terça-feira, 27 de dezembro de 2022

É possível o reconhecimento do parentesco socioafetivo entre irmãos - ("irmãos de criação" - “fraternidade ou irmandade socioafetiva”)

 De acordo com a jurisprudência recentíssima do STJ, no julgamento do REsp 1.674.372-SP, de 04/10/2022, é possível o reconhecimento de parentesco socioafetivo entre irmãos ("irmãos de criação").

Colhemos do referido julgado a seguinte passagem: "Inexiste qualquer vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem, pois a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico pátrio, merecendo a apreciação do Poder Judiciário".

Importante frisar que, no presente caso concreto, o juiz de piso e o TJSP indeferiram o pedido sob o argumento de falta de amparo no ordenamento jurídico (impossibilidade jurídica do pedido), bem como que a falecida não buscou ser reconhecida como filha dos pais dos autores da ação, o que impossibilitaria o reconhecimento de parentesco colateral socioafetivo unicamente para atribuir direitos sucessórios aos irmãos.

O STJ, no entanto, acolheu o recurso, entendendo que a afetividade pode gerar o parentesco não apenas em linha reta, mas também na linha colateral.

Assim, configurada a afetividade, é possível não apenas o reconhecimento de paternidade/ maternidade socioafetiva, mas também a fraternidade/ irmandade socioafetiva. Podendo ser buscada a segunda (fraternal), independentemente do reconhecimento da primeira.

O julgado restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL (art. 105, inc. III, a, da CRFB/88)- DIREITO PROCESSUAL CIVIL ( CPC/73) E DE FAMÍLIA - AÇÃO DECLARATÓRIA DE PARENTESCO COLATERAL EM SEGUNDO GRAU SOCIOAFETIVO (fraternidade socioafetiva) POST MORTEM - INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, POR DECLARAREM A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, A OBSTAR A ANÁLISE DE MÉRITO.INSURGÊNCIA RECURSAL DOS AUTORES (pretensos irmãos socioafetivos da de cujus).CONDIÇÕES DA AÇÃO - TEORIA DA ASSERÇÃO - PEDIDO ABSTRATAMENTE COMPATÍVEL COM O ORDENAMENTO PÁTRIO - POSSIBILIDADE JURÍDICA VERIFICADA EM TESE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Ação declaratória post mortem ajuizada por alegados irmãos socioafetivos, com o escopo de ver reconhecida a existência de vínculo de parentesco colateral, em segundo grau, com a de cujus.
1. A possibilidade jurídica do pedido deve ser concebida como ausência de vedação expressa e compatibilidade, em tese, da pretensão, com o ordenamento jurídico vigente, a ser feito em status assertionis (teoria da asserção). É dizer, o reconhecimento da possibilidade jurídica do pedido implica a compatibilidade ao sistema normativo, isto é, a aferição de que o direito material alegado encontra-se, ao menos em uma análise inicial, albergado pelo ordenamento jurídico.
2. A atual concepção de família implica um conceito amplo, no qual a afetividade é reconhecidamente fonte de parentesco e sua configuração, a considerar o caráter essencialmente fático, não se restringe ao parentesco em linha reta. É possível, assim, compreender-se que a socioafetividade constitui-se tanto na relação de parentalidade/filiação quanto no âmbito das relações mantidas entre irmãos, associada a outros critérios de determinação de parentesco (de cunho biológico ou presuntivo) ou mesmo de forma individual/autônoma.
3. Inexiste qualquer vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem, pois o pedido veiculado na inicial, declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral, é admissível no ordenamento jurídico pátrio, merecendo a apreciação do Poder Judiciário.
4. In casu, configurada a alegada ofensa ao disposto no artigo 295 do Código de Processo Civil e ao artigo 1.593 do Código Civil, pois inferida a compatibilidade do pedido (declaração de parentesco colateral, em segundo grau, de cunho socioafetivo), em abstrato, ao ordenamento jurídico pátrio.
5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, a fim de cassar o acórdão e sentença, afastando a impossibilidade jurídica do pedido e, em consequência, determinar o retorno dos autos à origem, para regular prosseguimento do feito
(STJ, REsp n. 1.674.372/ SP, relator Ministro Marco Buzzi, 4a Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 24/11/2022).

- Fonte de pesquisa: STJ (Superior Tribunal de Justiça)

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

ATENÇÃO - Nem todo prazo suspende no RECESSO

 Nos processos regidos pelo CPC, o expediente forense fica suspenso no período de 20/12 a 06/01, mantido o regime de plantão.

No entanto, alguns prazos não são suspensos nesse período. Vejamos:

1. Ações de Alimentos – Determina o artigo 215 do CPC: “Processam-se durante as férias forenses, onde as houver, e não se suspendem pela superveniência delas: (...) II – a ação de alimentos e os processos de nomeação e remoção de tutor e curador”.

Embora exista jurisprudência em sentido contrário, a prudência aconselha a desconsiderar o prazo de recesso nessas matérias.

2. Prazos processuais penais - Por ser regido por lei específica, vigora 0 artigo 798 do CPP, que dispõe: “Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado”.

O STJ no AgRg no REsp 1828089/MG, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019, reconheceu a intempestividade de recurso, no qual foi computado a suspensão dos prazos no recesso.

3. Prazos prescricionais e decadenciais – Esses não são considerados prazos processuais, razão pelo qual não se enquadram na redação do artigo 220 do CPC.

A doutrina cita como exemplo de prazo não processual, o de 120 dias para a impetração de mandado de segurança (Lei 12.016/ 09, artigo 23).

4. Ações da Lei de Locações – Essa lei prevê expressamente a continuidade na tramitação dos processos, nos termos seguintes: “Art. 58- Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de locação, observar-se-á o seguinte: I- os processos tramitam durante as férias forenses e não se suspendem pela superveniência delas;”

5. Recursos – Os prazos dependem da deliberação de cada Tribunal, pois apesar de previsto no CPC, alguns tribunais entendem como mero feriado (ou seja, não se suspenderia o prazo).

Fonte: breve compilação extraída do site Modelo Inicial. Clique aqui para ler na íntegra..

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sexta-feira, 16 de setembro de 2022

É incabível o reconhecimento de união estável paralela, ainda que iniciada antes do casamento - O ordenamento jurídico consagra a monogamia.

 

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Artigos nossos relacionados ao tema: 1. A União Estável sob a ótica do STF e do STJ (Jurisprudência e Modelos de Petições)2. Amante não pode ser beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado, segundo STJ;

Por unanimidade, a 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 1916031/ MG, em 3/5/2022, decidiu que é incabível o reconhecimento de união estável simultânea ao casamento, assim como a partilha de bens em três partes iguais (triação), mesmo que o início da união seja anterior ao matrimônio.

O entendimento foi firmado no julgamento do recurso especial interposto por uma mulher que conviveu três anos com um homem antes que ele se casasse com outra e manteve o relacionamento por mais 25 anos. Ao STJ, a recorrente reiterou o pedido de reconhecimento e dissolução da união estável, com partilha de bens em triação.

Ao dar parcial provimento ao recurso, o colegiado considerou que não há impedimento ao reconhecimento da união estável no período de convivência anterior ao casamento, mas, a partir desse momento, tal união se transforma em concubinato (simultaneidade de relações).

Ordenamento jurídico consagra a monogamia - O juiz acolheu o pedido da mulher e reconheceu todo o período de convivência como união estável, com a consequente partilha em triação. Porém, acolhendo recurso do casal, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou a sentença, entendendo que o casamento deve prevalecer sobre o concubinato.

Relatora do caso no STJ, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, segundo a jurisprudência, "é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que aquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, ao menos, a existência de separação de fato".

A magistrada também lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF), em situação análoga, fixou a tese de que a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes impede o reconhecimento de novo vínculo, em virtude da consagração da monogamia pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Desse modo, Nancy Andrighi reconheceu como união estável apenas o período de convivência anterior ao casamento. Segundo ela, a partilha referente a esse intervalo, por se tratar de união anterior à Lei 9.278/ 1996, requer a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio, nos termos da Súmula 380 do STF.

Concubinato equiparado a sociedade de fato e meação da esposa - Acerca do período posterior à celebração do matrimônio, a relatora destacou que a recorrente e o recorrido tiveram dois filhos durante o concubinato que durou 25 anos e era conhecido por todos os envolvidos. Segundo ela, essa relação se equipara à sociedade de fato, e a partilha nesse período também é possível, desde que haja prova do esforço comum na construção patrimonial (Súmula 380 do STF).

Ao reformar o acórdão recorrido, Nancy Andrighi apontou que, resguardado o direito da esposa à metade dos bens (meação), a partilha deve ser feita em liquidação de sentença, uma vez que as instâncias ordinárias não mencionaram se há provas da participação da recorrente na construção do patrimônio ou quais bens fazem parte da meação da esposa.

O julgado restou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL CUMULADA COM PARTILHA. OMISSÃO E ERRO DE FATO. INOCORRÊNCIA. ERRO DE FATO QUE, AINDA QUE EXISTENTE, NÃO FOI DECISIVO AO RESULTADO DO JULGAMENTO. ACÓRDÃO SUSTENTADO EM OUTROS FATOS E PROVAS. ALEGADA UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. PARTILHA NO FORMATO DE TRIAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL QUE PRESSUPÕE AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO AO CASAMENTO OU SEPARAÇÃO DE FATO. PARTICULARIDADE DA HIPÓTESE. RELAÇÃO INICIADA ANTES DO CASAMENTO DO PRETENSO CONVIVENTE COM TERCEIRA PESSOA E QUE PROSSEGUIU NA CONSTÂNCIA DO MATRIMÔNIO. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA. PARTILHA NOS MOLDES DA SÚMULA 380/STF, EXIGINDO-SE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PERÍODO POSTERIOR AO CASAMENTO. TRANSMUDAÇÃO JURÍDICA EM CONCUBINATO IMPURO. SOCIEDADE DE FATO CONFIGURADA. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL RESOLVIDA SOB A ÓTICA DO DIREITO OBRIGACIONAL. PARTILHA NOS MOLDES DA SÚMULA 380/STF, TAMBÉM EXIGIDA A PROVA DO ESFORÇO COMUM. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO APURADAS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REMESSA DAS PARTES À FASE DE LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1- Ação proposta em 16/05/2016. Recurso especial interposto em 03/02/2020 e atribuído à Relatora em 03/02/2021.
2- Os propósitos do recurso especial consistem em definir se: (i) houve erro de fato ou omissão relevante no acórdão recorrido; (ii) se, na hipótese de união estável em que um dos conviventes é casado com terceiro (união estável concomitante ao casamento), é admissível a partilha no formato de triação.
3- Conquanto o acórdão recorrido realmente não tenha examinado o alegado erro de fato, não há que se falar em omissão na hipótese em que o erro de fato, ainda que reconhecido como existente, não é decisivo para o resultado do julgamento, uma vez que o acórdão recorrido está assentado também em outros fatos e provas e o fato erroneamente considerado não foi determinante para a conclusão obtida. Precedentes.
4- É inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que àquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, a existência de separação de fato, de modo que à simultaneidade de relações, nessa hipótese, dá-se o nome de concubinato. Precedentes.
5- Na hipótese em exame, há a particularidade de que a relação que se pretende seja reconhecida como união estável teve início anteriormente ao casamento do pretenso convivente com terceira pessoa e prosseguiu por 25 anos, já na constância desse matrimônio.
6- No período compreendido entre o início da relação e a celebração do matrimônio entre o convivente e terceira pessoa, não há óbice para que seja reconhecida a existência da união estável, cuja partilha, por se tratar de união iniciada e dissolvida antes da Lei nº 9.278/96, deverá observar a existência de prova do esforço direto e indireto na aquisição do patrimônio amealhado, nos termos da Súmula 380/STF e de precedente desta Corte.
7- No que se refere ao período posterior à celebração do matrimônio, aquela união estável se transmudou juridicamente em um concubinato impuro, mantido entre as partes por 25 anos, na constância da qual adveio prole e que era de ciência inequívoca de todos os envolvidos, de modo que há a equiparação à sociedade de fato e a repercussão patrimonial dessa sociedade deve ser solvida pelo direito obrigacional, de modo que também nesse período haverá a possibilidade de partilha desde que haja a prova do esforço comum na construção patrimonial, nos termos da Súmula 380/STF.
8- Ausente menção, pelas instâncias ordinárias, acerca da existência de provas da participação direta ou indireta da recorrente na construção do patrimônio, sobre quais bens existiriam provas da participação e sobre quais bens comporão a meação da recorrida, impõe-se a remessa das partes à fase de liquidação, ocasião em que essas questões de fato poderão ser adequadamente apuradas.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar parcialmente procedente o pedido para: (i) reconhecer a existência de união estável entre 1986 e 26/05/1989; (ii) reconhecer a existência de relação concubinária impura e sociedade de fato entre 26/05/1989 e 2014, devendo a partilha, em ambos os períodos e a ser realizada em liquidação de sentença, observar a necessidade de prova do esforço comum para a aquisição do patrimônio e respeitar a meação da recorrida, invertendo-se a sucumbência.
(STJ, REsp 1916031/ MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, 3a Turma, julgado em 3/5/2022, DJe de 5/5/2022).

Fontes: Setor de Comunicação e base de dados de Jurisprudência do STJ.

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domingo, 21 de agosto de 2022

Nova ferramenta digital do CNJ permite identificar ativos e patrimônios em segundos (Justiça 4.0) SNIPER - "Caça fantasmas de bens"

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Nova ferramenta digital do CNJ permite identificar ativos e patrimônios em segundos (Justiça 4.0)

SNIPER - Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos, ou “Caça fantasmas de bens", segundo o ministro Fux


O  Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta terça-feira (16/8/2022), ferramenta digital para agilizar e centralizar a busca de ativos e patrimônios em diversas bases de dados. O Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), desenvolvido no Programa Justiça 4.0, identifica em segundos os vínculos patrimoniais, societários e financeiros entre pessoas físicas e jurídicas.

Com isso, a expectativa é que a busca de ativos – que hoje chega a levar meses e mobiliza uma equipe especializada em investigação patrimonial a partir da análise de documentos – possa ser feita rapidamente. Os resultados são representados em gráficos, de fácil compreensão pela magistratura, indicando as ligações entre os atores de forma simples e eficiente, o que contribui para reduzir o tempo de conclusão dos processos na fase de execução e cumprimento de sentença – o maior gargalo atual dos processos judiciais.

Clique aqui e assista o vídeo "Conheça o Sniper: investigação patrimonial em segundos".​

De acordo com o último relatório Justiça em Números, existem quase 40 milhões de processos com execução pendente, o que corresponde a mais da metade (58%) do total de processos pendentes (75 milhões). Para receber uma sentença, o processo leva, desde a data de ingresso, quase o triplo de tempo na fase de execução (4 anos e 7 meses) em comparação com a fase de conhecimento (1 ano e 7 meses). A taxa de congestionamento durante a execução é de 84%. Ou seja, são processos que ficam aguardando bens, ativos ou direitos passíveis de constrição judicial para uma solução e o cumprimento da sentença judicial.

Segundo explica o ministro Luiz Fux, o Sniper é um sistema que vai aprimorar a atuação do Judiciário. “É o caça-fantasmas de bens, que passa a satisfazer não só as execuções, mas também a recuperação de ativos decorrentes dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.”, afirmou. A solução dificulta a ocultação patrimonial e aumenta a possibilidade de cumprimento de uma ordem judicial em sua totalidade, com a identificação de recursos para o pagamento de dívidas, especialmente na área fiscal.

Para a coordenadora da Unidade de Paz e Governança do Pnud no Brasil, Moema Freire, o Sistema é uma inovação importante e estreitamente alinhada com a Agenda 2030 pactuada pelos países membros das Nações Unidas. “O Sniper favorece ganhos de efetividade na atuação da Justiça, bem como se soma aos esforços anticorrupção, representando uma importante contribuição para novos avanços rumo às metas previstas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 16, que trata das dimensões de Paz, Justiça e Instituições Eficazes.”

“O Sniper foi desenvolvido para trazer agilidade e eficiência na descoberta de relações e vínculos de interesse do processo judicial. Ele permite a melhor compreensão das provas produzidas em processos judiciais de crimes financeiros complexos, como a corrupção e lavagem de capitais, em segundos e com maior eficiência”, explica Dorotheo Barbosa Neto, juiz auxiliar da presidência do CNJ que está à frente do projeto. Segundo ressalta Barbosa Neto, a ferramenta deverá beneficiar a nota brasileira de execução de contratos, com impactos positivos em seu ambiente de negócios, medido pelo Doing Business, ranking do Banco Mundial que analisa 190 economias.

Como funciona

Com uma interface amigável e navegação intuitiva em plataforma web, o Sniper já disponibiliza uma consulta rápida e ágil a bases de dados abertas e fechadas, com a possibilidade de incluir novas bases de informações. O acesso ao sistema só é ser feito por pessoas autorizadas, a partir da decisão de quebra de sigilo, para garantir a segurança das informações.

Usuários e usuárias podem buscar dados de pessoas físicas e jurídicas pelo nome, CPF, razão social, nome fantasia ou CNPJ. A informação é traduzida visualmente em grafos, que evidenciam as relações entre pessoas físicas e pessoas jurídicas e agilizam o processo de identificação dos grupos econômicos. É possível visualizar as informações, a relação de bens e ativos (incluindo aeronaves e embarcações) e as relações com outras pessoas físicas e jurídicas. As informações podem ser exportadas em um relatório no formato .pdf e anexadas a um processo judicial.

Clique aqui para assistir a animação.

Atualmente, já estão integrados ao Sniper os dados de CPF e CNPJ, as bases de candidatos e bens declarados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), informações sobre sanções administrativas, empresas punidas e acordos de leniência (CGU), dados do Registro Aeronáutico Brasileiro ( Anac), embarcações listadas no Registro Especial Brasileiro (Tribunal Marítimo) e informações sobre processos judiciais, como partes, classe, assunto dos processos e valores (cabeçalho processual, do CNJ).

No módulo de dados sigilosos, poderão ser adicionadas informações fiscais e bancárias, com acesso restrito a usuários autorizados, a partir da integração com o Infojud e Sisbajud.

A ferramenta foi desenvolvida por uma equipe multidisciplinar do CNJ e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com a participação de profissionais de tecnologia e especialistas em Direito e em investigação patrimonial. Por ser integrada à Plataforma Digital do Poder Judiciário, não há necessidade de desenvolvimento adicional por parte dos tribunais.

Para capacitar profissionais do Judiciário que vão utilizar a ferramenta, será lançado em setembro um curso autoinstrucional no Portal EAD do CNJ. Detalhes sobre carga horária e abertura das inscrições serão divulgados em breve.

Justiça 4.0  

O Sniper integra o portfólio de mais de 30 projetos do Programa Justiça 4.0, iniciativa do CNJ, Pnud e Conselho da Justiça Federal (CJF) que desenvolve soluções tecnológicas disruptivas para acelerar a transformação digital do Poder Judiciário brasileiro. O programa conta, ainda, com o apoio do TSE, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Créditos= Texto: Vanessa Maeji, Edição: Márcio Leal, Agência CNJ de Notícias, Imagem: arte sobre foto de Rômulo Serpa/ Agência CNJ.






quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A impossibilidade da penhora total da conta conjunta

 

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A Corte Especial do STJ - Superior Tribunal de Justiça, em 15/06/2022, por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial nº 1610844/ BA, admitido como paradigma do Tema IAC 12 (Incidente de Assunção de competência) objetivando a delimitação da controvérsia de definir a possibilidade ou não de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo movido por pessoa - física ou jurídica - distinta da instituição financeira mantenedora da conta corrente.

Há divergência atual entre julgados das Turmas de Direito Privado e de Direito Público sobre o tema que envolve, basicamente, a interpretação da norma inserta no artigo 265 do Código Civil, segundo o qual "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes". Razão pela qual foi instaurado a Assunção de Competência à Corte Especial do STJ, com fulcro no § 4º do artigo 947 do CPC e com o julgamento sua aplicação deverá ser feita em casos coincidentes pelos tribunais inferiores.

Resumidamente, a Corte Especial do STJ decidiu que:

A) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles.
B) Não será possível a penhora da integralidade do saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora, sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção relativa de rateio.
(STJ, REsp 1.610.844-BA, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 15/06/2022. ( Tema IAC 12) - Informativo de Jurisprudência nº 741 de junho de 2022).

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Fixando o seguinte Tema: "Penhora de saldo em conta corrente conjunta. Extensão. Presunção relativa de rateio em partes iguais. Integralidade dos valores. Pessoa física ou jurídica distinta da instituição financeira mantenedora. Demonstração dos valores que integram o patrimônio de cada um" ( Tema IAC 12/STJ).

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O julgado restou assim ementado:

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXTENSÃO DA PENHORA DE SALDO EM CONTA-CORRENTE CONJUNTA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE RATEIO EM PARTES IGUAIS.
1. No que diz respeito à "conta conjunta solidária" - também chamada conta "E/OU", em que qualquer um dos titulares pode realizar todas as operações e exercer todos os direitos decorrentes do contrato de conta-corrente, independentemente da aprovação dos demais -, sobressai a solidariedade ativa e passiva na relação jurídica estabelecida entre os cotitulares e a instituição financeira mantenedora, o que decorre diretamente das obrigações encartadas no contrato de conta-corrente, em consonância com a regra estabelecida no artigo 265 do Código Civil.
2. Por outro lado, a obrigação pecuniária assumida por um dos correntistas perante terceiros não poderá repercutir na esfera patrimonial do cotitular da "conta conjunta solidária" caso inexistente disposição legal ou contratual atribuindo responsabilidade solidária pelo pagamento da dívida executada.
3. É que o saldo mantido na "conta conjunta solidária" caracteriza bem divisível, cuja cotitularidade, nos termos de precedentes desta Corte, atrai as regras atinentes ao condomínio, motivo pelo qual se presume a repartição do numerário em partes iguais entre os correntistas quando não houver elemento probatório a indicar o contrário, ex vi do disposto no parágrafo único do artigo 1.315 do Código Civil ( REsp n. 819.327/SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ de 8.5.2006). Tal presunção de rateio pro rata de bens e obrigações pertencentes a mais de uma pessoa decorre do princípio concursu partes fiunt, que também se encontra encartado nos artigos 257 (obrigações divisíveis), 272 (obrigações solidárias) e 639 (contrato de depósito) do Código Civil.
4. Nesse quadro, à luz do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor - enunciado nos artigos 591 e 592 do CPC de 1973 (reproduzidos nos artigos 789 e 790 do CPC de 2015)-, a penhora eletrônica de saldo existente em "conta conjunta solidária" não poderá abranger proporção maior que o numerário pertencente ao devedor executado, devendo ser preservada a cota-parte dos demais correntistas.
5. Sob tal ótica, por força da presunção do rateio igualitário do saldo constante da "conta coletiva solidária", caberá ao "cotitular não devedor" comprovar que o montante que integra o seu patrimônio exclusivo ultrapassa o quantum presumido. De outro lado, poderá o exequente demonstrar que o devedor executado é quem detém a propriedade exclusiva - ou em maior proporção - dos valores depositados na conta conjunta.
6. Tese jurídica firmada para efeito do artigo 947 do CPC: "a) É presumido, em regra, o rateio em partes iguais do numerário mantido em conta corrente conjunta solidária quando inexistente previsão legal ou contratual de responsabilidade solidária dos correntistas pelo pagamento de dívida imputada a um deles. b) Não será possível a penhora da integralidade do saldo existente em conta conjunta solidária no âmbito de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora, sendo franqueada aos cotitulares e ao exequente a oportunidade de demonstrar os valores que integram o patrimônio de cada um, a fim de afastar a presunção relativa de rateio."
7. Solução do caso concreto: afigura-se impositiva a reforma do acórdão estadual, pois, malgrado o recorrente não tenha comprovado o seu direito à totalidade do saldo existente na conta conjunta, é certo que o bloqueio judicial deveria se restringir aos 50% que se presumem pertencentes ao cotitular executado.
8. Recurso especial provido a fim de determinar que a penhora fique limitada à metade do numerário encontrado na conta-corrente conjunta solidária.
REsp n. 1.610.844/BA, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 15/6/2022, DJe de 9/8/2022.)

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Informações do inteiro teor: A controvérsia está em definir a possibilidade ou não de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo movido por pessoa - física ou jurídica - distinta da instituição financeira mantenedora da conta corrente.

Há divergência atual entre julgados das Turmas de Direito Privado e de Direito Público sobre o tema que envolve, basicamente, a interpretação da norma inserta no artigo 265 do Código Civil, segundo o qual "a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes".

Com efeito, os precedentes das Turmas da Primeira Seção assentam que, ainda que só um dos titulares da conta conjunta seja responsável pela dívida executada, a penhora deve atingir a integralidade do saldo depositado se não houver prova da titularidade exclusiva ou parcial dos valores, ante a presunção de que os co-correntistas pactuaram a ausência de exclusividade da disponibilidade do numerário.

Por sua vez, os acórdãos das Turmas da Segunda Seção adotam a exegese de que, em se tratando de execução movida por pessoa (física ou jurídica) distinta da instituição financeira mantenedora da conta bancária coletiva, deve ser franqueada aos cotitulares a comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, sendo certo que, na ausência de provas nesse sentido, presume-se a divisão do saldo em partes iguais, razão pela qual a penhora não poderá atingir a integralidade do numerário, mas apenas a cota-parte do correntista executado.

O exercício do aludido poder-dever do juiz - no âmbito da execução forçada direta - encontra limite político no princípio da responsabilidade patrimonial, enunciado nos arts. 591 e 592 do CPC/1973 (reproduzidos nos arts. 789 e 790 de CPC/2015), que versam sobre a sujeição dos bens do "devedor obrigado" (responsabilidade primária) e do "terceiro não obrigado" (responsabilidade secundária) à demanda executória.

Depreende-se que, em regra, somente os bens integrantes do patrimônio do devedor - a um só tempo obrigado e responsável - estão sujeitos à excussão destinada a obter soma em dinheiro apta ao adimplemento da prestação (pecuniária ou de dar coisa) encartada em título judicial ou extrajudicial.

A conta-corrente configura instrumento contratual que viabiliza outras operações bancárias, a exemplo do depósito, do empréstimo e da abertura de crédito. Tal contrato bancário alberga duas espécies: (i) a conta-corrente individual ou unipessoal, que possui um único titular, detentor do poder de movimentá-la, o qual pode ser outorgado a procurador devidamente constituído; e (ii) a conta-corrente conjunta ou coletiva, na qual há mais de um titular com poder de movimentação da conta.

Em se tratando de "conta conjunta solidária", sobressai a solidariedade ativa e passiva na relação jurídica estabelecida entre os cotitulares e a instituição financeira mantenedora, o que decorre diretamente das obrigações encartadas no contrato de conta-corrente, em consonância com a regra estabelecida no art. 265 do CC/2002.

Por outro lado, a obrigação pecuniária assumida por um dos correntistas perante terceiros não poderá repercutir na esfera patrimonial do cotitular da "conta conjunta solidária", caso inexistente disposição legal ou contratual atribuindo responsabilidade solidária pelo pagamento da dívida executada.

Nessa perspectiva, há julgados desta Corte que, com base na Lei n. 7.357/1985, entendem que os cotitulares da aludida espécie de conta conjunta não ostentam a condição de devedores solidários nem sequer perante terceiros portadores de cheques emitidos, sem provisão de fundos, somente por um dos correntistas.

Nessa ordem de ideias, infere-se que o saldo mantido na chamada "conta conjunta solidária" caracteriza bem divisível, cuja cotitularidade, nos termos de precedentes desta Corte, atrai as regras atinentes ao condomínio, motivo pelo qual se presume a repartição do numerário em partes iguais entre os correntistas quando não houver elemento probatório a indicar o contrário, consoante disposto no parágrafo único do art. 1.315 do CC/2022 ( REsp n. 819.327/SP, relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ de 08/05/2006).

Consequentemente, à luz do princípio da responsabilidade patrimonial do devedor - enunciado nos arts. 591 e 592 do CPC/1973 (reproduzidos nos arts. 789 e 790 do CPC/2015)-, a penhora eletrônica de saldo existente em "conta conjunta solidária" não poderá abranger proporção maior que o numerário pertencente ao devedor executado, devendo ser preservada a cota-parte dos demais correntistas.

Sob tal ótica, por força da presunção do rateio igualitário do saldo constante da "conta coletiva solidária", caberá ao "cotitular não devedor" comprovar que o montante que integra o seu patrimônio exclusivo ultrapassa o quantum presumido. De outro lado, poderá o exequente demonstrar que o devedor executado é quem detém a propriedade exclusiva - ou em maior proporção - dos valores depositados na conta conjunta.

Desse modo, quando existente prova de titularidade exclusiva dos valores depositados por aquele que não figura no polo passivo da execução de obrigação pecuniária não solidária, afigurar-se-á impositiva a desconstituição da penhora.