segunda-feira, 20 de abril de 2020

Ação Negatória de Paternidade e a prevalência da Paternidade Socioafetiva em detrimento da Paternidade Biológica, ainda que com DNA negativo. Sob a ótica do STF e do STJ

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No Brasil a legislação e a jurisprudência reconhecem e privilegiam o vínculo de afinidade e afetividade presentes nas relações socioafetivas como parentesco e motivo autorizador, inclusive, para a adoção independentemente de prévia inscrição em cadastros de adotantes, bem como para o reconhecimento da maternidade e paternidade socioafetiva pela via administrativa (aqui, as possibilidades de adoção/ reconhecimento).

Diante disso, o STJ sedimentou o entendimento de que, em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o sucesso da ação negatória de paternidade, depende da demonstração, a um só tempo: a) da inexistência de origem biológica; b) de que não tenha sido constituído o estado de filiação socioafetiva, edificado, na maioria das vezes, pela convivência familiar; e c) demonstração inequívoca de vício de consentimento do pai registral no momento do registro.

Portanto, é de rigor a Improcedência da Ação Negatória de Paternidade, ainda que com DNA negativo, quando houver a Paternidade Socioafetiva.

Importante notar que o conceito de Família evoluiu, refletindo tal mudança, por óbvio, também no Direito de Família. Na legislação civil brasileira há três hipóteses de parentalidade socioafetiva: a decorrentes de adoção, a de inseminação artificial e a posse de estado de filiação.

A possibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva está no artigo 1.593, do Código Civil de 2.002, que prescreve: "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem". Essa possibilidade não existia no Código Civil de 1916 que fazia distinções entre os membros da família e trazia qualificações diferenciadas para as pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações.

Tal tema foi objeto da V Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal em 2011, . Enunciado 519: "Art. 1.593. O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai (s) e filho (s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais".

A parentalidade socioafetiva é objeto de diversas e constantes decisões judiciais e da própria decisão do STF quanto ao tema 622 de repercussão geral, do dia 22 de setembro de 2016, que reconheceu a prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. Assim ementada:
STF - TEMA - 622 = "RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. IMPRESCRITIBILIDADE. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. PATERNIDADE BIOLÓGICA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. CONTROVÉRSIA GRAVITANTE EM TORNO DA PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EM DETRIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. ART. 226, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PLENÁRIO VIRTUAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. (STF - 22.9.2016)
Importante frisar, por oportuno, que a Paternidade Socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico, conforme decidiu o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 898060, com repercussão geral reconhecida, que deu origem ao" Tema 622 "supra.



Pesquisamos e reunimos julgados do STJ, com a finalidade de demonstrar o posicionamento reiterado daquele Superior Tribunal de Justiça acerca da questão apresentada. Vejamos:
JURISPRUDÊNCIA:

Caso 01 = Herdeira biológica propôs ação de investigação de paternidade c/c anulação de registro de nascimento com intuito de anular 8 (oito) registros de nascimento de filhos"ilegítimos"reconhecidos por seu pai, entre os anos de 1950 e 1980, porquanto frutos de relações extraconjugais entabuladas"à margem da lei". Os filhos foram registrados no período em que o pai, falecido em 1994 (autor da herança), ainda era casado com a mãe da autora, de quem somente se divorciou em 1993. A autora alegou que os atos registrais de nascimentos não representariam a verdade real dos fatos, pois a paternidade teria sido afastada pela prova pericial (DNA), motivo pelo qual pugnou pela anulação dos registros de nascimento dos requeridos, que a seu ver, estariam atrelados exclusivamente aos vínculos genéticos. A sentença julgou improcedente o pedido de anulação dos registros civis, tendo em vista a configuração da filiação socioafetiva, o que foi mantido nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INEXISTÊNCIA. RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA CONTRÁRIA. ÔNUS DE QUEM ALEGA. ART. 333 DO CPC/1973. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Adm. nºs 2 e 3/STJ).
2. A retificação do registro de nascimento depende da configuração de erro ou falsidade (art. 1.604 do Código Civil/2002) em virtude da presunção de veracidade decorrente do ato, bem como da inexistência de relação socioafetiva preexistente entre pai e filho.
3. A paternidade socioafetiva não foi impugnada pela autora, a quem incumbia o ônus de desconstituir os atos praticados por seu pai biológico, à luz do art. 333, I, do CPC/1973.
4. O Tribunal local manteve incólumes os registros de nascimentos em virtude da filiação socioafetiva, circunstância insindicável nesta instância especial em virtude do óbice da Súmula nº 7/STJ.
5. Recurso especial não provido.
(REsp 1730618/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018)

Caso 02 = Companheiro registra como seu filho da companheira, sabendo não ser o pai biológico, a famosa" adoção à brasileira ". Decorrido o tempo, questiona judicialmente essa paternidade, alegando a falta de vínculo biológico ante o resultado negativo do exame de DNA. Ocorre, no entanto, que restou comprovado o vínculo de afeto consolidado pela convivência familiar:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO DA PATERNIDADE PELO COMPANHEIRO DA MÃE. INEXISTÊNCIA DE ERRO SUBSTANCIAL QUANTO À PESSOA. FORMAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPOSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO DO REGISTRO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO COMPROVADA.
1. (...). 2. A" adoção à brasileira ", ainda que fundamentada na" piedade "e muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida a condição resolutiva, consistente no término do relacionamento com a genitora.
3. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito, em ação negatória de paternidade, depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado, na maioria das vezes, na convivência familiar.
4. Nos casos em que inexistente erro substancial quanto à pessoa dos filhos reconhecidos, não tendo o pai falsa noção a respeito das crianças, não será possível a alteração desta situação, ainda que seja realizada prova da filiação biológica com resultado negativo.
5. Em linha de princípio, somente o pai registral possui legitimidade para a ação na qual se busca impugnar a paternidade - usualmente denominada de ação negatória de paternidade -, não podendo ser ajuizada por terceiros com mero interesse econômico.
(REsp 1412946/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 22/04/2016)
6. A interposição recursal com base na alínea c do permissivo constitucional exige a demonstração analítica da alegada divergência, fazendo-se necessária a transcrição dos trechos que configurem o dissenso e a menção às circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1333360/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 07/12/2016)

No mesmo sentido:


AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/1973). FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. 1. Controvérsia em torno da presença dos requisitos legais para a desconstituição da paternidade declarada em desacordo com a verdade biológica. 2. Possibilidade, segundo a orientação jurisprudencial desta Corte, de desconstituição do registro de nascimento quando baseado em vício de consentimento e uma vez afastada a existência de filiação sociofetiva, como verificado no caso dos autos. 3. Inviabilidade do acolhimento da pretensão recursal fundada na alegação de que não houve erro a comprometer a manifestação de vontade do pai registral, por demandar o reexame de matéria fático-probatória dos autos. 4. Razões do agravo interno que não alteram as conclusões da decisão agravada acerca da atração dos óbices dos enunciados das Súmulas n.ºs 07 e 83/STJ.5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.(AgInt no REsp 1531311/DF, Rel. Min.PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3a Turma, DJe 05/09/2018);
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Caso 03 = Controvérsia acerca do reconhecimento da ilegitimidade dos filhos/ sucessores do suposto pai da recorrente, para o pleito de ajuizamento de negatória de paternidade a qual servirá, eventualmente, para anulação do registro de nascimento dessa, com base em vício de consentimento do pai registral.
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE OBJETIVANDO A ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO - ILEGITIMIDADE ATIVA DOS HERDEIROS DO DE CUJUS PARA A AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - EXAME DE DNA NEGATIVO - PREPONDERÂNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO COMPROVADO. INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. Somente o pai registral tem legitimidade ativa para impugnar o ato de reconhecimento de filho, por ser ação de estado, que protege direito personalíssimo e indisponível do genitor. Precedentes.
2. A paternidade biológica feita constar em registro civil a contar de livre manifestação emanada do próprio declarante, ainda que negada por posterior exame de DNA, não pode ser afastada em demanda proposta exclusivamente por herdeiros, mormente havendo provas dos fortes laços socioafetivos entre o pai e a filha, não tendo o primeiro, mesmo ciente do resultado do exame de pesquisa genética, portanto, ainda em vida, adotado qualquer medida desconstitutiva de liame. Precedentes.
2.1. A divergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica não autoriza, por si só, a desconstituição do registro, que somente poderia ser anulado, uma vez comprovado erro ou falsidade, o que no caso, inexistiu, ocorrendo, apenas, mera alegação de vícios por parte dos recorridos.
3. Recurso especial provido, a fim de julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, ante a ilegitimidade ativa dos autores, nos termos da sentença, a qual fica desde já restabelecida.
(REsp 1131076/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 11/11/2016).
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Caso 04 = Pai registral, com o término do casamento, propõe ação de anulação de registro civil em face das filhas menores. Alegou que foi induzido a registrar como suas filhas as requeridas que na verdade não o eram, motivo pelo qual requereu a anulação das certidões de nascimento. A sentença julgou improcedente o pedido embora o exame de DNA trazido resultado negativo para a paternidade. A sentença reconheceu a paternidade socioafetiva, julgando improcedente o pedido, o que foi mantido em grau de apelação. O STJ manteve a decisão assim ementada:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O STJ sedimentou o entendimento de que"em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. (REsp 1059214/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 12/03/2012).
2. Não merece reparos a decisão hostilizada, pois o acórdão recorrido julgou no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte Superior. No caso concreto, as razões recursais encontram óbice na Súmula 83 do STJ, que determina a pronta rejeição dos recursos a ele dirigidos, quando o entendimento adotado pelo e. Tribunal de origem estiver em conformidade com a jurisprudência aqui sedimentada, entendimento aplicável também aos recursos especiais fundados na alínea a do permissivo constitucional.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 697.848/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/09/2016, DJe 13/09/2016).
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Caso 05 = Homem, durante o casamento com a mãe de duas meninas, registra as mesmas como suas filhas. Com o término do casamento, propõe ação de anulação de registro civil em face das menores. Aduz que foi induzido a registrar como suas filhas as requeridas que na verdade não o eram, motivo pelo qual requereu a anulação das certidões de nascimento. A sentença julgou improcedente o pedido embora o exame de DNA tenha oferecido resultado negativo para a paternidade e as requeridas não tenham ofertado contestação, reconhecendo a procedência do pedido, o magistrado de piso vislumbrou a ocorrência de paternidade socioafetiva. A sentença foi mantida em grau de apelação, por acórdão de relatoria da então Desembargadora Maria Berenice Dias, cuja ementa é a seguinte: "Sendo a filiação um estado social, comprovada a posse do estado das filhas, não se justifica a anulação de registro de nascimento. Existência de vínculo afetivo entre as partes. A narrativa do próprio autor demonstra a existência de relação parental, e análise das demais provas é desfavorável à tese do demandante". O STJ manteve a decisão assim ementada:
DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA NEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988 , o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva.
2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1059214/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 12/03/2012).
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Caso 06 = Pai registral propõe ação negatória de paternidade em face da filha, na qual relata ter reconhecido a paternidade em decorrência de ameaças e pressões advindas da mãe da menor, requerendo, ainda, a realização de exame de DNA. Em consequência do resultado negativo do exame de DNA, a sentença julgou procedente o pedido para declarar nula a paternidade, o que foi mantido pelo acórdão. Julgado do STJ reformou referido acórdão em decisão assim ementada:
DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA NEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. APELO PROVIDO.
1. O STJ sedimentou o entendimento de que, em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade Socioafetiva.
(STJ, REsp 1115428/SP, Rei. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 27/09/2013).
2. Hipótese na qual o pai registrai e a menor conviveram por quinze anos acreditando ser pai e filha, tratando-se como se efetivamente assim o fossem, inclusive, com sustento material, moral e afetivo, o que caracteriza a paternidade socioafetiva.
3. Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes determinantes da validade de uma declaração de reconhecimento de paternidade devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, conscientemente, reconhece paternidade, e que posteriormente se rebela contra a declaração auto-produzida, colocando a menor em limbo jurídico e psicológico
(STJ, REsp 1244957/SC, Min. NANCY ANDRIGHI, 3*1, DJe 27/09/2012).
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Caso 07 = Autora, filha biológica do autor da herança, propôs ação negatória de paternidade c/c anulatória de registro de nascimento, aduzindo que o genitor reconheceu a paternidade da requerida, quatro meses após seu nascimento. Alegou ainda que genitora da requerida "ostentava padrão de conduta social duvidoso", “possuía vários amantes e era conhecida como prostituta na cidade e arredores”. Aduziu que tal fato torna extremamente improvável a paternidade do genitor da autora, o qual teria sido induzido em erro ao efetuar o registro de nascimento da menor, mormente por ter realizado o ato quatro meses após o nascimento da criança, o que indicaria a existência de dúvida quanto à sua condição de pai. Requereu, assim, a nulidade do registro de nascimento da requerida, com vistas a excluí-la da partilha de bens deixados pelo de cujus. A sentença julgou improcedente o pedido, haja vista a ausência de demonstração de vício de consentimento a macular o registro de nascimento efetuado pelo de cujus, além da comprovação da paternidade socioafetiva. Tal decisão foi mantida em segundo grau e no STJ:
"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO: ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1.604 e 1.609 do Código Civil.
1. Ação negatória de paternidade, ajuizada em fevereiro de 2006. Recurso especial concluso ao Gabinete em 26.11.2012.
2. Discussão relativa à nulidade do registro de nascimento em razão de vício de consentimento, diante da demonstração da ausência de vínculo genético entre as partes.
3. A regra inserta no caput do art. 1609, CC-2002 tem por escopo a proteção da criança registrada, evitando que seu estado de filiação fique à mercê da volatilidade dos relacionamentos amorosos. Por tal razão, o art. 1.604 do mesmo diploma legal permite a alteração do assento de nascimento excepcionalmente nos casos de comprovado erro ou falsidade do registro.
4. Para que fique caracterizado o erro, é necessária a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar.
5. Inexiste meio de desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquele que, um dia declarou perante a sociedade, em ato solene e de reconhecimento público, ser pai da criança, valendo-se, para tanto, da verdade socialmente construída com base no afeto, demonstrando, dessa forma, a efetiva existência de vínculo familiar.
6. Permitir a desconstituição de reconhecimento de paternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares.
7. Recurso especial desprovido."
(REsp 1383408/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,julgado em 15/05/2014, DJe 30/05/2014)



JULGADOS EM SENTIDO CONTRÁRIO:

Caso 08 = Mesmo com vínculo socioafetivo, 3a Turma do STJ entende ser possível a desconstituição da paternidade fundada em erro induzido. 

Homem conviveu por longo período com duas filhas acreditando ser o pai biológico já que advindas durante o casamento, criando o vínculo socioafetivo. Descobriu que foi induzido a erro ao registrar as filhas, razão pela qual ajuizou ação negatória de paternidade cumulada com desconstituição da filiação. Realizado o exame DNA, confirmou-se a infidelidade da esposa e não ser o pai biológico das crianças. Em primeira instância o juiz desconstituiu a paternidade apenas em relação das meninas, por entender existente vínculo socioafetivo em relação a outra, embora o exame de DNA tenha excluído o parentesco biológico em relação a ambas. A sentença foi reformada pelo TJ-SP, para o qual, apesar do resultado da perícia, as duas meninas teriam mantido relação socioafetiva com o autor da ação por pelo menos dez anos. Ainda segundo o tribunal, o vínculo parental não poderia ser verificado apenas pela relação genética. Já no STJ, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, de acordo com o cenário traçado nos autos, é possível presumir que o autor da ação, enquanto ainda estava casado, acreditava plenamente que ambas as crianças eram fruto de seu relacionamento com a esposa. Entretanto – assinalou a relatora –, embora seja incontroverso no processo que houve um longo período de convivência e de relação socioafetiva entre o autor e as crianças, também é fato que, após o exame de DNA, em 2014, esses laços foram rompidos de forma abrupta e definitiva, situação que igualmente se mantém por bastante tempo (mais de seis anos). “Diante desse cenário, a manutenção da paternidade registral com todos os seus consectários legais (alimentos, dever de cuidado, criação e educação, guarda, representação judicial ou extrajudicial etc.) seria, na hipótese, um ato unicamente ficcional diante da realidade que demonstra superveniente ausência de vínculo socioafetivo de parte a parte, consolidada por longo lapso temporal” – concluiu a ministra, ao julgar procedente a ação negativa de paternidade. Restou assim ementada:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. ERRO SUBSTANCIAL NO REGISTRO CIVIL CONFIGURADO. FILHOS CONCEBIDOS NA CONSTÂNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL COM POSTERIOR DESCOBERTA, POR EXAME DE DNA, DA AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO EM RELAÇÃO AOS FILHOS. PRESUNÇÃO DE ERRO QUANDO AUSENTE DÚVIDA SÉRIA OU RAZOÁVEL ACERCA DO DESCONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO GENÉTICO. ERRO SUBSTANCIAL NO REGISTRO CIVIL QUE NÃO EXCLUI A NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO DOS VÍNCULOS SOCIOAFETIVOS.
LONGA CONVIVÊNCIA ENTRE PAIS E FILHOS QUE DEVE SER SOPESADA COM A SUPERVENIENTE AUSÊNCIA DE SOCIOAFETIVA POR LONGO PERÍODO, EM DECORRÊNCIA DO ROMPIMENTO ABRUPTO E DEFINITIVO DA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA FICCIONAL DE PARTE A PARTE.
IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE ADERÊNCIA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS ÀS RELAÇÕES HUMANAS E SOCIAIS.
1- Ação proposta em 30/10/2013. Recurso especial interposto em 22/09/2016 e atribuído à Relatora em 21/05/2018.
2- O propósito recursal é definir se o genitor biológico foi induzido em erro ao tempo do registro civil de sua prole e se, a despeito da configuração da relação paterno-filial socioafetiva por longo período, é admissível o desfazimento do vínculo registral na hipótese de ruptura superveniente dos vínculos afetivos.
3- É admissível presumir que os filhos concebidos na constância de um vínculo conjugal estável foram registrados pelo genitor convicto de que realmente existiria vínculo de natureza genética com a prole e, portanto, em situação de erro substancial, especialmente na hipótese em que não se suscitam dúvidas sérias ou razoáveis acerca do desconhecimento da inexistência de relação biológica pelo genitor ao tempo da realização do registro civil.
4- Mesmo quando configurado o erro substancial no registro civil, é relevante investigar a eventual existência de vínculos socioafetivos entre o genitor e a prole, na medida em que a inexistência de vínculo paterno-filial de natureza biológica deve, por vezes, ceder à existência de vínculo paterno-filial de índole socioafetiva.
Precedente.
5- Hipótese em que, conquanto tenha havido um longo período de convivência e de relação filial socioafetiva entre as partes, é incontroverso o fato de que, após a realização do exame de DNA, todos os laços mantidos entre pai registral e filhas foram abrupta e definitivamente rompidos, situação que igualmente se mantém pelo longo período de mais de 06 anos, situação em que a manutenção da paternidade registral com todos os seus consectários legais (alimentos, dever de cuidado, criação e educação, guarda, representação judicial ou extrajudicial, etc.) seria um ato unicamente ficcional diante da realidade.
6- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1741849/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020)


Caso 09 = STJ autorizou a desconstituição da paternidade mesmo após 05 anos de convívio (vício de consentimento). 

Homem viveu em união estável e acreditava ser o pai da criança, que nasceu nesse período. Assim, registrou o menor e conviveu durante cinco anos com ele. Ao saber de possível traição da companheira, fez o exame de DNA. Em ação negatória de paternidade, pediu o reconhecimento judicial da inexistência de vínculo biológico e a retificação do registro de nascimento. Por considerar que houve um vício de consentimento, a 3ª Turma do STJ permitiu que o nome de um homem fosse retirado do registro de nascimento da criança que ele constava como pai, mesmo após cinco anos de convívio. Embora a relação entre pai e filho tenha durado cinco anos, os ministros levaram em conta o fato de que o pai registral rompeu os laços de afetividade tão logo tomou conhecimento da inexistência de vínculo biológico com a criança. De acordo com o relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, não é cabível ao caso a paternidade socioafetiva pois esta pressupõe “a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente”, circunstância ausente no caso. Tal decisão restou assim ementada:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. 1. PREFACIAL. PRINCÍPIOS DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA NA CONTESTAÇÃO E DA ADSTRIÇÃO. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. EMENDA DA INICIAL, AQUIESCIDA PELA PARTE REQUERIDA, COM REITERAÇÃO DAS MATÉRIAS DE DEFESAS DESENVOLVIDAS NO CURSO DO PROCESSO. 2. MÉRITO. DECLARANTE, SOB A PRESUNÇÃO PATER IS EST, INDUZIDO A ERRO. VERIFICAÇÃO. RELAÇÃO DE AFETO ESTABELECIDA ENTRE PAI E FILHO REGISTRAIS CALCADA NO VÍCIO DE CONSENTIMENTO ORIGINÁRIO. ROMPIMENTO DEFINITIVO. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Afigura-se absolutamente estéril a discussão afeta à observância ou não dos princípios da eventualidade e da adstrição, notadamente porque a tese de paternidade socioafetiva, não trazida inicialmente na contestação, mas somente após o exame de DNA, conjugada com a também inédita alegação de que o demandante detinha conhecimento de que não era o pai biológico quando do registro, restou, de certo modo, convalidada no feito. Isso porque o autor da ação pleiteou a emenda da inicial, para o fim de explicitar o pedido de retificação do registro de nascimento do menor, proceder aquiescido pela parte requerida, que, posteriormente, ratificou os termos de sua defesa como um todo desenvolvida no processo.
2. A controvérsia instaurada no presente recurso especial centra- se em saber se a paternidade registral, em desacordo com a verdade biológica, efetuada e declarada por indivíduo que, na fluência da união estável estabelecida com a genitora da criança, acredita, verdadeiramente, ser o pai biológico desta (incidindo, portanto, em erro), daí estabelecendo vínculo de afetividade durante os primeiros cinco/seis anos de vida do infante, pode ou não ser desconstituída.
2.1. Ao declarante, por ocasião do registro, não se impõe a prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de nascimento traz, em si, esta presunção, que somente pode vir a ser ilidida pelo declarante caso este demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de consentimento, circunstância, como assinalado, verificada no caso dos autos. Constata-se, por conseguinte, que a simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si, não autoriza a invalidação do registro. Ao marido/companheiro incumbe alegar e comprovar a ocorrência de erro ou falsidade, nos termos dos arts. 1.601 c.c 1.604 do Código Civil. Diversa, entretanto, é a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente declara o ser perante o Oficial de Registro das Pessoas Naturais ("adoção à brasileira"), estabelecendo com esta, a partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. A consolidação de tal situação (em que pese antijurídica e, inclusive, tipificada no art. 242, CP), em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Jurisprudência consolidada do STJ.
2.2. A filiação socioativa, da qual a denominada adoção à brasileira consubstancia espécie, detém integral respaldo do ordenamento jurídico nacional, a considerar a incumbência constitucional atribuída ao Estado de proteger toda e qualquer forma de entidade familiar, independentemente de sua origem (art. 227, CF).
2.3. O estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. É dizer: as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação, se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte daquele que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe daquela criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai, daquele que despende afeto e carinho a outrem, consubstancia pressuposto à configuração de toda e qualquer filiação socioafetiva. Não se concebe, pois, a conformação desta espécie de filiação, quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento.
Na hipótese dos autos, a incontroversa relação de afeto estabelecida entre pai e filho registrais (durante os primeiros cinco/seis anos de vida do infante), calcada no vício de consentimento originário, afigurou-se completamente rompida diante da ciência da verdade dos fatos pelo pai registral, há mais de oito anos. E, também em virtude da realidade dos fatos, que passaram a ser de conhecimento do pai registral, o restabelecimento do aludido vínculo, desde então, nos termos deduzidos, mostrou-se absolutamente impossível.
2.4. Sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. Como assinalado, a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, circunstância, inequivocamente, ausente na hipótese dos autos.
Registre-se, porque relevante: Encontrar-se-ia, inegavelmente, consolidada a filiação socioafetiva, se o demandante, mesmo após ter obtido ciência da verdade dos fatos, ou seja, de que não é pai biológico do requerido, mantivesse com este, voluntariamente, o vínculo de afetividade, sem o vício que o inquinava.
2.5. Cabe ao marido (ou ao companheiro), e somente a ele, fundado em erro, contestar a paternidade de criança supostamente oriunda da relação estabelecida com a genitora desta, de modo a romper a relação paterno-filial então conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade de o vínculo de afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno conhecimento da verdade dos fatos, seja esta a vontade do consorte/ companheiro (hipótese, é certo, que não comportaria posterior alteração).
3. Recurso Especial provido, para julgar procedente a ação negatória de paternidade.
(REsp 1330404/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 19/02/2015)

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