sexta-feira, 17 de julho de 2020

Da retirada do sobrenome paterno ou materno por abandono afetivo e material.


Atualmente o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.

É verdade que o STJ já julgou incabível a supressão do sobrenome paterno sob a alegação de ausência de laços afetivos. Nesse sentido: STJ, REsp 1521719, DJe 01/3/2017 e STJ, AgRg no AREsp 610.788/SP, DJe 09/08/2016.

O mesmo Tribunal em um caso peculiar autorizou que o filho, já adulto, abandonado desde a infância excluísse o sobrenome paterno e incluísse o da avó materna, pois foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó.

A decisão teve como fundamento o entendimento de que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. O rapaz recorreu ao STJ contra acórdão do TJ-SP que acolheu o pedido de inclusão, mas manteve a indisponibilidade do sistema registral. Para o tribunal paulista, a mudança descaracterizaria o nome da família.

No recurso julgado pela 3ª Turma, o rapaz sustentou que a decisão violou o artigo 56 da Lei 6.015/ 73, já que estariam presentes todos os requisitos legais exigidos para a alteração do nome no primeiro ano após ele ter atingido a maioridade civil. Argumentou, ainda, que não pediu a modificação da sua paternidade no registro de nascimento, mas somente a exclusão do sobrenome do genitor, com quem não desenvolveu nenhum vínculo afetivo.

Posição flexível - Citando vários precedentes, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que o STJ tem sido mais flexível em relação à imutabilidade do nome civil em razão do próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade.

Para o relator, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, a pretensão do recorrente está perfeitamente justificada nos autos, pois, abandonado pelo pai desde criança, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna.

“Ademais, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, parece sobrepor-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos”, ressaltou o ministro em seu voto.

Ao acolher o pedido de retificação, Sanseverino enfatizou que a supressão do sobrenome paterno não altera a filiação, já que o nome do pai permanecerá na certidão de nascimento. A decisão foi unânime. O Acórdão restou assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES. 1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Publicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. 4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO".
(STJ, REsp 1304718/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª Turma, DJe 05/02/2015).

No mesmo sentido: STJ, REsp 1412260/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 22/05/2014 e STJ, SEC 5.726/EX, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 13/09/2012.



Em julgado recentíssimo, datado de 18.6.2020, a 3a Câmara de Direito Público do TJ-SP, citando precedente do STJ,  reformou sentença para autorizar uma mulher a retirar o sobrenome paterno em razão de abandono afetivo.

Ela alegou que a manutenção do sobrenome trazia constrangimento e sofrimento e afrontava os direitos constitucionais à personalidade e dignidade. A ação foi julgada em 1º grau, mas a sentença foi reformada pelo TJ-SP. Vejamos a ementa:

"AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pretensão da requerente de exclusão do patronímico paterno de seu nome. Julgamento de improcedência. Irresignação. Acolhida impositiva. Medida fundada em abandono sofrido pela interessada por parte de seu genitor. Incontroversa ruptura do vínculo afetivo. Quadro que gera imenso sofrimento à interessada. Cumprimento da hipótese do artigo 57 da Lei nº 6.015/73. Resguardo aos direitos da personalidade da requerente. Precedentes do C. STJ e desta Câmara. Eventuais prejuízos a terceiros, no mais, não evidenciados. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO".  
(TJSP;  Apelação Cível 1003518-65.2019.8.26.0664; Relator (a): Donegá Morandini; 3ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 18/06/2020; Data de Registro: 18/06/2020).

No mesmo sentido:
“REGISTRO CIVIL. EXCLUSÃO DE PATRONÍMICO. Ação de adoção c.c. retificação de registro civil. Autora que pretende a supressão do patronímico paterno biológico "Cruz", não compartilhado com sua mãe ou avós socioafetivos. Possibilidade. Requerente que foi abandonada afetivamente pelo pai biológico (já falecido) em sua juventude. Motivo suficiente para a modificação pretendida. O nome representa direito de personalidade e, como tal, está intimamente ligado à integridade moral do indivíduo e ao princípio da dignidade humana. Princípio da imutabilidade do nome que não é absoluto. Precedente do STJ. Ausência de prejuízo a terceiros. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO”
(TJ-SP, Apelação Cível nº 1007663-63.2017.8.26.0009, Rel. Alexandre Marcondes, j. 19.03.2019). 

E, também: 
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pedido de retificação para exclusão do patronímico paterno e inclusão de apelido de família da avó materna, além de exclusão da filiação paterna. Recurso interposto pela parte autora em face de sentença de improcedência. Parcial acolhimento. Precedente do STJ. Manifestação favorável do Ministério Público. Substituição do patronímico que é autorizado, diante das especificidades do caso. Autora que além de ter perdido o contato com o genitor quando ainda de tenra idade, possui repulsa a sua figura, visto que ele teria sido acusado de haver abusado sexualmente de sua irmã unilateral, quando esta era criança. Improcedência, no entanto, quanto à exclusão da filiação, na medida em que a questão não é meramente registraria, mas de direito de família, e a referida pessoa não consta dos autos. Sentença reformada, para excluir o nome de família do pai e incluir o nome de família da avó materna. Determinação para anotação de segredo de justiça. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO (v.31469)”
(TJ-SP, Apelação Cível nº 1005592-55.2017.8 .26.0020, Rel. Viviani Nicolau, j. 05.09.2019).-

SENTENÇA DE ABRIL DE 2020 - Filho conquista direito de retirar sobrenome paterno após abandono afetivo. Juiz de SP destacou a insuportabilidade de ostentar um sobrenome que traz carga de sofrimento. 
Para evitar angústia e sofrimento a um jovem, o juiz de Direito Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, da 1ª vara Cível de SP, autorizou que ele retire o sobrenome do pai do registro civil.
O autor buscou a retificação do seu registro civil para incluir o sobrenome materno e excluir o sobrenome paterno, relatando que com dois anos de idade os pais se separaram e desde então o pai “nunca o procurou, nunca participou de sua infância, nem adolescência ou de qualquer momento de sua vida”.
Na análise do pedido, o magistrado compreendeu que, em que pese a manifestação negativa do genitor, a documentação e os depoimentos das testemunhas comprovam a ausência da figura paterna na vida do jovem, com o desenvolvimento de trauma psicológico.
Se referido distanciamento entre o genitor e o acionante decorreram por culpa daquele ou não, pouco importa. O relevante, no caso, é que a situação de dor, angústia e sofrimento suportado pelo Autor (pela ausência de seu genitor em sua vida) resta agravado com a permanência do sobrenome paterno. O motivo relevante, portanto, consiste na insuportabilidade de ostentar um sobrenome que traz uma carga de sofrimento, devidamente comprovada nos autos.”
O julgador assentou na sentença que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto e encontra exceções na lei e na jurisprudência; e que o autor é, inclusive, conhecido em seu meio social com sobrenome da mãe.
Deve-se levar em consideração as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, que pode levar uma vida atormentada, tal como se verifica no caso em análise. Ademais, a supressão do sobrenome paterno em nada altera a sua condição de paternidade, que continua íntegra e suficiente.” (Aqui, íntegra da sentença).
Portanto, demonstrado que tanto no Superior Tribunal de Justiça, quanto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o entendimento é no sentido de se flexibilizar o princípio da imutabilidade do nome civil, em homenagem ao direito da personalidade, da dignidade e do vínculo socioafetivo. 
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