão do Ministro Alexandre de Moraes, que é o relator da ADPF 672, foi publicada na noite de 08.4.2020."A decisão do ministro Alexandre de Moraes mostra a firmeza do STF na defesa da nossa Constituição, dos princípios da Federação, da independência e harmonia entre os Poderes e, acima de tudo, é uma vitória do bom senso na luta contra nosso único inimigo no momento: a pandemia que ameaça a vida de milhares de brasileiras e brasileiros", disse Felipe Santa Cruz, presidente nacional da AOB (clique aqui para continuar lendo e conferir a íntegra da decisão do STF).
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Outros artigos e modelos de petições do mesmo autor.
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 Foto: A. Bâeta/Prefeitura de São Luís /MA

quarta-feira, 22 de julho de 2020

A cobrança de alimentos não pagos prescreve?

A cobrança de alimentos não pagos prescreve?
Sim, em 02 (dois) anos (§ 2º do art. 206 do Código Civil).
Importante frisar, no entanto, o que está sujeito à prescrição – passível inclusive de reconhecimento de ofício pelo Juiz (CPC, art. 219, § 5º)– é o direito de cobrar judicialmente prestações alimentícias vencidas e não pagas.
O direito aos alimentos, em si, é imprescritível, podendo ser reconhecido e materializado em obrigação alimentar a qualquer tempo, através de ação própria, que conta com rito e legislação especial (Lei nº 5.478/ 1.968), sendo vedado sua renúncia, e o crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora (CC, art. 1.707).
Frise-se que contra os absolutamente incapazes não corre a prescrição (CC, art. 198I, c/c art. ).
A situação perdura até que o incapaz atinja 16 anos, quando se torna relativamente incapaz, dando início ao curso prescricional.
Poder familiar - No entanto, não corre a prescrição no âmbito das relações entre pais e filhos, durante o poder familiar (CC, art. 197II), que perdura até que os filhos alcancem a maioridade civil (CC, art. 1.630 c/c art. ), caso não cesse antes pela emancipação (CC, art. § único), pela adoção, e por decisão judicial, na forma do artigo 1.638 do CC,  ou se estenda nos casos dos filhos maiores absolutamente incapazes (CC, art. 1.590 c/c art. 197III).
Portanto, considerando que o inciso II do artigo 197 do CC diz que "não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar" e o artigo art. 1.630, também do CC, diz que "os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores", se conclui que o termo "menores", do último artigo, por óbvio, inclui os absoluta e os relativamente incapazes.
Sabendo que a maioridade civil se inicia aos 18 (dezoito) anos de idade, flagrante a existência de causa suspensiva da prescrição a todos os filhos menores de 18 (dezoito) anos. Razão pela qual, da reunião dos artigos supracitados se conclui que se o alimentando for maior de 16 (dezesseis) anos, o prazo prescricional previsto no artigo 206§ 2º, do CC, somente tem início quando o filho completar 18 anos. Assim, a prescrição para a cobrança dos alimentos retroativos, já fixados ou homologados, só se dará quando o filho possuir 20 anos completos.
Alimentos avoengos - Importante lembrar que, ao contrário do que ocorre entre pais e filhos, entre avós e netos – não havendo poder familiar - a prescrição da cobrança dos alimentos vencidos e não pagos começa a fluir assim que o neto (alimentando) completa 16 (dezesseis) anos de idade, pois apesar do art. 197II, do CC dizer que “não corre prescrição entre ascendentes e descendentes”, faz a ressalva que deve ser “durante o poder familiar”, que por certo é exercido pelos genitores. Para ilustrar, transcrevemos fragmento de julgado do STJ: “(...) ressalte-se, por fim, que, em que pese a apelante alegar que estava sob poder familiar de ascendente, não há nos autos prova nesse sentido. Ao contrário, consta dos autos que a autora reside com sua genitora e que o executado, seu avô paterno, não tem qualquer relação com os netos. Não há, portanto, poder familiar a impedir o curso do prazo prescricional (...)” (STJ, RESP n 1052900 – DF).
Prescrição intercorrente - Não menos importante é a prescrição intercorrente nas ações de alimentos, que pode se dar durante na fase de cumprimento de sentença e da execução dos alimentos. Leciona a melhor doutrina e entende a jurisprudência que os processos de cobrança de alimentos, quando interrompidos ou suspensos, não podem ficar paralisados por tempo maior do que o prazo de prescrição do direito material, já que tal hipótese caracterizaria violação ao princípio da razoável duração do processo. Portanto, proposta a cobrança judicial dos alimentos, é ônus do credor tomar providências, usando os meios processuais disponíveis no sentido de impulsionar e movimentar o processo, interrompendo o prazo prescricional, pois havendo indícios de inércia do credor e consequente abandono da execução, esta pode prescrever se paralisada por mais de 02 (dois) anos.
Investigação de paternidade - Termo inicial - Prescrição Alimentos - O prazo prescricional para o cumprimento de sentença que condenou ao pagamento de verba alimentícia retroativa se inicia tão somente com o trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade (STJ - Informativo de Jurisprudência nº 0607 - STJ, REsp 1.634.063/ AC).
O que fazer se declarada a prescrição?  Importante frisar que, se a prescrição atingir o direito do filho, seu (sua) guardião(ã) poderá, em nome próprio, propor ação de ressarcimento desses valores, em face do alimentante, por ter suportado(a) sozinho(a) os alimentos para os filhos comuns, com prazo prescricional de 10 (dez) anos. Já escrevemos sobre o tema (clique aqui para ler).
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sexta-feira, 17 de julho de 2020

Da retirada do sobrenome paterno ou materno por abandono afetivo e material.


Atualmente o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.

É verdade que o STJ já julgou incabível a supressão do sobrenome paterno sob a alegação de ausência de laços afetivos. Nesse sentido: STJ, REsp 1521719, DJe 01/3/2017 e STJ, AgRg no AREsp 610.788/SP, DJe 09/08/2016.

O mesmo Tribunal em um caso peculiar autorizou que o filho, já adulto, abandonado desde a infância excluísse o sobrenome paterno e incluísse o da avó materna, pois foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó.

A decisão teve como fundamento o entendimento de que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. O rapaz recorreu ao STJ contra acórdão do TJ-SP que acolheu o pedido de inclusão, mas manteve a indisponibilidade do sistema registral. Para o tribunal paulista, a mudança descaracterizaria o nome da família.

No recurso julgado pela 3ª Turma, o rapaz sustentou que a decisão violou o artigo 56 da Lei 6.015/ 73, já que estariam presentes todos os requisitos legais exigidos para a alteração do nome no primeiro ano após ele ter atingido a maioridade civil. Argumentou, ainda, que não pediu a modificação da sua paternidade no registro de nascimento, mas somente a exclusão do sobrenome do genitor, com quem não desenvolveu nenhum vínculo afetivo.

Posição flexível - Citando vários precedentes, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que o STJ tem sido mais flexível em relação à imutabilidade do nome civil em razão do próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade.

Para o relator, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, a pretensão do recorrente está perfeitamente justificada nos autos, pois, abandonado pelo pai desde criança, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna.

“Ademais, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, parece sobrepor-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos”, ressaltou o ministro em seu voto.

Ao acolher o pedido de retificação, Sanseverino enfatizou que a supressão do sobrenome paterno não altera a filiação, já que o nome do pai permanecerá na certidão de nascimento. A decisão foi unânime. O Acórdão restou assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES. 1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Publicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. 4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO".
(STJ, REsp 1304718/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª Turma, DJe 05/02/2015).

No mesmo sentido: STJ, REsp 1412260/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 22/05/2014 e STJ, SEC 5.726/EX, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 13/09/2012.



Em julgado recentíssimo, datado de 18.6.2020, a 3a Câmara de Direito Público do TJ-SP, citando precedente do STJ,  reformou sentença para autorizar uma mulher a retirar o sobrenome paterno em razão de abandono afetivo.

Ela alegou que a manutenção do sobrenome trazia constrangimento e sofrimento e afrontava os direitos constitucionais à personalidade e dignidade. A ação foi julgada em 1º grau, mas a sentença foi reformada pelo TJ-SP. Vejamos a ementa:

"AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pretensão da requerente de exclusão do patronímico paterno de seu nome. Julgamento de improcedência. Irresignação. Acolhida impositiva. Medida fundada em abandono sofrido pela interessada por parte de seu genitor. Incontroversa ruptura do vínculo afetivo. Quadro que gera imenso sofrimento à interessada. Cumprimento da hipótese do artigo 57 da Lei nº 6.015/73. Resguardo aos direitos da personalidade da requerente. Precedentes do C. STJ e desta Câmara. Eventuais prejuízos a terceiros, no mais, não evidenciados. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO".  
(TJSP;  Apelação Cível 1003518-65.2019.8.26.0664; Relator (a): Donegá Morandini; 3ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 18/06/2020; Data de Registro: 18/06/2020).

No mesmo sentido:
“REGISTRO CIVIL. EXCLUSÃO DE PATRONÍMICO. Ação de adoção c.c. retificação de registro civil. Autora que pretende a supressão do patronímico paterno biológico "Cruz", não compartilhado com sua mãe ou avós socioafetivos. Possibilidade. Requerente que foi abandonada afetivamente pelo pai biológico (já falecido) em sua juventude. Motivo suficiente para a modificação pretendida. O nome representa direito de personalidade e, como tal, está intimamente ligado à integridade moral do indivíduo e ao princípio da dignidade humana. Princípio da imutabilidade do nome que não é absoluto. Precedente do STJ. Ausência de prejuízo a terceiros. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO”
(TJ-SP, Apelação Cível nº 1007663-63.2017.8.26.0009, Rel. Alexandre Marcondes, j. 19.03.2019). 

E, também: 
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pedido de retificação para exclusão do patronímico paterno e inclusão de apelido de família da avó materna, além de exclusão da filiação paterna. Recurso interposto pela parte autora em face de sentença de improcedência. Parcial acolhimento. Precedente do STJ. Manifestação favorável do Ministério Público. Substituição do patronímico que é autorizado, diante das especificidades do caso. Autora que além de ter perdido o contato com o genitor quando ainda de tenra idade, possui repulsa a sua figura, visto que ele teria sido acusado de haver abusado sexualmente de sua irmã unilateral, quando esta era criança. Improcedência, no entanto, quanto à exclusão da filiação, na medida em que a questão não é meramente registraria, mas de direito de família, e a referida pessoa não consta dos autos. Sentença reformada, para excluir o nome de família do pai e incluir o nome de família da avó materna. Determinação para anotação de segredo de justiça. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO (v.31469)”
(TJ-SP, Apelação Cível nº 1005592-55.2017.8 .26.0020, Rel. Viviani Nicolau, j. 05.09.2019).-

SENTENÇA DE ABRIL DE 2020 - Filho conquista direito de retirar sobrenome paterno após abandono afetivo. Juiz de SP destacou a insuportabilidade de ostentar um sobrenome que traz carga de sofrimento. 
Para evitar angústia e sofrimento a um jovem, o juiz de Direito Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, da 1ª vara Cível de SP, autorizou que ele retire o sobrenome do pai do registro civil.
O autor buscou a retificação do seu registro civil para incluir o sobrenome materno e excluir o sobrenome paterno, relatando que com dois anos de idade os pais se separaram e desde então o pai “nunca o procurou, nunca participou de sua infância, nem adolescência ou de qualquer momento de sua vida”.
Na análise do pedido, o magistrado compreendeu que, em que pese a manifestação negativa do genitor, a documentação e os depoimentos das testemunhas comprovam a ausência da figura paterna na vida do jovem, com o desenvolvimento de trauma psicológico.
Se referido distanciamento entre o genitor e o acionante decorreram por culpa daquele ou não, pouco importa. O relevante, no caso, é que a situação de dor, angústia e sofrimento suportado pelo Autor (pela ausência de seu genitor em sua vida) resta agravado com a permanência do sobrenome paterno. O motivo relevante, portanto, consiste na insuportabilidade de ostentar um sobrenome que traz uma carga de sofrimento, devidamente comprovada nos autos.”
O julgador assentou na sentença que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto e encontra exceções na lei e na jurisprudência; e que o autor é, inclusive, conhecido em seu meio social com sobrenome da mãe.
Deve-se levar em consideração as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, que pode levar uma vida atormentada, tal como se verifica no caso em análise. Ademais, a supressão do sobrenome paterno em nada altera a sua condição de paternidade, que continua íntegra e suficiente.” (Aqui, íntegra da sentença).
Portanto, demonstrado que tanto no Superior Tribunal de Justiça, quanto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o entendimento é no sentido de se flexibilizar o princípio da imutabilidade do nome civil, em homenagem ao direito da personalidade, da dignidade e do vínculo socioafetivo. 
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quinta-feira, 16 de julho de 2020

É possível renunciar ao crédito alimentar no acordo para extinguir a execução de alimentos?

          
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É possível renunciar ao crédito alimentar no acordo para extinguir a execução de alimentos?


O artigo 1.707, do Código Civil, de forma expressa, veda que o credor renuncie ao seu direito aos alimentos.
No entanto, em casos de acordos em execução de alimentos, há jurisprudência que flexibiliza tal vedação. Algumas decisões trazem que tal proibição só se aplica aos alimentos presentes e futuros e não aos pretéritos devidos e não prestados, podendo, inclusive ser firmando acordo com ajuste de recebimento de valor inferior ao crédito alimentar.
Sobre o assunto já decidiu o STJ: "(...) O direito aos alimentos é indisponível e irrenunciável, contudo há disponibilidade em relação ao quantum percebido, admitindo-se nesse aspecto, a transação entre as partes sobre as parcelas pretéritas." (Decisão monocrática da lavra do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva no Resp nº 1177546, DJe de 17/12/2013).
Cediço que cabe a ambos os genitores o dever de sustentar a prole comum e o eventual não pagamento da pensão alimentícia por um genitor não enseja necessariamente prejuízo direto para o alimentando, quando este recebe os alimentos in natura do outro genitor, sendo que a renúncia a parte do crédito alimentar pretérito não se confunde com renúncia ao direito aos alimentos, inexistindo qualquer óbice legal para a homologação de eventual acordo entabulado entre as partes.
Outros julgados sobre o tema:
a.-) CREDOR MENOR - Julgados nesse sentido:
"APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ACORDO HOMOLOGADO. RENÚNCIA A PARCELAS VENCIDAS. POSSIBILIDADE. Caso em que o acordo estabelecido entre as partes não pode implicar em renúncia à percepção de alimentos presentes e futuros, mas em abdicação de parte dasparcelas vencidas que estão sendo executadas. Não há qualquer óbice legal à realização de acordo relativamente a alimentos pretéritos devidos, inclusive com ajuste de recebimento de valor inferior ao crédito alimentar, sobretudo porque reconhecidas, pela parte credora, as dificuldades de pagamento invocadas pelo devedor. Inexistência de nulidade. Manutenção da decisão recorrida. DERAM PARCIAL PROVIMENTO". (TJ-RS - Apelação Cível Nº 70069107613, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 07/07/2016).

DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. ACORDO FIRMADO ENTRE AS PARTES. RENÚNCIA. ALIMENTOS PRETÉRITOS. POSSIBILIDADE. I - A irrenunciabilidade ao direito aos alimentos decorre de seu caráter de essencialidade à sobrevivência. No entanto, é firme o entendimento jurisprudencial de que em se tratando de alimentos pretéritos, considerando que a parte sobreviveu sem o seu pagamento, esta é portadora de um simples crédito, sendo possível transacionar a respeito do mesmo. II - As partes transacionaram somente quanto ao débito alimentar vencido, para o que inexiste óbice legal. Nesse contexto, não há razão para impor às partes integrantes da relação alimentar óbice ao ajuste, visto que deste não decorre prejuízo ao sustento dos alimentados. Negou-se provimento ao recurso (TJ-DF - Apelação Cível APC 20100610125767 (TJ-DF) Data de publicação: 29/09/2015).
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EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. POSSIBILIDADE. Transação que não importou renúncia a alimentos futuros. Irrenunciável é o direito aos alimentos. Crédito alimentar pretérito que admite acordo. Sentença mantida. Recurso a que se nega provimento (TJ-SP - Apelação APL 00007200320128260533 SP 0000720-03.2012.8.26.0533 (TJ-SP) Data de publicação: 18/07/2014).
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Em decisão recentíssima, datada de 09.6.2020, o STJ reafirmou a possibilidade de renúncia da pensão atrasada se não houver prejuízo ao alimentando.
Observou o ministro relator “a vedação legal à renúncia ao direito aos alimentos decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos, contudo, a irrenunciabilidade atinge tão somente o direito, e não o seu exercício”. Por isso, a irrenunciabilidade e a vedação à transação estão limitadas aos alimentos presentes e futuros. Além disso, o Ministério Público, como destacou o magistrado, não especificou qual prejuízo concreto decorreu da transação do débito alimentar. “Ademais, destaca-se que, especialmente no âmbito do Direito de Família, é salutar o estímulo à autonomia das partes para a realização de acordo, de autocomposição, como instrumento para se alcançar o equilíbrio e a manutenção dos vínculos afetivos”, concluiu. O julgado restou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. EXECUÇÃO. ALIMENTOS PRETÉRITOS. ACORDO. EXONERAÇÃO DA DÍVIDA. POSSIBILIDADE. ART. 1.707 DO CÓDIGO CIVIL. CURADOR ESPECIAL.ART. 9º DO CPC/1973. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).2. Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a realização de acordo com a finalidade de exonerar o devedor do pagamento de alimentos devidos e não pagos e se é necessária a nomeação de curador especial, tendo em vista a alegação de existência de conflito de interesses entre a mãe e as menores.3. É irrenunciável o direito aos alimentos presentes e futuros (art.1.707 do Código Civil), mas pode o credor renunciar aos alimentos pretéritos devidos e não prestados, isso porque a irrenunciabilidade atinge o direito, e não o seu exercício.4. Na hipótese, a extinção da execução em virtude da celebração de acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo, visto que não houve renúncia aos alimentos vincendos e que são indispensáveis ao sustento das alimentandas. As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados, em relação aos quais inexiste óbice legal. 5. A ausência de prequestionamento da matéria relativa à nomeação de curador especial, suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos declaratórios, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula nº 211/STJ).6. Recurso especial conhecido em parte e não provido.(STJ, REsp 1529532/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3 Turma, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020).

b.-) CREDOR MAIOR
E na hipótese do filho, ao atingir a maioridade, renunciar aos alimentos pretéritos? O genitor que estava com a guarda do filho, tendo em vista que, durante o inadimplemento do outro genitor, custeou as obrigações alimentares sozinho e, por óbvio, tem direito a ser ressarcido pelas despesas efetuadas e que foram revertidas em favor do então filho menor.
Em precedentes do STJ se entendeu que, havendo renúncia aos alimentos pretéritos pelo filho maior, não cabe a sub-rogação do genitor que detinha a guarda nos direitos do alimentando nos autos da execução de alimentos, diante do caráter personalíssimo que é inerente aos alimentos. Via de consequência, inaplicável o artigo 346, do Código Civil.
Segundo o STJ a ação própria para buscar o ressarcimento das despesas efetivadas durante o período de inadimplemento do responsável pela prestação dos alimentos deve ser a fundada no artigo 871, do Código Civil:
CC-Art. 871 = "Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato."
Diante disso, o meio adequado para se ressarcir, é através da "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES, PROPOSTA POR UM GENITOR EM FACE DO OUTRO, POR TER SUPORTADO SOZINHO OS ALIMENTOS PARA OS FILHOS COMUNS", clique aqui vai ver modelo de petição inicial.

PRAZO PRESCRICIONAL da pretensão de REEMBOLSO = se a mãe, ante o inadimplemento do pai obrigado a prestar alimentos a seu filho, assume essas despesas, o prazo prescricional da pretensão de cobrança do reembolso é de 10 (dez) anos, e não de 2 anos (clique aqui para ler).

Reunimos alguns casos concretos, julgados pelo STJ:
Caso 01 = MÃE NÃO CONSEGUE INVALIDAR ACORDO ENTRE PAI E FILHO QUE EXTINGUIU EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. Após completar 18 anos, o filho fez um acordo com o pai, exonerando-o do pagamento de alimentos e quitando as parcelas não pagas. Em troca, recebeu um carro usado, avaliado em R$ 31 mil. O acordo foi homologado pelo juiz de 1º Grau, e a execução de alimentos foi extinta. A mãe, advogada, interpôs agravo de instrumento contra a decisão. Para ela, a quitação de débitos passados não pode ser dada pelo alimentando, já que tais valores não lhe pertencem. A segunda instância negou provimento ao agravo, afirmando que se o valor devido foi pago, não há como negar a quitação. No julgamento dos embargos declaratórios, registrou-se que a mãe figura como “gestora de negócios” e, nessa qualidade, deve buscar outros meios para se ressarcir.
No recurso ao STJ, a mãe alegou que, na qualidade de recebedora dos alimentos em nome do filho, a figura jurídica adequada à hipótese seria a da sub-rogação e sendo assim, o filho não poderia dar quitação de débitos alimentícios não honrados no período em que era menor. O relator, ministro João Otávio de Noronha, não acolheu os argumentos. Para ele, “a tese da sub-rogação não prevalece no direito pátrio, porquanto o direito a alimentos é pessoal, sua titularidade não é transferida a outrem. Assim, o entendimento adotado, consoante normas insculpidas no artigo 871 do Código Civil, é o da gestão de negócios”. Apesar da impossibilidade de a mãe continuar na execução, o relator afirmou que, equiparada a gestora de negócios, ela pode reaver os valores despendidos a título de alimentos que supriu em razão do não cumprimento da obrigação pelo alimentante, mas em ação própria. Restando assim ementada:
ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO. ALIMENTOS DEVIDOS PELO PAI. SUPRIMENTO PELA GENITORA. SUB-ROGAÇÃO INEXISTENTE. GESTÃO DE NEGÓCIOS. 1. A contradição ensejadora de embargos declaratórios somente é aquela ocorrida no bojo do julgado impugnado, ou seja, a discrepância existente entre a fundamentação e a conclusão. 2. Equipara-se à gestão de negócios a prestação de alimentos feita por outrem na ausência do alimentante. Assim, a pretensão creditícia ao reembolso exercitada por terceiro é de direito comum, e não de direito de família. 3. Se o pai se esquivou do dever de prestar alimentos constituídos por título judicial, onerando a genitora no sustento dos filhos, não é a execução de alimentos devidos o meio apropriado para que ela busque o reembolso das despesas efetuadas, devendo fazê-lo por meio de ação própria fundada no direito comum. 4. Recurso especial desprovido. (STJ - REsp 1.197.778/SP, 3ª Turma, DJe 01/04/2014).

Caso 02 = Em ação de execução de alimentos em que a filha, assistida pela mãe, enquanto menor de idade, pleiteou alimentos do pai. Durante a demanda, a filha tornou-se maior de idade e completou curso universitário, além de atualmente residir com o recorrido. O pai ficou inadimplente por vários anos ao não prestar alimentos constituídos por título judicial advindo de revisional de alimentos, cabendo à mãe o sustento da prole.
Decidiu o STJ que a genitora não é parte legítima na execução dos alimentos proposta pela filha contra o pai, uma vez que apenas assistiu a menor em razão de sua incapacidade relativa, suprida pelo advento da maioridade no curso do processo. Do mesmo modo, a execução de alimentos devidos unicamente à filha não é o meio processual próprio para que a mãe busque o reembolso das despesas efetuadas. Eis a ementa:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. EXECUCAÇÃO DE ALIMENTOS. Maioridade e colação de grau da credora. Decisão interlocutória. Pretensão da mãe de prosseguir com a execução, sub-rogando-se na condição de credora dos alimentos que pagou em lugar do pai inadimplente. Carência de interesse processual. Ilegitimidade ativa. - Não há como a mãe estribar-se como parte legítima ativa de execução proposta pela filha em face do pai, quando apenas assistiu a menor em razão de sua incapacidade relativa, suprida pelo advento da maioridade no curso do processo. - Da mesma forma, embora se mostre notório que o pai se esquivou ao longo dos anos do dever de prestar os alimentos constituídos por título judicial advindo de revisional de alimentos, onerando exclusivamente a genitora no sustento da prole, não é a execução de alimentos devidos unicamente à filha o meio apropriado para a mãe buscar o reembolso das despesas efetuadas, o que poderá ocorrer por meio de ação própria. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp 859.970/SP, 3ª Turma, DJ 26/03/2007).

c.1-) MODIFICAÇÃO DE GUARDA durante a execução: O recorrente ajuizou a execução de alimentos em face do genitor em 26/08/2010, ocasião em que ainda estava sob a guarda da recorrida e que foi por ela representado, pleiteando a cobrança de dívida de natureza alimentar originada da inadimplência do genitor no período compreendido entre Janeiro de 2005 e Julho de 2011. No curso da execução de alimentos – mais precisamente em 13/02/2012 –, houve a modificação de guarda do menor para o genitor. Diante desse cenário, pleiteou a recorrida que a execução de alimentos em curso deveria prosseguir tendo ela própria como credora, na medida em que teria arcado com o sustento do recorrente no período de inadimplência do genitor, pretendendo, por isso mesmo, ser ressarcida das despesas por ela efetuadas, ao argumento de que se sub-rogou na condição de credora dos alimentos preexistentes à modificação da guarda.
A pretensão foi acolhida em 1º grau de jurisdição e, posteriormente, mantida pelo acórdão recorrido. Entendeu o STJ que, “embora o genitor tenha, ao que tudo indica, efetivamente se esquivado por longo período de cumprir a obrigação alimentar em favor do recorrente, onerando exclusivamente a recorrida no sustento do infante, não é a execução de alimentos a via adequada para que a recorrida obtenha o ressarcimento das despesas efetuadas no período em que o genitor não cumpriu as suas obrigações.
A necessidade de uma ação de conhecimento própria, a ser manejada pela recorrida em face do genitor, justifica-se por diferentes motivos, aptos inclusive a afastar a eventual alegação de ofensa à razoável duração do processo e à economicidade processual. Em primeiro lugar, porque não há que se falar em sub-rogação legal na situação que aqui se examina – alimentos que tem como característica o caráter personalíssimo – e que não se amolda a nenhuma das hipóteses previstas no art. 346 do Código Civil: (...). Não se pode olvidar, ainda, que há regra no ordenamento jurídico – art. 871 do Código Civil – que, na esteira da jurisprudência desta Corte”. Confiram-se a ementa:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. SUPRIMENTO DAS PRESTAÇÕES PELA GENITORA DURANTE O INADIMPLEMENTO DO OBRIGADO. MODIFICAÇÃO DE GUARDA. SUB-ROGAÇÃO INEXISTENTE. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA PARA A OBTENÇÃO DO RESSARCIMENTO. 1- Ação distribuída em 26/08/2010. Recurso especial interposto em 13/09/2013 e atribuído à Relatora em 25/08/2016. 2- A genitora que, no inadimplemento do pai, custeia as obrigações alimentares a ele atribuídas, tem direito a ser ressarcida pelas despesas efetuadas e que foram revertidas em favor do menor, não se admitindo, todavia, a sub-rogação da genitora nos direitos do alimentado nos autos da execução de alimentos, diante do caráter personalíssimo que é inerente aos alimentos. Inaplicabilidade do art. 346 do Código Civil. 3- A ação própria para buscar o ressarcimento das despesas efetivadas durante o período de inadimplemento do responsável pela prestação dos alimentos se justifica pela inexistência de sub-rogação legal, pela necessidade de apuração, em cognição exauriente, das despesas efetivamente revertidas em favor do menor e, ainda, pela existência de regra jurídica que melhor se amolda à hipótese em exame. Incidência do art. 871 do Código Civil. Precedentes. 4- Recurso especial provido. (STJ - REsp 1658165/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017)

c.2-)PERDA DA GUARDA - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO:

Ação de execução de alimentos. Menor representado por sua genitora. Posterior alteração da guarda em favor do executado. Prosseguimento da execução pela genitora. Impossibilidade. Direito aos alimentos. Viés personalíssimo. Intransmissibilidade. A genitora do alimentando não pode prosseguir na execução de alimentos, em nome próprio, a fim de perceber os valores referentes aos débitos alimentares vencidos, após a transferência da titularidade da guarda do menor ao executado. (STJ, Informativo de Jurisprudência nº 0654, de 13.9.2019).
STJ, REsp 1771258-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/08/2019, DJe 14/08/2019
No mesmo sentido: STJ, REsp 1658165/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3a Turma, DJe 18/12/2017; STJ, REsp 1453838/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4a Turma, DJe 07/12/2015; e STJ, REsp 1197778/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 3a Turma, DJe 01/04/2014.

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d.-) POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO PAGAMENTO enquanto perdurar a incapacidade financeira do alimentante:
CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO NA VIGÊNCIA DO NCPC. FAMÍLIA. ALIMENTOS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. DISPENSA TEMPORÁRIA DO GENITOR AO PAGAMENTO DA VERBA ALIMENTAR. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. RENÚNCIA DO DIREITO. INOCORRÊNCIA. REFORMA DO ENTENDIMENTO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. As instâncias ordinárias, após bem sopesar a situação fática do caso, reconheceram que o genitor não se encontra em situação financeira equilibrada e que a genitora, por sua vez, possui capacidade de garantir as necessidades do incapaz integralmente, e que tal situação não representa renúncia do direito do menor aos alimentos (o que é vedado no ordenamento jurídico vigente), mas tão somente à sua percepção, enquanto durar a incapacidade financeira do genitor. 3. Para afastar tais considerações, seria necessário o reenfrentamento da situação fática da causa, incidindo, na espécie, óbice da Súmula nº 7 do STJ. 4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos. 5. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp 1666945/SC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 19/04/2018)
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