segunda-feira, 27 de junho de 2022

Ao não partilhar bens ao se separar, cônjuge pode perdê-los, por usucapião, para o ex que ficou na posse.

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Ao não partilhar bens ao se separar, cônjuge pode perdê-los, por usucapião, para o ex que ficou na posse.

A usucapião é um modo de aquisição de propriedade móvel ou imóvel e ou de qualquer direito real, que se dá pela posse prolongada e ininterrupta, conforme o prazo legal estabelecido para a prescrição aquisitiva, espécies e requisitos necessários, constantes dessa nossa tabela.

O divórcio, a dissolução da união estável, a separação judicial e a separação de fato prolongada delimitam o fim do regime de bens, rompendo a sociedade conjugal, trazendo a necessidade de fazer a partilha do patrimônio.

É o entendimento pacificado pelo STJ que com a separação do casal, ainda que de fato, cessa o impedimento para a fluência do prazo da usucapião entre os cônjuges, afastando a regra do artigo 197, I, do CC, mesmo não estando previsto no rol do artigo 1.571 do Código Civil (STJ, 2019, REsp 1660947/ TO).

Embora não recomendado, é possível o divórcio sem a prévia partilha de bens, conforme autoriza o § único do artigo 731 do Código de Processo Civil. No entanto, se o divorciado se casar novamente antes de proceder a partilha, o regime de bens será, obrigatoriamente, o da separação total, conforme prevê o art. 1.641, I, do Código Civil, com o escopo de evitar a confusão patrimonial.

Mas a consequência mais grave é a possibilidade da perda dos bens para o ex-cônjuge que exerce a posse sem nenhuma oposição, pois a jurisprudência lhe reconhece a legitimidade para pedir usucapião em nome próprio.

Ilustramos com alguns casos concretos enfrentados pelo STJ:

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1.) Prescrição da partilha - A 3ª Turma do STJ, em 05/11/2019, ao julgar o REsp 1660947/ TO, sob a relatoria do Ministro Moura Ribeiro, concluiu que a pretensão de partilha de bem comum após mais de 10 (dez) anos da separação de fato está fulminada pela prescrição. O Colegiado destacou que “na linha da doutrina especializada, razões de ordem moral ensejam o impedimento da fluência do curso do prazo prescricional na vigência da sociedade conjugal (art. 197, I, do Código Civil), cujo escopo é a preservação da harmonia e da estabilidade do matrimônio”.

O Colegiado disse que “tanto a separação judicial (negócio jurídico), como a separação de fato (fato jurídico), comprovadas por prazo razoável, produzem o efeito de pôr termo aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens (elementos objetivos), e revelam a vontade de dar por encerrada a sociedade conjugal (elemento subjetivo)”.

Portanto, “não subsistindo a finalidade de preservação da entidade familiar e do respectivo patrimônio comum, não há óbice em considerar passível de término a sociedade de fato e a sociedade conjugal. Por conseguinte, não há empecilho à fluência da prescrição nas relações com tais coloridos jurídicos”.

Por isso, concluiu que “a pretensão de partilha de bem comum após mais de 30 (trinta) anos da separação de fato e da partilha amigável dos bens comuns do ex-casal está fulminada pela prescrição”

É certo que o Colegiado não analisou a viabilidade da usucapião entre o ex-casal, posto que matéria não suscitada no recurso, mas é a única solução possível ante o reconhecimento da prescrição da partilha dos bens comuns, conforme veremos nos julgados abaixo.

(STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.947/ TO, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/11/2019 (Informativo de Juris 660/ 2019).

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2.) Usucapião Especial Urbana - A mesma 3ª Turma do STJ, em 05/05/2020, ao julgar o REsp 1693732/ MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, definiu que "a separação de fato do casal é suficiente para cessar a causa impeditiva da fluência do prazo prescricional prevista no art. 197, I, do CC, e, assim, para deflagrar o cômputo do prazo para a prescrição aquisitiva do imóvel previsto no art. 1.240 do Código Civil".

O Colegiado destacou que existem duas espécies distintas de prescrição reguladas pelo Código Civil de 2002: "a extintiva, relacionada ao escoamento do lapso temporal para que se deduza judicialmente pretensão decorrente de violação de direito (arts. 189 a 206) e a aquisitiva, relacionada a forma de aquisição da propriedade pela usucapião (arts. 1.238 a 1.244)".

Frisou que a causa impeditiva de fluência do prazo prescricional prevista no art. 197, I, do CC, conquanto topologicamente inserida no capítulo da prescrição extintiva, também se aplica às prescrições aquisitivas, na forma do art. 1.244 do Código Civil.

Concluiu que: “a constância da sociedade conjugal, exigida para a incidência da causa impeditiva da prescrição extintiva ou aquisitiva (art. 197, I, do Código Civil), cessará não apenas nas hipóteses de divórcio ou de separação judicial, mas também na hipótese de separação de fato por longo período, tendo em vista que igualmente não subsistem, nessa hipótese, as razões de ordem moral que justificam a existência da referida norma”.

No caso analisado naquele julgamento, para a Turma, restou incontroverso o transcurso do lapso temporal quinquenal entre a separação de fato e o ajuizamento da ação de usucapião, mas não tendo havido a apuração, pelas instâncias ordinárias, acerca da presença dos demais pressupostos configuradores da usucapião, determinaram a devolução do processo para rejulgamento da apelação, afastada a discussão acerca da prescrição aquisitiva da usucapião especial urbana.

(STJ, REsp 1693732/ MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020).

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3.) Usucapião Extraordinário - Em 03/05/2022, novamente a 3ª Turma do STJ, voltou a enfrentar o tema ao julgar o REsp 1840561/ SP, dessa vez relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze.

A Turma analisou a natureza da posse exercida por um dos ex-cônjuges sobre fração ideal pertencente ao casal dos imóveis comuns, após a dissolução da sociedade conjugal, mas sem que tenha havido a partilha dos bens, a ensejar a aquisição da propriedade, pelo cônjuge possuidor, da totalidade da fração ideal por usucapião, observou que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide.

Salientou o Colegiado que jurisprudência do STJ assenta-se no sentido de que, dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior.

Razão pela qual possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, tendo sido preenchidos os demais requisitos legais.

De mais a mais, a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

A Turma entendeu que restou provado nos autos, que após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo ex-marido, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem ele o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.

Em face disso, o Colegiado afastou a presunção de ter havido administração dos bens pela ex-esposa e entendeu ter havido sim, de forma cristalina, o exercício da posse pela ex-esposa do recorrente com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião, conforme reconhecido nas esferas inferiores. Mais detalhes, aqui.

Em suma: "Dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, possuindo legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários".
(STJ, REsp 1840561/ SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 3/5/2022, DJe de 17/5/2022 - Informativo de Jurisprudência nº 739).

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4.) Usucapião Familiar - Importante não confundir os entendimentos supra, frutos da jurisprudência, com a Usucapião Familiar, expressamente prevista na legislação, mais precisamente no artigo 1.240-A do Código Civil, que diz que “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

O termo "abandono do lar", prevista no artigo 1.240-A do CC,, segundo o Enunciado nº 595 do CJF (Conselho da Justiça Federal): "(...) deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499".

Continue lendo sobre Usucapião Familiar no item 07 (sete) do nosso artigo sobre usucapião, clicando aqui.

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Demonstrado, portanto, que possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino (ex-cônjuge, herdeiro, ou outro) que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, se preenchidos os demais requisitos legais, a integralidade da propriedade.

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