quinta-feira, 30 de novembro de 2023

STF discute se casar após 70 anos obriga regime de separação de bens.

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, em 18/10/2023, a experiência de nova metodologia que divide os julgamentos de casos relevantes em duas partes. Na primeira, o Plenário apenas ouve o relatório e as sustentações orais das partes envolvidas e de terceiros admitidos no processo, para, em sessão posterior a ser marcada, os votos sejam proferidos.

O novo formato foi adotado no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642, com repercussão geral (Tema 1.236), em que se discute se é constitucional o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos e se a regra se aplica também às uniões estáveis ( entenda o caso).

Presidente do STF e relator do recurso, o ministro Luís Roberto Barroso salientou que essa organização do julgamento permite que os diferentes argumentos e pontos de vista apresentados na sessão plenária possam ser considerados de forma mais aprofundada pelos integrantes da Corte. Outro ponto positivo é a ampliação do debate sobre o tema na sociedade antes da tomada de decisão.

Separação de bens - No processo em julgamento, a companheira de um homem com quem constituiu união estável quando ele tinha mais de 70 anos, já falecido, pretende que seja reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, que exige a separação de bens nesse caso, para que possa participar do inventário e da partilha de bens.

Expectativa de vida - Em nome dos herdeiros do falecido, o advogado Heraldo Garcia Vitta sustentou que as estatísticas favorecem a tese de constitucionalidade do dispositivo, uma vez que a taxa de mortalidade é mais alta entre homens e pessoas acima de 60 anos, que, geralmente, apresentam doenças crônicas.

A seu ver, a expectativa de vida deve ser levada em consideração no início de uma relação, e, no caso concreto, o falecido tinha 72 anos quando iniciou a união estável, em 2002. O advogado informou, ainda, que a companheira não ficará desamparada, porque, de acordo com o inventário, ela tem direito a quase R$ 1 milhão.

Proteção à pessoa idosa - A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), argumentou que a maior longevidade justifica a constitucionalidade da regra, porque a maior parte das pessoas idosas no Brasil tem patrimônio suficiente apenas para viver com dignidade, e seu bem-estar deve ser assegurado até o fim de suas vidas. Para a entidade, a norma não é discriminatória e protege a pessoa idosa.

Autonomia privada - Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) defendeu a inconstitucionalidade da regra. Para a advogada Maria Luiza Póvoa Cruz, a intervenção do Estado é excessiva e invade a autonomia privada, tolhendo a capacidade dos idosos. Segundo esse argumento, a idade cronológica não deve ser parâmetro absoluto para definir a incapacidade de dispor sobre o regime de bens.

Discriminação - De igual forma, o Ministério Público do Estado de São Paulo, representado por Mário Luiz Sarrubbo, defendeu que a norma é excessiva, inadequada e desproporcional, pois discrimina a pessoa maior de 70 anos e atenta contra o princípio da dignidade humana, ao retirar sua livre escolha sobre os seus próprios atos. Também considerou que a norma é incompatível com o Estatuto do Idoso no que diz respeito à autonomia das pessoas com mais de 60 anos.

“Golpe do baú” - Mesmo posicionamento foi adotado pela Defensoria Pública da União (DPU), representada por Gustavo Zortea da Silva. Segundo ele, não pode haver presunção absoluta de que o idoso seria vítima de um “golpe do baú”, e não destinatário de afeto. Sob pena de preconceito e violação ao princípio da liberdade, ele defendeu que se leve em consideração a autonomia da vontade do idoso e sua capacidade de exercer direitos.

O caso concreto - "O julgamento surge como repercussão de um caso que ocorreu na cidade de Bauru, no interior de São Paulo, no qual um homem e uma mulher mantiveram uma união estável de 2002 a 2014, ano em que ele morreu. Em primeira instância, o juízo reconheceu a companheira como herdeira. No entanto, os filhos do homem recorreram e, embora tenha confirmado a união estável, o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP aplicou o regime de separação de bens, já que ele tinha mais de 70 anos quando a relação foi selada, seguindo o exposto no artigo 1.641, II, do Código Civil.

Os autos foram encaminhados para o Superior Tribunal de Justiça – STJ e, então, para o STF, já com parecer favorável da Procuradoria Geral da República – PGR. Ao julgar a repercussão geral da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou considerar que a questão ultrapassa interesses subjetivos do caso ocorrido em Bauru por apresentar relevância social, jurídica e econômica. "Sem dúvida, a matéria envolve a contraposição de direitos com estatura constitucional", avaliou." (site IBDFAM).

Nota nossa: No regime de separação obrigatória, previsto no art. 1.641 do CC/2002, que independe da vontade das partes. O cônjuge sobrevivente não é herdeiro, mas meeiro dos bens adquiridos na constância da união, aplicando a Súmula nº 377, do STF ("No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento"). Importante lembrar que o esforço não é presumido, mas precisa ser provado. Precedente: STJ, AgInt no REsp 1637695/ MG (lei mais no nosso artigo sobre inventário).

Leia mais:

18/10/2023 - Entenda a discussão no STF sobre separação de bens em casamento de pessoa maior de 70 anos
1/10/2022 - STF vai discutir obrigatoriedade de separação de bens em casamento de pessoa maior de 70 anos

Fontes: Setor de Comunicação do STF e IBDFAM.

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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Sobrinho tem direito a herança, em representação ao seu pai pré-morto?

 

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No direito das sucessões brasileiro, na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, não concorrendo com parentes colaterais do falecido, ressalvada a existência de manifestação de última vontade (testamento), nos termos do artigo 1.838 do Código Civil e precedente do STJ ( REsp 1357117/ MG).

No entanto, se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau (Art. 1.839 do CC).

A questão prática discutida é se há direito de representação dos filhos do irmão pré-morto.

A legislação regula o direito de representação, aplicando-o quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse. Mas tal direito dá-se apenas na linha reta descendente, nunca na ascendente (Arts. 1.851 e 1.852 do CC).

Caso hipotético: um irmão falece sem deixar herdeiros necessários (descendentes, ascendestes e cônjuge), apenas dois irmãos e dois sobrinhos, filhos de um outro irmão pré-morto. A herança será dividida somente entre os dois irmãos que restaram, ou também com os dois sobrinhos?

A resposta é positiva, no sentido de que os filhos do irmão pré-morto herdam por representação, conforme prescreve o artigo 1.840 do CC: "Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos"- grifo nosso.

Já o artigo 1.853, do CC reforça: "Na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem” - destacamos.

Trata-se, portanto, da única hipótese na qual um colateral sucede pela representação. Vejamos julgados do STJ:

"(...) SOBRINHOS. DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. EXCEÇÃO LEGAL. CONCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE (...) 5. Na hipótese, os sobrinhos da falecida herdam por estirpe, a título de representação, concorrendo no percentual destinado ao herdeiro pré-morto ao lado dos colaterais, na espécie, o único irmão sobrevivente da autora, que herda por direito próprio. 6. (...)""(STJ, REsp 1674162/ MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3a Turma, j. 16/10/2018, DJe de 26/10/2018) - grifo nosso.

No mesmo sentido:

"RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. EXCLUSÃO DE COLATERAL. SOBRINHA-NETA. EXISTÊNCIA DE OUTROS HERDEIROS COLATERAIS DE GRAU MAIS PRÓXIMO. HERANÇA POR REPRESENTAÇÃO DE SOBRINHO PRÉ-MORTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. No direito das sucessões brasileiro, vigora a regra segundo a qual o herdeiro mais próximo exclui o mais remoto. 2. Admitem-se, contudo, duas exceções relativas aos parentes colaterais: a) o direito de representação dos filhos do irmão pré-morto do de cujus; e b) na ausência de colaterais de segundo grau, os sobrinhos preferem aos tios, mas ambos herdam por cabeça. 3. O direito de representação, na sucessão colateral, por expressa disposição legal, está limitado aos filhos dos irmãos. 4. Recurso especial não provido" (STJ, REsp 1064363/ SP, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 11/10/2011, DJe 20/10/2011) - grifamos.

Graus de parentesco - A contagem de graus de parentesco em linha reta se dá pelo número de gerações. Assim, uma pessoa é parente em primeiro grau de seu pai; em segundo, de seu avô, e, em terceiro, de seu bisavô. Para a contagem de graus em linha transversal também se recorre às gerações. Cada geração corresponde a um grau. Assim, para contar o grau de parentesco do tio, sobe-se primeiro ao pai; a seguir, ao avô; e depois, desce-se ao tio. Três graus ao todo ("Direito Civil Direito de Família", de Silvio Rodrigues).

Em relação a mim: meus pais e meus filhos (1º grau), meus avós, meus netos, meus irmãos (2º grau); meus bisavós, meus bisnetos, meus sobrinhos, meus tios (3º grau); meus primos, sobrinhos-netos e tios-avôs (4º grau).

Unilaterais e bilaterais - Importante observar que os irmãos unilaterais (do mesmo pai ou da mesma mãe) herdam metade do que cada um dos bilaterais (filhos do mesmo pai e da mesma mãe) herdarem (Art. 1.841 do CC). O Projeto de Lei (PL) nº 7.722/ 2017, em trâmite, busca equipará-los.

Testamento - Oportuno ainda frisar que é possível ao testador sem descendente, ascendente e cônjuge deixar todo o seu patrimônio para apenas um colateral ou terceiro. Isso porque, os colaterais, por serem herdeiros legítimos, mas facultativos, podem ser excluídos da sucessão, bastando que o testador disponha por inteiro de seu patrimônio sem contemplá-los, conforme estatui o art. 1.850 do Código Civil: “Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar”, ou seja, quando há herdeiros necessários a liberdade de testar restringe-se somente à metade disponível; havendo somente os facultativos, a liberdade de testar é plena (precedentes: STJ, SE 011202 e AREsp 1309415).

Portanto, é expressamente assegurado pela legislação o direito de representação aos filhos de irmão pré-morto do inventariado, quando concorrem com os demais irmãos deste. Aliás, essa é a única hipótese na qual um colateral sucede pela representação.

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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guarda compartilhada sim, responsabilidade nem sempre.

 

O presente trabalho busca analisar se a responsabilidade civil dos pais por danos causados por filhos menores é objetiva para ambos os pais, nos termos do art. 932I, do Código Civil, ou se há exceção que obrigue apenas um, especialmente considerando as espécies de guarda e o local que é exercida.

De início, importante frisar que a guarda consiste no dever de prestar assistência educacional, material e moral ao filho menor, no exercício do poder familiar e de responsabilidades, direitos e deveres relativos à criação da criança ou do adolescente, previsto nos arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil.

Código Civil fala em guarda unilateral e em guarda compartilhada. A unilateral ocorre quando um dos pais fica com a guarda exclusiva e o outro possui apenas o direito de visitas/ convivência (art. 1.583§ 1º, do CC). Já na compartilhada ambos os pais são responsáveis pela guarda e decisões relativas ao filho, tomando-as em conjunto, baseadas no diálogo e consenso. O filho terá residência fixada com apenas um dos pais (art. 1.583§ 2º, do CC).

A guarda compartilhada dos filhos passou a ser a regra no sistema jurídico brasileiro a partir da vigência da Lei nº 13.058/ 2014.

A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Em outras palavras, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ, REsp 1605477/ RS).

O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada (STJ, REsp 1878041/ SP, Informativo de Jurisprudência 698).

Caso concreto analisado pelo STJ, com filho menor residindo em cidade diversa da mãe, em companhia do pai, restou decidido que:

"Mãe que mora em cidade diversa de seu filho menor não responde civilmente pelos danos por ele causados". Tendo em vista a seguinte exceção: "os pais só respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia", nos termos do inciso I, do art. 932, do CC.

O presente caso foi destaque no Informativo de Jurisprudência nº 575, do STJ, com o seguinte teor:

DIREITO CIVIL. HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DA MÃE DE MENOR DE IDADE CAUSADOR DE ACIDENTE.
A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho.
A partir do advento do CC/2002, a responsabilidade dos pais por filho menor (responsabilidade por ato ou fato de terceiro) passou a embasar-se na teoria do risco, para efeitos de indenização.
Dessa forma, as pessoas elencadas no art. 932 do CC/2002 respondem objetivamente (independentemente de culpa), devendo-se, para tanto, comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual os pais são legalmente responsáveis.
Contudo, nos termos do inciso I do art. 932, são responsáveis pela reparação civil "os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia".
A melhor interpretação da norma se dá nos termos em que foi enunciada, caso contrário, bastaria ao legislador registrar que os pais são responsáveis pelos filhos menores no tocante à reparação civil, não havendo razão para acrescentar a expressão "que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia".
Frise-se que "autoridade" não é sinônimo de "poder familiar". Esse poder é um instrumento para que se desenvolva, no seio familiar, a educação dos filhos, podendo os pais, titulares desse poder, tomar decisões às quais se submetem os filhos nesse desiderato.
"Autoridade" é expressão mais restrita que "poder familiar" e pressupõe uma ordenação. Assim, pressupondo que aquele que é titular do poder familiar tem autoridade, do inverso não se cogita, visto que a autoridade também pode ser exercida por terceiros, tal como a escola.
No momento em que o menor está na escola, os danos que vier a causar a outrem serão de responsabilidade dela, e não dos pais.
Portanto, o legislador, ao traçar que a responsabilidade dos pais é objetiva, restringiu a obrigação de indenizar àqueles que efetivamente exercem autoridade e tenham o menor em sua companhia.
Nessa medida, conclui-se que a mãe que não exerce autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenha o poder familiar, não deve responder pelos danos que ele causar.
STJ, REsp 1.232.011/ SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015, DJe 4/2/2016 (Informativo de Jurisprudência 575).

O julgado restou assim ementado:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO MENOR. INDENIZAÇÃO AOS PAIS DO MENOR FALECIDO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. REVISÃO. ART. 932I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. A responsabilidade dos pais por filho menor - responsabilidade por ato ou fato de terceiro -, a partir do advento do Código Civil de 2002, passou a embasar-se na teoria do risco para efeitos de indenização, de forma que as pessoas elencadas no art. 932 do Código Civil respondem objetivamente, devendo-se comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual são os pais responsáveis legalmente. Contudo, há uma exceção: a de que os pais respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia; assim, os pais, ou responsável, que não exercem autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenham o poder familiar, não respondem por ele, nos termos do inciso I do art. 932 do Código Civil. 2. Na hipótese de atropelamento seguido de morte por culpa do condutor do veículo, sendo a vítima menor e de família de baixa renda, é devida indenização por danos materiais consistente em pensionamento mensal aos genitores do menor falecido, ainda que este não exercesse atividade remunerada, visto que se presume haver ajuda mútua entre os integrantes dessas famílias. 3. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido também parcialmente (STJ, REsp 1.232.011/ SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3a Turma, j. 17/12/2015, DJe de 4/2/2016).

Conclui-se, portanto, que o legislador, ao traçar que a responsabilidade dos pais é objetiva, restringiu a obrigação de indenizar àqueles que efetivamente exercem autoridade e tenham o menor em sua companhia, independentemente da guarda compartilhada e do poder familiar, exercidos por ambos.