segunda-feira, 4 de julho de 2022

Adoção do enteado pelo padrasto/ madrasta (Adoção Unilateral). Ou: Posso adotar meu enteado?

 

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Adoção do enteado pelo padrasto/ madrasta (Adoção Unilateral).

A adoção unilateral, ou adoção pelo cônjuge/ companheiro, se distingue das demais, especialmente pela ausência de ruptura total entre o adotado e os pais biológicos, visto que pelo menos um deles permanece exercendo o Poder Familiar sobre o menor, que será, após a adoção, compartilhado com o cônjuge adotante.

Esse tipo de adoção é possível quando um dos genitores biológicos: i) faleceu; ii) foi destituído do Poder Familiar; iii) é desconhecido. Nesses casos não há consulta ao grupo familiar estendido do ascendente ausente, cabendo tão-só ao cônjuge supérstite decidir sobre a conveniência, ou não, da adoção do filho pelo seu novo cônjuge/ companheiro.

As hipóteses de destituição do poder familiar estão prevista nos art , 1.638 do Código Civil e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há que se falar em consentimento do genitor destituído do poder familiar e, por óbvio, também do desconhecido (art. 45§ 1º do ECA). Podem, no entanto, os pais registrais concordarem com o pedido, art. 166 do ECA, e hipótese abaixo.

Modernamente se admite também a multiparentabilidade, fenômeno que ocorre quando se mantem o poder familiar dos pais biológicos, reconhecendo, pela adoção unilateral, o vínculo socioafetivo entre o padrasto/ madrasta e o adotando, coexistindo de forma igualitária, afastando qualquer hierarquia entre os vínculos biológicos e adotivos. O STJ julgou o primeiro caso de adoção unilateral com manutenção de poder familiar em 2019, através do REsp 1410478/ RN (após: 2021, REsp 1487596/ MG e 2020, REsp 1678030/ RJ - STJ).

O STF - Supremo Tribunal Federal, ao julgar 0 Recurso Extraordinário RE 898060/ SC, em 2019, paradigma do Tema de Repercussão Geral nº 622: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos biológicos e adotivos.

A legislação brasileira autoriza, expressamente, a adoção do filho de um dos cônjuges pelo outro. O artigo 41§ 1º, do ECA trata desta figura de adoção, na qual se altera apenas uma das linhas de parentesco. Por exemplo, o padrasto ou a madrasta pode adotar o enteado mantendo-se o parentesco paterno/ materno. Tal situação existe pelo liame do amor que sem dúvida é criado entre a criança ou adolescente com a sua madrasta ou padrasto, que na maioria das vezes acompanhou todo seu crescimento como se mãe ou pai biológico fosse, se estabelecendo o vínculo socioafetivo. Tal espécie de adoção dispensa, inclusive o período de convivência, bem como a inscrição em fila de adotantes (inciso I, do § 13, art. 50, do ECA). Já tratamos do tema nesse artigo.

Importante lembrar que, como toda adoção, a unilateral também depende de decisão judicial (art. 47 do ECA), a ser proferida no bojo de ação que terá como escopo preservar o princípio constitucional do melhor interesse do menor. Se o adotando for maior de 12 (doze) anos deverá ser ouvido, para manifestar eventual consentimento com a adoção (art. 28§ 2º, do ECA).

A diferença mínima de idade entre adotante e adotando deve ser de dezesseis anos ( § 3º do art. 42 do ECA). Há, no entanto, decisões do STJ que flexibilizam essa norma no caso de adoção unilateral, em prestígio ao princípio da socioafetividade ( 2020REsp 1717167/ DF e 2019, REsp 1785754/ RS - STJ - Informativo de Jurisprudência nº 658).

Importante frisar que a regra geral continua vigente no art. 1.636 do Código Civil, no sentido de que "o pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro". O liame existente é apenas o vínculo civil, ou conforme a dicção do art. 1.595 do CC, por mera ficção jurídica, um vínculo por afinidade, sem implicações de relações de afeto. Essa relação de afinidade, no entanto, pode garantir direito de visita ao ex-enteado, bem como pensão alimentícia, posto que o art. 1.694 do CC não distingue a origem parental para esses fins (2018, REsp nº 1118984 / SC - STJ).

Portanto, a adoção, inclusive a unilateral, é medida excepcional (art. 39§ 1º do ECA), não bastando a nova relação, mas a demonstração inequívoca de vínculo socioafetivo entre padrasto e adotando, bem como o atendimento do melhor interesse do menor.

Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação ( § 6º, do art. 227 da CF).

Destaca-se, por oportuno, que a adoção é irrevogável (art. 39§ 1º, do ECA), ou seja, após realizada é impossível sua anulação. Ainda que a relação amorosa entre os genitores do adotado se finde, a relação de parentesco criada pela adoção irá durar até o fim da vida. Ademais, a parentalidade socioafetiva, que arrima essa espécie de adoção, além de expressamente prevista no ECA, foi objeto de decisão do STF (2016, RE 898060/ SC).

Assim, somente em casos especialíssimos, em relação a adoção unilateral, a irrevogabilidade prevista no art. 39§ 1º do ECA pode ser flexibilizada, sempre no melhor interesse do adotado. Como, por exemplo: quando o adotado teve raro contato com o pai adotivo e foi criado, na verdade, pela família de seu falecido pai biológico (2016, REsp 1545959/ SC - STJ), ou quando o adotado não desejava verdadeiramente integrar a família na época e ao atingir a maioridade se manifeste nesse sentido (2021, REsp 1892782/ PR - STJ).

A adoção unilateral por casais homoafetivos é plenamente possível, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça ( REsp 1281093/ SP - STJ). Pacificado, há muito, a possibilidade da inscrição de pessoa homoafetiva na lista de pessoas interessadas na adoção, prevista no art. 50 do ECA (2015, REsp 1.540.814/ - STJ - Informativo de Jurisprudência 567).

O STJ já homologou sentenças estrangeiras de adoção unilateral fulcrada em abandono pelo pai biológico, sem consentimento deste, concluindo pela desnecessidade da citação, ante o fato consolidado em benefício do adotando, com estudo social nesse sentido (2019, HDE 144/ EX, 2014, SEC 8.600/ EX - e 2010, SEC 259/ HK - STJ).

A jurisprudência reconhece a legitimidade ativa do padrasto para o pleito de destituição do poder familiar em procedimento contraditório, diante do seu legitimo interesse de adotar o filho do seu cônjuge ou companheiro, na modalidade da adoção unilateral (2010, REsp 1106637/ SP - STJ).

Já entendeu o STJ ser possível a adoção unilateral do enteado maior de idade, quando presente o vínculo de paternidade socioafetiva consolidado há anos entre ambos, em decorrência de união estável estabelecida entre o padrasto e a mãe biológica do adotando (2020, REsp 1717167/DF - STJ). Inclusive, em outro caso concreto, o mesmo STJ afastou a necessidade de consentimento do pai biológico (que se opôs a adoção) de filho maior, com vínculo socioafetivo com o padrasto, aliado ao longevo afastamento voluntário do genitor. Destacou que o direito discutido envolve interesse individual e disponível de pessoa maior e plenamente capaz, que não depende do consentimento dos pais para exercer sua autonomia de vontade. A Lei autoriza a adoção de maiores pela via judicial quando constituir efetivo benefício para o adotando nos termos do art. 1.619 do Código Civil (2015, REsp 1444747/ DF - STJ).

Independentemente da adoção, podem os enteados, requerer ao juiz competente que, no seu registro de nascimento, seja averbado o sobrenome do seu padrasto/ madrasta, bastando a concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família, conforme autoriza o § 8º do art. 57 da Lei 6.015/ 1973 (REsp 220059/ SP - STJ). Pode ainda o enteados requerer alteração do seu registro de nascimento para dele constar o nome de solteira de sua genitora na hipótese dela se divorciar do seu padrasto (REsp 1072402/ MG - STJ).

Conclui-se que, demonstrado o melhor interesse do menor, o vínculo socioafetivo entre adotando e adotante, bem como o preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos (dentre os quais destacamos: i- idade mínima de 18 ano para o adotante, ii- diferença de 16 anos entre adotante e adotado, iii- consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar, dispensado se destituídos do poder familiar ou desconhecidos/ não localizados, iv- concordância do adotado, se contar com mais de 12 anos) a adoção unilateral deve ser deferida.

Em resumo: se o menor não mais reconhecer no pai biológico a figura paterna, restando demonstrado na instrução processual, que esse vínculo e encargo está representado e é exercido pelo padrasto, a adoção unilateral apenas regularizará uma relação socioafetiva já consolidada no plano fático, que autoriza a destituição do poder familiar do primeiro, em favor do segundo, pois é medida que melhor atende ao princípio constitucional do melhor interesse do menor.

Lado outro, temos a multiparentabilidade, que se dá quando se mantem o poder familiar de ambos os pais biológicos, reconhecendo, pela adoção unilateral, o vínculo socioafetivo entre o padrasto e o adotando, coexistindo os vínculos biológicos e adotivos, conforme jurisprudência, inclusive do STF, esta com repercussão geral, solução que demostra interpretação histórico-evolutivo do Supremo Tribunal Federal se adequando a atual realidade social, objetivando regularizar situações de fato consolidadas, atendendo o princípio do melhor interesse do menor, privilegiando as relações socioafetivas.

 


 

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