sexta-feira, 29 de abril de 2022

TJRS autoriza pessoas não binárias a mudar prenome e gênero diretamente no cartório

Determinação pioneira da CGJ, de 22/4/2022, autoriza pessoas não binárias a mudar registros de prenome e gênero no cartório 

Pessoas não binárias (aquelas que não se identificam nem como homem nem como mulher) agora poderão alterar prenomes e gêneros no seu registro de nascimento, conforme a identidade autopercebida por elas, independentemente de autorização judicial. Conforme Provimento assinado nesta tarde (22/04) pelo Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Giovanni Conti, a mudança poderá incluir a expressão "não binário" mediante requerimento feito pela parte junto ao cartório. A determinação é pioneira, uma vez que permite a alteração de forma administrativa, sem necessidade de buscar a via judicial.

A medida é válida para pessoas maiores de 18 anos completos habilitadas à prática de todos os atos da vida civil.

“Na verdade, o Poder Judiciário deve acompanhar a evolução das relações humanas, respeitando a vontade dos cidadãos quando do registro civil reconhecendo a pluralidade identitária da sociedade brasileira. O Judiciário deve acolher e se aproximar dos anseios e desejos do jurisdicionado, respeitando a liberdade no registro civil da identidade não binária de gênero, tornando plena e efetiva a cidadania”, considera o Desembargador Giovanni Conti.

Desde 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela possibilidade de alteração administrativa do registro civil do prenome e do gênero com base na identidade autopercebida, entendendo que a questão se relaciona com os direitos fundamentais à liberdade pessoal, à honra, à dignidade e à não discriminação. Entretanto, as normativas administrativas vigentes não abordam expressamente a hipótese de registro de pessoas cuja identidade autopercebida é não binária, o que as tem obrigado a buscar a esfera judicial.

Na CGJ, a proposta recebeu parecer favorável do Juiz-Corregedor Maurício Ramires, que coordena a matéria, e dos Coordenadores de Correição, Daniélle Dornelles, Letícia Costa e Willian Couto Machado. Em seus argumentos, eles citaram jurisprudência do STF, normativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e também decisões judiciais estaduais, inclusive, sentença proferida pelo Juiz titular da Vara de Registros Públicos da Comarca de Porto Alegre, Antônio Carlos Antunes do Nascimento e Silva, reconhecendo o direito do registro da identificação não binária de gênero.

A medida atende ao pedido feito pela Defensora Pública Aline Palermo Guimarães, Defensora Pública e Dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos. Serão comunicados da determinação a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do RS (ARPEN-RS), Sindicato dos Registradores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (SINDIREGIS), Colégio Registral-RS e Associação dos Notários e Registradores do Rio Grande do Sul (ANOREG-RS).

Confira a íntegra do Provimento: aqui.

Símbolo Não Binário - Fonte: Defensoria Pública/ Divulgação -  Texto: dicom-dimp@tjrs.jus.br



terça-feira, 19 de abril de 2022

O inadimplemento da pensão alimentícia e suas consequências criminais.

 

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NÃO PAGAR PENSÃO ALIMENTÍCIA OU ABANDONAR EMPREGO É CRIME! 

Não pagar, sem justa causa, pensão alimentícia ou abandonar emprego com esse fim, caracteriza o crime de abandono material previsto no artigo artigo 244 do Código Penal, nos termos seguintes:

- Art. 244 = Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
- Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
- Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

Importante frisar que para a condenação no crime de abandono material, necessária a demonstração que o alimentante agiu com dolo, conforme entendimento cristalizado pelo Superior Tribunal de Justiça (2018, AgRg no AREsp 1140951, /SP - STJ).

Portanto, além da PRISÃO CIVIL, que pode ser decretada pelo prazo de 01 (um) a 03 (três) meses nas hipóteses de, intimado, o devedor em 03 (três) dias, não pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade absoluta de efetuá-lo ( CPC art. 528§ 3º e § 7º e art. 911 e Súmula nº 309, do STJ) há, também, a previsão de punição na seara criminal.

Lembramos que os artigos acima, referentes a prisão civil, conferem efetividade à tutela jurisdicional constitucional (art. LXVII, da CF), que prevê meio executório que possibilita a restrição da liberdade individual do devedor de alimentos, de caráter excepcional.

Código de Processo Civil de 2015, deu ainda mais efetividade à apuração e punição do CRIME DE ABANDONO MATERIAL, pois autorizou, no curso do processo de execução de alimentos, o credor requerer ao Juízo que oficie ao Ministério Público (pois se trata de ação pública  incondicionada), no caso de conduta procrastinatória por parte do executado, para verificação de prática de abandono material, conforme autoriza o artigo 532, do CPC“Verificada a conduta procrastinatória do executado, o juiz deverá, se for o caso, dar ciência ao Ministério Público dos indícios da prática do crime de abandono material”, crime previsto no artigo 244, do Código Penal.

Além do devedor direto dos alimentos, a legislação prevê punição a outras pessoas que ajudam a frustrar a implementação do pagamento da pensão alimentícia. Estamos falando do CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, previsto no artigo 22, da Lei nº 5.478/ 68 ( Lei de Alimentos), que diz constituir crime deixar o empregador ou funcionário público de prestar ao Juízo informações necessárias à instrução de processo ou execução de sentença ou acordo que fixe pensão alimentícia. Também comete referido crime quem ajuda o devedor a eximir-se ao pagamento da pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada, ou se recusa, ou procrastina a executar ordem de desconto em folha de pagamento, expedida pelo juiz competente. Pena: Detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, sem prejuízo da pena acessória de suspensão do emprego de 30 (trinta) a 90 (noventa) dias.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

STF valida mudança na Lei Maria da Penha para autorizar ​delegados e policiais a concederem medidas protetivas sem decisão judicial.

 

Em 23.3.2022 o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou válida a alteração promovida na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para permitir que, em casos excepcionais, a autoridade policial afaste o suposto agressor do domicílio ou do lugar de convivência quando for verificado risco à vida ou à integridade da mulher, mesmo sem autorização judicial prévia (decisão unânime, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6138).

Risco iminente - De acordo com a norma, introduzida pela Lei 13.827/2019, diante do risco atual ou iminente à mulher em situação de violência doméstica e familiar ou a seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado​ do local. A medida poderá ser implementada pelo delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca​ (quando o juiz responsável não mora na localidade), ou pelo policial, quando não houver delegado disponível no município no momento da denúncia. Nesses casos, um juiz deve ser comunicado, em no máximo 24h, para decidir sobre a manutenção ou revogação da cautelar.

Reserva de jurisdição - A Associação de Magistrados do Brasil (AMB), autora da ação, afirmou que, sem que haja flagrante delito, a entrada de um policial sem autorização judicial em qualquer domicílio viola princípios constitucionais da reserva de jurisdição, do devido processo legal e da inviolabilidade do domicílio (incisos XII, LIV e XI do artigo  da Constituição Federal).

No mesmo sentido, o procurador-geral da República sustentou que o afastamento provisório do agressor do lar é uma medida cautelar e, por esse motivo, só pode ocorrer com autorização prévia do Judiciário.

Urgência - Já o advogado-geral da União defendeu a constitucionalidade da norma. Segundo ele, a medida é excepcional e visa dar celeridade à proteção da mulher em situações de violência doméstica nas quais não é possível, com a devida urgência, conseguir autorização judicial prévia.

Ciclo de violência - Em seu voto, o relator da ADI, ministro Alexandre de Moraes, afirmou que a autorização legal para que policiais e delegados de polícia atuem de forma supletiva para interromper o ciclo de violência doméstica não viola a prerrogativa constitucional do Judiciário de decretar medidas cautelares. Ele lembrou que, em última análise, é um juiz que irá decidir, em 24h, se a medida deve ser mantida. Além disso, em situações excepcionais, como flagrante delito e desastres, a Constituição permite a invasão do lar sem autorização judicial prévia.

Outro aspecto destacado pelo relator é que a Constituição (artigo 226, parágrafo 8) exige que o Estado assegure assistência à família, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. As convenções internacionais sobre o tema, por sua vez, preconizam que, para prevenir e combater o problema, são necessários instrumentos efetivos e eficazes para afastar o suposto agressor.

Proporcionalidade - Em relação à adequação e à proporcionalidade da norma, o relator argumentou que, embora 1.464 municípios brasileiros não tenham delegacia de polícia, nos três anos de vigência da regra, o afastamento foi aplicado pela autoridade policial apenas 642 vezes, das quais 344 foram confirmadas pelo juiz responsável e 298 revogadas. Para o ministro, constada uma agressão ou sua iminência, não é razoável que o policial volte à delegacia e deixe o suposto agressor com a potencial vítima.

O ministro Alexandre de Moraes salientou que durante a pandemia aumentaram os casos de violência doméstica e nesse período, 24,4% das mulheres brasileiras com mais de 16 anos sofreram algum tipo de violência ou agressão, física ou psicológica. Segundo ele, 66% dos feminicídios ocorreram na casa da vítima e 3% na do agressor. Em 97% dos casos, afirmou, não havia qualquer medida protetiva contra o agressor.

Fonte: Setor de Comunicação do STF.



 

sábado, 2 de abril de 2022

Contrato com escola apenas no nome de um genitor, o outro pode ser incluído na cobrança.

 

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Se o contrato com escola particular estiver apenas no nome de um dos pais, o outro também poderá ser incluído no polo passivo de uma execução extrajudicial? A resposta é positiva, conforme decisões reiteradas do STJ, que frisam a responsabilidade solidária de ambos os detentores do poder familiar. Transcrevemos as ementas de alguns desses julgados destacando as passagens mais relevantes:


AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DÍVIDA DE MENSALIDADE ESCOLAR DO FILHO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS GENITORES. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. MULTA PREVISTA NO § 4º DO ART. 1.021 DO CPC/2015. INAPLICABILIDADE. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que "os pais, detentores do poder familiar, tem o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho" ( REsp n. 1.472.316/SP, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017). 2. O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no REsp 1932187/ DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3a Turma, julgado em 16/08/2021, DJe 19/08/2021).

No mesmo sentido:

"[...] o Tribunal 'a quo', ao decidir que a obrigação do pai pelo pagamento de despesas decorrentes de matrícula em instituição de ensino da filha decorre do poder familiar, decidiu em harmonia com a orientação desta Corte Superior acerca da matéria [...]" (STJ, AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1203742/ DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, 4a Turma, julgado em 17/02/2020, DJe 20/02/2020).

E ainda:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MENSALIDADES ESCOLARES. DÍVIDAS CONTRAÍDAS EM NOME DOS FILHOS DA EXECUTADA. AUSÊNCIA DE BENS EM NOME DA MÃE PARA A SATISFAÇÃO DO DÉBITO. PRETENSÃO DE INCLUSÃO DO PAI NA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DO RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO PELO SUSTENTO E PELA MANUTENÇÃO DO MENOR MATRICULADO EM ENSINO REGULAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ATRAÇÃO DO ENUNCIADO 284/STF. 1. Controvérsia em torno da possibilidade de, no curso de execução extrajudicial baseada em contrato de prestação de serviços educacionais firmados entre a escola e os filhos do recorrido, representados nos instrumentos contratuais apenas por sua mãe, diante da ausência de bens penhoráveis, ser redirecionada a pretensão de pagamento para o pai. 2. A legitimidade passiva ordinária para a execução é daquele que estiver nominado no título executivo. 3. Aqueles que se obrigam, por força da lei ou do contrato, solidariamente à satisfação de determinadas obrigações, apesar de não nominados no título, possuem legitimidade passiva extraordinária para a execução. 4. Nos arts. 1.643 e 1644 do Código Civil, o legislador reconheceu que, pelas obrigações contraídas para a manutenção da economia doméstica, e, assim, notadamente, em proveito da entidade familiar, o casal responderá solidariamente, podendo-se postular a excussão dos bens do legitimado ordinário e do coobrigado, extraordinariamente legitimado. 5. Estão abrangidas na locução "economia doméstica" as obrigações assumidas para a administração do lar e, pois, à satisfação das necessidades da família, no que se inserem as despesas educacionais. 6. Na forma do art. 592 do CPC/73, o patrimônio do coobrigado se sujeitará à solvência de débito que, apesar de contraído pessoalmente por outrem, está vocacionado para a satisfação das necessidades comuns/familiares. 7. Os pais, detentores do poder familiar, tem o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho. 8. Possibilidade, assim, de acolhimento do pedido de inclusão do genitor na relação jurídica processual, procedendo-se à prévia citação do pai para pagamento do débito, desenvolvendo-se, então, regularmente a ação executiva contra o coobrigado. 9. Doutrina acerca do tema. 10. RECURSO ESPECIAL EM PARTE CONHECIDO E PROVIDO. (STJ, REsp 1472316/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3a Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017).
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