segunda-feira, 27 de junho de 2022

Ao não partilhar bens ao se separar, cônjuge pode perdê-los, por usucapião, para o ex que ficou na posse.

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Ao não partilhar bens ao se separar, cônjuge pode perdê-los, por usucapião, para o ex que ficou na posse.

A usucapião é um modo de aquisição de propriedade móvel ou imóvel e ou de qualquer direito real, que se dá pela posse prolongada e ininterrupta, conforme o prazo legal estabelecido para a prescrição aquisitiva, espécies e requisitos necessários, constantes dessa nossa tabela.

O divórcio, a dissolução da união estável, a separação judicial e a separação de fato prolongada delimitam o fim do regime de bens, rompendo a sociedade conjugal, trazendo a necessidade de fazer a partilha do patrimônio.

É o entendimento pacificado pelo STJ que com a separação do casal, ainda que de fato, cessa o impedimento para a fluência do prazo da usucapião entre os cônjuges, afastando a regra do artigo 197, I, do CC, mesmo não estando previsto no rol do artigo 1.571 do Código Civil (STJ, 2019, REsp 1660947/ TO).

Embora não recomendado, é possível o divórcio sem a prévia partilha de bens, conforme autoriza o § único do artigo 731 do Código de Processo Civil. No entanto, se o divorciado se casar novamente antes de proceder a partilha, o regime de bens será, obrigatoriamente, o da separação total, conforme prevê o art. 1.641, I, do Código Civil, com o escopo de evitar a confusão patrimonial.

Mas a consequência mais grave é a possibilidade da perda dos bens para o ex-cônjuge que exerce a posse sem nenhuma oposição, pois a jurisprudência lhe reconhece a legitimidade para pedir usucapião em nome próprio.

Ilustramos com alguns casos concretos enfrentados pelo STJ:

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1.) Prescrição da partilha - A 3ª Turma do STJ, em 05/11/2019, ao julgar o REsp 1660947/ TO, sob a relatoria do Ministro Moura Ribeiro, concluiu que a pretensão de partilha de bem comum após mais de 10 (dez) anos da separação de fato está fulminada pela prescrição. O Colegiado destacou que “na linha da doutrina especializada, razões de ordem moral ensejam o impedimento da fluência do curso do prazo prescricional na vigência da sociedade conjugal (art. 197, I, do Código Civil), cujo escopo é a preservação da harmonia e da estabilidade do matrimônio”.

O Colegiado disse que “tanto a separação judicial (negócio jurídico), como a separação de fato (fato jurídico), comprovadas por prazo razoável, produzem o efeito de pôr termo aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens (elementos objetivos), e revelam a vontade de dar por encerrada a sociedade conjugal (elemento subjetivo)”.

Portanto, “não subsistindo a finalidade de preservação da entidade familiar e do respectivo patrimônio comum, não há óbice em considerar passível de término a sociedade de fato e a sociedade conjugal. Por conseguinte, não há empecilho à fluência da prescrição nas relações com tais coloridos jurídicos”.

Por isso, concluiu que “a pretensão de partilha de bem comum após mais de 30 (trinta) anos da separação de fato e da partilha amigável dos bens comuns do ex-casal está fulminada pela prescrição”

É certo que o Colegiado não analisou a viabilidade da usucapião entre o ex-casal, posto que matéria não suscitada no recurso, mas é a única solução possível ante o reconhecimento da prescrição da partilha dos bens comuns, conforme veremos nos julgados abaixo.

(STJ. 3ª Turma. REsp 1.660.947/ TO, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 05/11/2019 (Informativo de Juris 660/ 2019).

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2.) Usucapião Especial Urbana - A mesma 3ª Turma do STJ, em 05/05/2020, ao julgar o REsp 1693732/ MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, definiu que "a separação de fato do casal é suficiente para cessar a causa impeditiva da fluência do prazo prescricional prevista no art. 197, I, do CC, e, assim, para deflagrar o cômputo do prazo para a prescrição aquisitiva do imóvel previsto no art. 1.240 do Código Civil".

O Colegiado destacou que existem duas espécies distintas de prescrição reguladas pelo Código Civil de 2002: "a extintiva, relacionada ao escoamento do lapso temporal para que se deduza judicialmente pretensão decorrente de violação de direito (arts. 189 a 206) e a aquisitiva, relacionada a forma de aquisição da propriedade pela usucapião (arts. 1.238 a 1.244)".

Frisou que a causa impeditiva de fluência do prazo prescricional prevista no art. 197, I, do CC, conquanto topologicamente inserida no capítulo da prescrição extintiva, também se aplica às prescrições aquisitivas, na forma do art. 1.244 do Código Civil.

Concluiu que: “a constância da sociedade conjugal, exigida para a incidência da causa impeditiva da prescrição extintiva ou aquisitiva (art. 197, I, do Código Civil), cessará não apenas nas hipóteses de divórcio ou de separação judicial, mas também na hipótese de separação de fato por longo período, tendo em vista que igualmente não subsistem, nessa hipótese, as razões de ordem moral que justificam a existência da referida norma”.

No caso analisado naquele julgamento, para a Turma, restou incontroverso o transcurso do lapso temporal quinquenal entre a separação de fato e o ajuizamento da ação de usucapião, mas não tendo havido a apuração, pelas instâncias ordinárias, acerca da presença dos demais pressupostos configuradores da usucapião, determinaram a devolução do processo para rejulgamento da apelação, afastada a discussão acerca da prescrição aquisitiva da usucapião especial urbana.

(STJ, REsp 1693732/ MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020).

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3.) Usucapião Extraordinário - Em 03/05/2022, novamente a 3ª Turma do STJ, voltou a enfrentar o tema ao julgar o REsp 1840561/ SP, dessa vez relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze.

A Turma analisou a natureza da posse exercida por um dos ex-cônjuges sobre fração ideal pertencente ao casal dos imóveis comuns, após a dissolução da sociedade conjugal, mas sem que tenha havido a partilha dos bens, a ensejar a aquisição da propriedade, pelo cônjuge possuidor, da totalidade da fração ideal por usucapião, observou que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide.

Salientou o Colegiado que jurisprudência do STJ assenta-se no sentido de que, dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, cessando o estado de mancomunhão anterior.

Razão pela qual possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, tendo sido preenchidos os demais requisitos legais.

De mais a mais, a posse de um condômino sobre bem imóvel exercida por si mesma, com ânimo de dono, ainda que na qualidade de possuidor indireto, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, nem reivindicação dos frutos e direitos que lhes são inerentes, confere à posse o caráter de ad usucapionem, a legitimar a procedência da usucapião em face dos demais condôminos que resignaram do seu direito sobre o bem, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

A Turma entendeu que restou provado nos autos, que após o fim do matrimônio houve completo abandono, pelo ex-marido, da fração ideal pertencente ao casal dos imóveis usucapidos pela ex-esposa, sendo que esta não lhe repassou nenhum valor proveniente de aluguel nem ele o exigiu, além de não ter prestado conta nenhuma por todo o período antecedente ao ajuizamento da referida ação.

Em face disso, o Colegiado afastou a presunção de ter havido administração dos bens pela ex-esposa e entendeu ter havido sim, de forma cristalina, o exercício da posse pela ex-esposa do recorrente com efetivo ânimo de dona, a amparar a procedência do pedido de usucapião, conforme reconhecido nas esferas inferiores. Mais detalhes, aqui.

Em suma: "Dissolvida a sociedade conjugal, o bem imóvel comum do casal rege-se pelas regras relativas ao condomínio, ainda que não realizada a partilha de bens, possuindo legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários".
(STJ, REsp 1840561/ SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 3/5/2022, DJe de 17/5/2022 - Informativo de Jurisprudência nº 739).

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4.) Usucapião Familiar - Importante não confundir os entendimentos supra, frutos da jurisprudência, com a Usucapião Familiar, expressamente prevista na legislação, mais precisamente no artigo 1.240-A do Código Civil, que diz que “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

O termo "abandono do lar", prevista no artigo 1.240-A do CC,, segundo o Enunciado nº 595 do CJF (Conselho da Justiça Federal): "(...) deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499".

Continue lendo sobre Usucapião Familiar no item 07 (sete) do nosso artigo sobre usucapião, clicando aqui.

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Demonstrado, portanto, que possui legitimidade para usucapir em nome próprio o condômino (ex-cônjuge, herdeiro, ou outro) que exerça a posse por si mesmo, sem nenhuma oposição dos demais coproprietários, se preenchidos os demais requisitos legais, a integralidade da propriedade.

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sexta-feira, 24 de junho de 2022

TJ-RN e TJ-SP contrariam STJ e mantêm tratamento fora do rol taxativo da ANS para pacientes autistas.

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Editado em 30.6.2022 para incluir: "TJ/SP ignora STJ e mantém terapia a autista". Aqui, íntegra do acórdão. 

 Agravo de instrumento. Plano de saúde. Tutela antecipada deferida para que a ré providencie o custeio do tratamento do qual o autor necessita. Tratamento para autismo. Insurgência da requerida. Requisitos do art. 300, do CPC, não demonstrados. Autor possui diversos atrasos no desenvolvimento e limitações em razão da patologia que o acomete. Relatório médico que descreve precisamente o quadro do autor e evidencia a necessidade do tratamento prescrito, sob pena de comprometimento de sua saúde. Contrato deve ser interpretado em favor do consumidor. Em princípio, se a doença tem cobertura contratual, os tratamentos disponíveis pelo avanço da medicina também estarão cobertos. Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura e custeio de tratamento sob o argumento de natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. Neste momento processual, não há aplicabilidade do EREsp 1.886.929, vez que ainda não disponibilizado o Acórdão. Decisão vencedora sem caráter vinculante, por maioria de votos, envolvendo direitos constitucionais. Agravo não provido.  

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2069959-58.2022.8.26.0000; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV - Butantã - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/06/2022; Data de Registro: 21/06/2022).

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Editado em 1º.7.2022 para incluir: "Juiz considera exceção da tese do STJ e plano deve custear medicamento" para paciente com câncer. Clique aqui para ler.

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 TJ-RN e TJ-SP contrariam STJ e mantêm tratamento fora do rol taxativo da ANS para pacientes autistas. O STJ em 08/06/2022 havia decidido que os convênios não precisavam mais cobrir tratamento fora do rol da ANS.


O TJRN - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, através da 1a Câmara Cível, concedeu liminar que mantém o tratamento especializado de fisioterapia denominado Pediasuit, para paciente do espectro autista. A terapia tinha sido interrompida no dia 13 de junho, por determinação judicial que seguiu o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo o qual os planos de saúde só têm obrigação de cobrir as os tratamentos relacionados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Conforme noticiamos aqui: https://www.instagram.com/p/CekNmppOSIX/  O Pediasuit não está nesse chamado rol taxativo.

Para o juiz Ricardo Tinoco de Góes (convocado para a Segunda Instância), o próprio STJ orienta que “em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor”.

Na decisão, o magistrado reconhece que o método Pediasuit de reabilitação representa atualmente o que há de mais apropriado para o caso de Cleriston e que a suspensão da terapia pode ocasionar males como aumento da escoliose, aumento da fraqueza muscular e distonia, além de desequilíbrio.

“Portanto, quando se trata do desenvolvimento digno, psicológico e intelectual de uma criança, entendo que o ônus a ser suportado pelo plano de saúde, para fornecer-lhe tratamento adequado, em princípio, não se configura desproporcional ou irrazoável”, diz o texto, citando o dano irreparável que poderia representar a interrupção do tratamento.

Atuou na defesa dos direitos do paciente o advogado Bruno Henrique Saldanha Farias.

Íntegra da decisão:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE - Gab. Des. Dilermando Mota na Câmara Cível - Juiz Convocado Dr. Ricardo Tinoco de Goes - Agravo de Instrumento nº 0806085-68.2022.8.20.0000 
Agravante: C. A. D. A. j. - Representante: ADEYSIANE PEDRO DA SILVA ARAUJO - Advogado(s): BRUNO HENRIQUE SALDANHA FARIAS Agravada: UNIMED NATAL
Relator: JUIZ RICARDO TINOCO DE GÓES (CONVOCADO)
DECISÃO
Vistos em exame.
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal, interposto por Cleriston Arruda de Araújo júnior, menor impúbere
representado pela genitora Adeysiane Pedro da Silva Araújo, em face de decisão proferida pela juíza de Direito da ja Vara Cível da Comarca de Natal, que nos autos da
Ação de Obrigação de Fazer 0836647-92.2022.8.20.5001, proposta em desfavor de Unimed Natal — Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico, indeferiu pedido de tutela de urgência, o qual postulava fosse determinado que a Cooperativa ora agravada se abstivesse de interromper o tratamento do autor/agravante, promovendo a autorização e custeio da fisioterapia pelo Método Pediasuit — Intensivo e Manutenção, na carga horária estabelecida pelo médico assistente.
Nas razões de ID 14761809, sustenta o recorrente, em suma, que é beneficiário do plano de saúde administrado pela agravada, e que ao ingressar com a demanda de origem, teria denunciado a suspensão unilateral pela Cooperativa recorrida, do tratamento fisioterápico pelo método Pediasuit a que vinha sendo submetido, sob a alegação de ausência de previsão no rol da ANS.
Destaca possuir diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (CID 1 0 F84 / Cid. 10 6A02), associada a Epilepsia Refratária (CID 10 G40), e Encefalopatia epiléptica infantil, e que em razão dos diversos atrasos neuropsicomotores, teriam Ihe sido prescritos pelo médico assistente, cuidados de reabilitação incluindo o Método Pediasuit.
Relata que a despeito de regularmente autorizado o tratamento referido, em 31 de maio de 2022 teria sido surpreendido com a negativa do Plano, o que teria motivado o ajuizamento da demanda.
Diz que analisando a tutela de urgência, voltada ao imediato restabelecimento dos serviços interrompidos, teria a Magistrada a quo indeferido a pretensão, sob o fundamento de “ausência de fumus boni iuris”, por entender que, “em recente decisão, o Superior Tribunal de]ustiça decidiu que o rol da ANS é taxativo, em regra, de forma que as operadoras de saúde, a princípio, não estariam obrigadas a acobertar eventos não previstos”.
Pontua que não se trataria de “mera escolha de tratamento”, mas de efetiva necessidade de realização, ante a inexistência de substituto terapêutico capaz de possibilitar os resultados pretendidos.
Ressalta a existência de pareceres favoráveis à fisioterapia com protocolo PediaSuit, emitidos pelo NATjUS — Núcleo de Apoio Técnico do Poder judiciário, e que em laudo médico subscrito pelo profissional que acompanha o agravante, teria sido expressamente declarado que o Método Pediasuit de reabilitação, no momento, representa o que há de mais apropriado para o caso, uma vez que os métodos tradicionais de fisioterapia não atingem os objetivos desejados”, circunstâncias que, no seu entender, autorizariam o deferimento da tutela de urgência requestada.
Que ainda que assim não fosse, o julgamento proferido pela 2ã Seção do STF, atinente à taxatividade do rol da ANS, não teria se dado sob a forma de recursos repetitivos, razão pela qual inexistiria efeito vinculante.
Ademais, que diversamente do quanto concluído pela julgadora Monocrática, “a probabilidade do direito” estaria evidenciada “nos relatórios médicos, bem como no acervo jurisprudencial colacionado que conferem ao Agravante o direito ao amplo e eficaz tratamento indicado pelos profissionais de saúde que o assiste”, e o “perigo de dano”, “pelas consequências oriundas da não realização imediata da terapia indicada pelo médico que acompanha o Agravante, o que ocasionarã enormes riscos à saúde e integridade ffsica do Agravante”.
Por conseguinte, pugna pela concessão de antecipação de tutela recursal, renovando o pedido indeferido em Primeira Instância; e no mérito, pelo provimento do agravo.
Junta documentos.
É o relatório. Decido.
A teor do disposto nos artigos 995, parágrafo único, e 1.019, I, do Código de Processo Civil, o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Na situação em exame, pretende o agravante a reforma da decisão que indeferiu pedido de tutela de urgência, o qual postulava fosse determinado que a Cooperativa Médica ora agravada se abstivesse de interromper o tratamento do autor/agravante, promovendo a autorização e custeio da fisioterapia pelo Método Pediasuit — Intensivo e Manutenção, na carga horária estabelecida pelo médico assistente.
Mister ressaltar, por oportuno, que em se tratando de Agravo de Instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, aos requisitos aptos a concessão da medida sem, contudo, adentrar à questão de fundo da matéria.
Desse modo, em uma análise perfunctória, própria desse momento processual, vislumbro a presença dos requisitos necessários para o deferimento do provimento de urgência.
Isso porque, embora não se olvide que em julgamento finalizado em 08/06/22, a Segunda Seção do Superior Tribunal de justiça entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS), não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista, fixou o Colegiado parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
Dessa forma, em pese não inserido no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, a fisioterapia com protocolo Pediasoir já foi analisada pelo NATjUS — Núcleo de Apoio Técnico do Poder judiciário, tendo sido emitido parecer favorável à utilização da técnica, “para o tratamento de indivíduos com distúrbios neurológicos, como paralisia cerebral (PC), atrasos de desenvolvimento, lesões cerebrais traumãticas, autismo e outras condições que afetam as funções motoras e/ou cognitivas de uma criança”. (Nota Técnica 78363, data de conclusão 30/05/22. Fonte: https://www.cnj.jus.br/e-natjus/pesquisaPubIica.php (https://www.cnj.jus.br/e- natjus/pesquisaPubIica.php))
Demais disso, no que pertine à “inexistência de substituto terapêutico”, observo que consta dos autos laudo firmado pelo médico assistente do agravado (ID 1476J 819), datado de 09/06/22, indicando especificamente, ante a gravidade e particularidades do caso - menor impúbere de 06 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID 1 0 F84 / Cid. 10 6A02), associada à Epilepsia Refratária (CID 1 0 G40) e Encefalopatia epiléptica infantil -, a necessidade do tratamento prescrito, ressaltando que “o Método Pediasuit de reabilitação, no momento, representa o que há de mais apropriado para o caso, uma vez que os métodos tradicionais de fisioterapia não atingem os objetivos desejados”.
Nesse contexto, observado que o tratamento fisioterápico requerido pelo agravante está amparado por justificativa e requisição médica específica, a qual consigna os diversos atrasos neuropsicomotores acometidos ao recorrente, não há como colocar em dúvida a sua necessidade, não sendo hábil, nessa fase processual, limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do paciente.
Ainda acerca da inexistência de substituto terapêutico, o relatório de ID 14761971 também aponta que a Fisioterapia convencional não supre as demandas motoras e sensoriais apresentadas pelo paciente”, destacando quanto ao requisito da urgência, que a suspensão da terapia pode ocasionar aumento da escoliose, aumento da fraqueza muscular e distonia, consequentemente intensificando o desequilíbrio dinâmico e estático, assim prejudicando a marcha em qualidade e distância de desfocamento“.
Acresça-se, que é entendimento pacífico na jurisprudência pátria que compete ao médico do segurado, a escolha do tratamento ou da técnica que entende adequada para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acomete o paciente, competindo ao plano de saúde, tão somente, assegurar a assistência médico-hospitalar, mediante pagamento dos custos despendidos com o tratamento recomendado, não Ihe sendo autorizado limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor (STF, REsp n° 1 053810/SP 2008/0094908-6, Rela. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ã Turma, julgado em 17/12/2009).
De fato, considera-se ilícita a negativa de cobertura do plano de saúde de procedimento, tratamento ou material considerado essencial para preservação da saúde do paciente. A indicação médica é de responsabilidade do profissional que prescreveu o procedimento, sendo desarrazoado ao judiciário adentrar no mérito da adequação/utilidade do tratamento (AgRg no Ag 1325939/DF, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 03/04/201 4).
Noutro pórtico, é sabido que o Transtorno do Espectro Autista - TEA está previsto como doença de cobertura obrigatória no Rol da ANS e a Lei 9.656/98 (que dispõe sobre planos e seguros saúde) determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 1 0 — Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, que se trata de uma relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial de Saúde.
De igual modo, a lei 12.764 de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê em seus artigos 2º, III e 3º, III,“b” a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo.
Outrossim, em conformidade com a princípio da adaptação razoável, estabelecido pela Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com Deficiência (adotado no Brasil por meio do DECRETO N° 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009), tem-se, em seu art.2°, que deverão ser realizadas modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

Portanto, quando se trata do desenvolvimento digno, psicológico e intelectual de uma criança, entendo que o ônus a ser suportado pelo plano de saúde, para fornecer-lhe tratamento adequado, em princípio, não se configura desproporcional ou irrazoável.

Nesse norte, entendo caracterizado o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ante um dano maior à saúde do agravante, caso não seja fornecido o tratamento prescrito pelo médico especializado, enquanto se discute o mérito da demanda.

Com efeito, o bem jurídico que se pretende tutelar é da maior importância, concernente à própria vida do usuário, cuja proteção decorre de imperativo constitucional que resguarda, no art. 1°, III, a dignidade da pessoa humana, e deve sobrepor-se ao direito eminentemente pecuniário, não havendo que se falar em irreversibilidade da medida.

Ante o exposto, sem prejuízo de melhor análise quando do julgamento do mérito, defiro o pedido de antecipaçáo de tutela recursal, para determinar que a Cooperativa Médica ora agravada, se abstenha de interromper o tratamento do autor/agravante, promovendo a autorização e custeio da fisioterapia pelo Método Pediasuit — Intensivo e Manutenção, na carga horária estabelecida pelo médico assistente, a ser realizada por profissional e em estabelecimento conveniado, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Comunique-se à Magistrada a quo o teor desta decisão.

Intime-se a parte agravada para, querendo, oferecer resposta ao presente recurso, sendo-lhe facultado juntar as cópias que entender convenientes.

Em seguida, encaminhe-se os autos à Procuradoria de Justiça, para os devidos fins.

Cumpridas as diligências, à conclusão. Publique-se.

Natal, 20 de junho de 2022.

Juiz RICARDO TINOCO DE GÓES (Convocado) Relator

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Fontes: TJRN - Tribunal de Justiça do Rio Grande do NorteUOL (Coluna Chico Alves), Site Juristas, Site MigalhasInstagram wander.fernandes.adv, Blog Wander Fernandes Advocacia, imagem: Canva.

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quinta-feira, 23 de junho de 2022

Pensão por morte para menor que esteve sob a guarda da avó vai só até os 18 anos.

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e no blog ( artigos e petições do mesmo autor).

Pensão por morte para menor que esteve sob a guarda da avó vai só até os 18 anos. STJ confirma acórdão do TJDFT com base no ECA.

Em 17/5/2022, a 2a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 1947690 / DF, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que estabeleceu a uma menor de idade – sob guarda da avó, servidora pública distrital, até o falecimento desta, em 2018 – o benefício de pensão por morte, até que ela complete 18 anos. O TJDFT embasou sua decisão no artigo do ECA, que fixa que a menoridade civil se encerra aos 18 anos, cessando suas disposições a partir dessa idade.

O colegiado negou provimento ao recurso do Distrito Federal, sob o argumento de que, nos termos do artigo 33, § 3º, do ECA, comprovada a dependência econômica do menor sob guarda, ele tem direito ao benefício de pensão por morte do seu mantenedor. Todavia, a Turma não conheceu do recurso da pensionista, que pretendia estender o benefício até os 21 anos. Os ministros entenderam que a pensão concedida com base no ECA só poderia, de fato, ser paga até os 18 anos.

Segundo a neta, o artigo 16, § 2º, da Lei 8.213/ 1.991 e o artigo 217, § 3º, da Lei 8.112/ 1,990, equipararam o menor sob guarda à condição de filho para fins previdenciários, de modo que a concessão da pensão não deveria se ater apenas ao critério da minoridade.

Por seu lado, o Distrito Federal buscava a retirada do benefício, por entender que não há previsão expressa de menor sob guarda de servidor distrital no rol de beneficiários constantes da legislação previdenciária distrital.

ECA é norma específica em relação à legislação previdenciária - A relatora do caso, ministra Assusete Magalhães, mencionou precedentes do STJ segundo os quais, embora existam leis estaduais e distritais sobre previdência social, crianças e adolescentes também estão sob a jurisdição de norma específica: o ECA.

De acordo com a ministra, o ECA – norma especial em relação às disposições da legislação previdenciária em regime geral ou próprio – confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários, com base no dever do poder público e da sociedade quanto à proteção da criança e do adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal.

Assim, para Assusete Magalhães, a pensão por morte deferida judicialmente para a neta da servidora pública falecida é válida, ao contrário do que defendia o Distrito Federal, e está exclusivamente fundamentada na regra contida no artigo 33, parágrafo 3º, do estatuto – o que exclui a possibilidade de invocar a legislação previdenciária distrital. Por isso, segundo a relatora, é razoável que o termo final do pagamento da pensão por morte também seja extraído do ECA (artigo 2º).

Desse modo, a relatora apontou que, como não se pode aplicar o ECA a partir da data em que a recorrente completou 18 anos, não há fundamento legal para manter o benefício da pensão temporária por morte até a idade de 21 anos.

O Julgado restou assim ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS DO DISTRITO FEDERAL E DA PARTE AUTORA. SERVIDORA PÚBLICA DISTRITAL FALECIDA. MENOR SOB GUARDA DA AVÓ FALECIDA. DIREITO À PENSÃO TEMPORÁRIA POR MORTE, RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, COM FUNDAMENTO NO ART. 33, § 3º, DA LEI 8.069/90 ( ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO STJ. TERMO FINAL DO BENEFÍCIO FIXADO COM FUNDAMENTO NO ART. , CAPUT, DA LEI 8.069/90 (DEZOITO ANOS DE IDADE). FUNDAMENTOS DA CORTE DE ORIGEM INATACADOS, NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL DA PARTE AUTORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. SÚMULA 280/STF. RECURSO ESPECIAL DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO. RECURSO ESPECIAL DA AUTORA NÃO CONHECIDO.
I. Recursos Especiais do Distrito Federal e da parte autora, interpostos contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. II. Na origem, trata-se de Ação Ordinária, proposta pela ora recorrente, em desfavor do Distrito Federal e do Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal-IPREV, objetivando a condenação dos réus ao pagamento de pensão temporária por morte a menor sob guarda, desde o óbito de sua avó, servidora pública distrital, ocorrido em 11/10/2018. Julgada parcialmente procedente a demanda, em 1º Grau, concedendo a pensão temporária à parte autora, até que atingisse a idade de 18 (dezoitos) anos, nos termos do art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente), o Tribunal de origem manteve a sentença. III. O entendimento firmado pelo Tribunal de origem alinha-se à orientação do STJ, adotada no REsp 1.411.258/RS (Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 21/02/2018), sob o regime do art. 543-C do CPC/73, no sentido de que o menor sob guarda tem direito ao benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei 9.528/57, tendo em vista a qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), frente à legislação previdenciária. IV. Na forma da jurisprudência do STJ, "o fato de se tratar de pensão no âmbito do regime próprio de previdência não afasta o entendimento assentado por esta Corte acerca da matéria, pois o art. 33, § 3º, do ECA é norma específica em relação às disposições da legislação previdenciária, independentemente de se cuidar de regime geral ou próprio" (STJ, AgInt no REsp 1.902.627/CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/06/2021). Nesse sentido: STJ, AgInt no REsp 1.842.847/CE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/10/2020; AgInt no AREsp 1.289.416/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/10/2018; AgInt no AREsp 1.004.752/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 21/08/2018; RMS 36.034/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 15/04/2014. V. O acórdão recorrido afastou a pretensão da autora, ora recorrente, de perceber a pensão temporária até os 21 (vinte e um) anos de idade, ao fundamento de que "a pensão por morte que lhe foi deferida judicialmente está fundamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente, sem previsão expressa na legislação previdenciária distrital, o qual, em seu art. , prevê que 'considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade' (...). Desse modo, não verificada a excepcionalidade do parágrafo único do art. do ECA, que permite a aplicação do referido Estatuto às pessoas entre 18 e 21 anos de idade, 'nos casos expressos em lei', conclui-se pela inaplicabilidade do ECA a partir da data em que a apelante-autora completou 18 anos de idade (11/05/2020), por isso inexiste fundamento legal para manter o benefício da pensão temporária por morte até a idade de 21 anos". A recorrente insiste na contrariedade ao art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), pugnando pela aplicação da lei distrital - cuja análise é insuscetível de ser feita, em sede de Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 280/STF -, sem impugnar os aludidos fundamentos do acórdão recorrido, alicerçados na dicção do art. do mesmo Estatuto. VI. Assim, os fundamentos do acórdão recorrido, relativos ao termo final da pensão temporária, restaram incólumes, nas razões do Recurso Especial da autora. Portanto, é de ser aplicado o óbice da Súmula 283/STF, por analogia. Precedentes do STJ. VII. Não fora isso, tendo o Tribunal de origem reconhecido que o direito da recorrente à pensão temporária decorre exclusivamente da regra contida no art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90, mostra-se razoável que o termo final, para o pagamento daquela pensão, também seja extraído do art. , caput, desse mesmo diploma legal. Com efeito, na forma da jurisprudência, por disciplinar a situação dos menores sob guarda, o Estatuto da Criança e do Adolescente ostenta natureza especial e define a idade de dezoito anos como limite de sua aplicação (STJ, AgRg no REsp 1.387.323/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016). VIII. Recurso Especial do Distrito Federal desprovido. Recurso Especial da autora não conhecido. (STJ, REsp n. 1.947.690/F, relatora Min. Assusete Magalhães, 2a Turma, j. 17/5/2022, DJe de 23/5/2022).

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Fonte: Setor de Comunicação do STJ, 22.6.2022.

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