quarta-feira, 31 de maio de 2023

Do ônus da prova e da teoria da aparência na ação de alimentos.

 

Conforme já frisamos em outros artigos, o STJ entende que "em ação de alimentos, a sentença não se subordina ao princípio da adstrição judicial à pretensão, de modo que o juiz pode arbitrar o valor da obrigação à luz dos elementos fáticos que integram o binômio necessidade/ capacidade, sem que a decisão incorra em julgamento extra petita" (STJ, 2013, REsp 1290313/ AL e 2018, AREsp 1232910/ DF). Mais recentemente: "a sentença não se subordina ao princípio da adstrição judicial à pretensão autoral, podendo o juiz fixar os alimentos segundo o seu convencimento, adotando os critérios da necessidade do alimentado e da possibilidade do alimentante (STJ, 2022, AREsp 2028718/ RJ e 2020, AREsp 1624885/ SP).

Esse entendimento de que o juiz pode arbitrar o valor da obrigação à luz dos elementos fáticos que integram o feito, em quantia até superior a pedida pelo autor, sem que a decisão incorra em julgamento extra ou ultra petita, é especialmente importante nos casos de genitores autônomos, profissionais liberais ou que não se tem informações acerca de seus rendimentos, onde o juiz pode, de ofício ou a requerimento do alimentado, aplicar a técnica de distribuição dinâmica do ônus da prova, prevista no artigo 373§ 1º, do Código de Processo Civil, para atribuir ao réu o ônus da prova de sua capacidade econômica, que poderá se mostrar muito superior à estimada pelo alimentado em seu pedido. O julgador pode fazer uso, inclusive, da teoria da aparência, observando-se os sinais exteriores de riqueza do alimentante.

Esses temas estão pacificados na doutrina e na jurisprudência. Vejamos:

Tratando-se de alimentos, é do alimentante o ônus de fazer prova sobre suas possibilidades"( 37ª Conclusão do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) e
Enunciado nº 573 = "Na apuração da possibilidade do alimentante, observar-se-ão os sinais exteriores de riqueza. (Artigo: 1.694, § 1º, do Código Civil)" - (Teoria da aparência - Enunciado 573 – VI Jornada de Direito Civil - Conselho da Justiça Federal - Coordenador Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar - Aqui íntegra do enunciado).

Portanto, quando o alimentante é profissional liberal, autônomo ou empresário, enorme é a dificuldade de descobrir seus ganhos. Por isso, é possível a quebra do sigilo bancário, para saber de sua movimentação financeira. Também pode o juiz solicitar à Receita Federal cópia da declaração de renda de quem tem o ônus de pagar alimentos.

"Leciona a ilustre autora Maria Berenice Dias:

"(...) Não deve a parte que suscitar a teoria da aparência, ter qualquer receio quanto à utilização de fotografias e demais indícios de sinais de riqueza, ainda que necessite a parte se utilizar de sites de relacionamento para tanto.
Ressaltamos a importância deste veículo para comprovação de riqueza, pois, atualmente, é o maior meio de comunicação social em que as pessoas relatam detalhes pessoais e, principalmente, conquistas como carros e viagens, ostentações estas que possuem grande valor para corroborar a tese.
Vale, igualmente, requerer ao juízo a expedição de ofícios ao INSS, DETRAN e Receita Federal com o escopo de amealhar provas da renda do devedor.
Outra possibilidade que, embora seja dificilmente concedida quando do ajuizamento da ação de alimentos ou revisional, pode ser requerida é a quebra de sigilo bancário."
(Maria Berenice Dias - Manual de Direito das Famílias, 4ª ed. rev., atual. e ampl. 3. tir., São Paulo: Editora RT. p.482.).

A aplicação da teoria da aparência quando o alimentante demonstra possibilidade financeira superior àquela retratada no processo judicial é reconhecida por vários tribunais, como o TJ/TO (AG nº 0004272-58.2023.8.27.2700), o TJ/MG (AC nº 5006088-47.2020.8.13.070) e TJ/SP (AC nº 1003270-20.2020.8.26.029).

Nesse mesmo sentido decisão recentíssima do TJ SP:

" Apelação Cível – Ação de alimentos – Sentença de procedência - Fixação em quatro salários mínimos – (...) Preliminar de sentença ultra petita afastada – Ordenamento jurídico que não prevê parâmetros específicos para a fixação dos alimentos - Magistrado que tem livre arbítrio, diante das provas coligidas nos autos, para fixar o "quantum" que entender mais justo, observando o binômio necessidade/possibilidade (artigo 1.694§ 1º, do Código Civil).
Mérito – (...) Elementos nos autos demonstrando que o apelante não sobrevive, apenas, com o valor da aposentadoria, detendo bens móveis e imóveis incompatíveis com a alegada hipossuficiência. Sentença mantida – Provas a demonstrar que o apelante possui quatro fazendas, explorando atividade pecuária, além de imóveis urbanos em condomínio com a ex-esposa, bem como automóveis
– Sinais exteriores de riqueza – Apelada, única filha do apelante ao que tudo indica, contando 13 anos de idade, sendo as necessidades presumidas – Majoração dos honorários recursais para 11% sobre a soma de 12 parcelas dos alimentos – Recurso improvido.
((TJSP; Apelação Cível 1009229-17.2017.8.26.0019; Relator: José Joaquim dos Santos; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Americana - 1ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento e do Registro: 15/5/2023).

.O Tribunal de Justiça do Tocantins, também em maio/ 2023, através do Agravo de Instrumento nº 0004272-58.2023.8.27.270, majorou alimentos provisórios com base na teoria da aparência. O juiz de piso fixou os provisórios no valor de R$ 1.000,00 e o tribunal reformou a decisão, elevando os provisórios para valor equivalente a seis salários mínimos mensais. Destacou o relator que a representante do alimentado alegou que o juiz de origem não observou "o binômio necessidade/possibilidade, pois o alimentante tem condição financeira que permite a prestação de alimentos em valor maior que o estipulado". Ao acolher o Agravo de Instrumento, frisou que "embora as provas produzidas pela recorrente tenham caráter unilateral, elas constituem indícios sobre a capacidade financeira do agravado, por indicar sinais exteriores de riqueza". E concedeu a liminar destacando que: “Em sede apreciação perfunctória aponta que o valor fixado a título de alimentos na instância singular, deve ser adequado, pois está aquém das possibilidades do genitor da criança”. Restou, portanto, reconhecido que o valor dos alimentos fixado na primeira instância está abaixo das possibilidades do genitor da criança ( aqui íntegra da notícia).

Portanto, o ônus da prova deve ser invertido em desfavor do alimentante, bem como aplicada a teoria da aparência, com especial destaque para os conteúdos postados nas redes sociais, onde através de fotos e vídeos, se exterioriza sinais de riqueza, cada vez mais aceitos nos processos judiciais, seja para fixar ou majorar o valor da pensão alimentícia.

Fontes: STJ, CJF, TJSP, TJMG, TJTO, CE-TJRS, PROFª MARIA BERENICE DIAS, IBDFAM - Imagem: CANVA

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    sexta-feira, 5 de maio de 2023

    A mudança do regime de bens durante o casamento pode ter efeito retroativo, decide o STJ.

     

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    A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu em 25/4/2023, no Agravo Interno em REsp nº 1671422/SP, relatado pelo Ministro Raul Araújo, que a mudança superveniente do regime de bens do casamento pode ter efeito retroativo (“ex tunc”).

    No caso concreto analisado, o casal que havia contraído matrimônio no regime de separação total de bens decidiu, de comum acordo, pela mudança para o regime de comunhão universal, sob o argumento que a relação está consolidada e de que o patrimônio foi construído em conjunto.

    De inicio, em decisão monocrática, o relator havia decidido pelo não provimento do Recurso Especial, considerando que o acórdão recorrido estava em consonância com o entendimento do STJ que, em julgamentos anteriores ( REsp nº 1947749/ SP, REsp nº 1533179/ RS e REsp nº 1300036/ MT), decidiu que os efeitos da modificação do regime de bens do casamento não retroagem (“ex nunc”), devendo vigorar apenas a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória.

    Inconformados, os recorrentes discordaram da decisão, alegando que o entendimento do STJ viola o artigo 1.667 do Código Civil e, portanto, o novo regime de bens deve ter efeitos retroativos.

    O Ministro Relator Raul Araújo, ao reformar a decisão inicial, afirmou que a autonomia da vontade das partes deve ser respeitada e que, se a decisão do casal pela mudança beneficia a coletividade, não prejudica terceiros e não causa desequilíbrio às relações patrimoniais, pode ser admitida.

    Referido julgado figurou no Informativo de Jurisprudência nº 772 do STJ, de 02 de maio de 2023, com o seguinte Destaque:

    "Os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento, retroagem à data do matrimônio (eficácia ex tunc)."
    Tema: "Casamento. Regime de bens. Modificação. Separação total para comunhão universal. Eficácia ex tunc. Corolário lógico."

    Informações do inteiro teor do julgado supra:

    "A modificação do regime de bens foi admitida pelo Código Civil de 2002, especialmente no seu art. 1.639§ 2º. Nos termos da literalidade da norma, a alteração do regime de bens não poderá prejudicar os direitos de terceiros. Constata-se, assim, a preocupação de se proteger a boa-fé objetiva, em desprestígio da má-fé, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária. Assim, em qualquer hipótese, havendo prejuízo para terceiros de boa-fé, a alteração do regime de bens deve ser reconhecida como ineficaz em relação a esses, o que não prejudica a sua validade e eficácia entre as partes e de modo geral.
    Na hipótese do presente recurso, as partes casaram-se pelo regime da separação eletiva de bens e, valendo-se da autonomia de vontade, optaram por alterá-lo para o regime da comunhão universal de bens (o que supera, portanto, a comunhão parcial), manifestando, expressamente, a intenção de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração.
    Nesse caso, a retroatividade (efeitos ex tunc) não teria o condão de gerar prejuízos a terceiros, porque todo o patrimônio titulado pelos recorrentes continuaria respondendo, em sua integralidade, por eventuais dívidas, conforme inteligência do art. 1.667 do Código Civil de 2002, que dispõe que o regime da comunhão universal de bens importa a comunhão de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas. Com efeito, na hipótese de alteração do regime de bens para o da comunhão universal o próprio casamento se fortalece, os vínculos do casal se ampliam e a eficácia ex tunc decorre da própria natureza do referido regime.
    Nessa linha, é possível que os interessados requeiram ao juiz que estabeleça a retroação dos efeitos da sentença, optando pelos efeitos ex tunc. No que tange à esfera jurídica de interesses de terceiros, a lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se considerem prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens será considerada ineficaz em relação a eles.
    A vedação, em caráter absoluto, à retroatividade implicaria inadmissível engessamento, retardando os benefícios que adviriam de um regime presumivelmente mais vantajoso para as partes e terceiros. O que não se pode fazer é retroagir para prejudicar, para alterar uma situação do passado em prejuízo da sociedade. Ao contrário, se a retroatividade é benéfica para a coletividade, se não viola o patrimônio individual, nem prejudica terceiros, ou seja, se o retroagir não produz desequilíbrio jurídico-social, deve ser admitido.
    Havendo alteração da separação eletiva de bens para a comunhão universal, só haveria de fato uma comunhão" universal "se os bens já existentes se comunicarem. Sendo o regime primitivo o da separação de bens, com a alteração para comunhão universal, todos os bens presentes e futuros devem entrar para a comunhão. Como a própria lei já ressalva os direitos de terceiros (a alteração do regime de bens será ineficaz perante eles) não há por que o Estado-juiz criar embaraços à livre decisão do casal acerca do que melhor atende a seus interesses.
    É difícil também imaginar algum prejuízo aos credores, visto que esses, com a alteração do regime para comunhão universal, terão mais bens disponíveis para garantir a cobrança de valores. Independentemente de constar na decisão judicial, o patrimônio continuará respondendo pelas dívidas existentes. Quanto a eventual credor prejudicado, vale a ressalva feita pela lei que diz respeito à ineficácia em relação a direito de algum terceiro que venha a alegar prejuízo.
    Como regra, a mudança de regime de bens valerá apenas para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos. Mas a modificação poderá alcançar os atos passados se o regime adotado (exemplo: alteração de separação convencional para comunhão parcial ou universal) beneficiar terceiro credor pela ampliação das garantias patrimoniais. Aceitável, portanto, a retroação decorrente de explícita manifestação de vontade dos cônjuges.
    A mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens, especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão universal."

    - Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Legislação: Artigos 1.639§ 2º e 1.667 do Código Civil, Meu artigo: "Casamento, Divórcio, Separação Judicial e Regimes de Bens: os julgados mais importantes do STF e do STJ e Modelos de Petições",  Imagem: Canva.

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