quarta-feira, 15 de junho de 2022

Adoção avoenga. Da adoção dos netos pelos avós.

 

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Adoção avoenga. Da adoção dos netos pelos avós.

Apesar da adoção entre ascendente e descendente ser expressamente proibida no § 1º do artigo 42 do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/ 1.990), o STJ – Superior Tribunal de Justiça tem entendido que tal vedação não é absoluta, podendo ser flexibilizada em circunstâncias excepcionais, para regularizar situações de fato consolidadas, por razões humanitárias e sociais e para atender o princípio constitucional do melhor interesse do menor.

Importante frisar que o § 3º do art. 39 determina que "em caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras pessoas, inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e os interesses do adotando".

O STJ já julgou e acolheu os seguintes casos de adoção avoenga:

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1-) Em 14.06.2022, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o Resp 1957849/ MG, decidiu que uma avó paterna tem legitimidade para ajuizar ação de destituição do poder familiar da mãe biológica e, após, requerer a adoção da neta adolescente.

A relatora do processo, Ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que: "O ECA tem sofrido flexibilizações nesta Corte, sempre excepcionais, mas por razões humanitárias e sociais, bem como para preservar situações de fato consolidadas, como o caso concreto."

A relatora frisou. ainda, que da adotanda reside com a avó desde a "pouca idade", uma vez que foi abandonada pela mãe biológica meses após seu nascimento. No entendimento da relatora, os indícios, no caso, demonstram existência de vínculo afetivo entre a adolescente e a avó paterna.

Ao final, a 3ª Turma, de forma unânime, cassou a sentença, ordenando fosse dado regular prosseguimento ao processo nas instâncias inferiores.

(STJ, REsp 1957849/ MG, STJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14.6.2022, ainda não publicado no Dje);

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02- Em 06.02.2020. a 4ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1587477/ SC, autorizou a adoção de neto por avós em atenção ao melhor interesse da criança.

O relator do processo, Ministro Luis Felipe Salomão, ao rejeitar a tese recursal do Ministério Público destacou que se alinha à jurisprudência da 3ª turma: “Constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.”

Após citar julgados, o relator apontou que a unanimidade dos integrantes da 3ª turma não controverte sobre a possibilidade de mitigação da norma geral impeditiva do artigo 42 do ECA, autorizando a adoção pelos avós em situações excepcionais.

Essas situações são: (i) o pretenso adotando seja menor de idade; (ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.

Para o relator Salomão, o entendimento deve ser adotado também pela 4ª turma, “por se mostrar consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, fim social objetivado pela Constituição da República de 1988 e pela Lei 8.069/90, conferindo-se, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam o tratamento“. A decisão do colegiado foi unânime.

(STJ, REsp n. 1587477/ SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/3/2020, DJe de 27/8/2020.)

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03- Em 27.02.2018, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1635649/ SP, também autorizou a adoção de neto pelos avós, em observância do princípio do melhor interesse do menor.

Sobre o caso concreto, consignou o Colegiado: 01- Pedido de adoção deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento, por impossibilidade psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual. 02 - O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação específica que é analisada.

03. Os elementos usualmente elencados como justificadores da vedação à adoção por ascendentes são: i) a possível confusão na estrutura familiar; ii) problemas decorrentes de questões hereditárias; iii) fraudes previdenciárias e, iv) a inocuidade da medida em termos de transferência de amor/afeto para o adotando. 04. Tangenciando à questão previdenciária e às questões hereditárias, diante das circunstâncias fática presentes - idade do adotando e anuência dos demais herdeiros com a adoção, circunscreve-se a questão posta a desate em dizer se a adoção conspira contra a proteção do menor, ou ao revés, vai ao encontro de seus interesses. 05. Tirado do substrato fático disponível, que a família resultante desse singular arranjo, contempla, hoje, como filho e irmão, a pessoa do adotante, a aplicação simplista da norma prevista no art. 42§ 1º, do ECA, sem as ponderações do prumo hermenêutico" do art.  do ECA, criaria a extravagante situação da própria lei estar ratificando a ruptura de uma família socioafetiva, construída ao longo de quase duas décadas com o adotante vivendo, plenamente, esses papéis intrafamiliares. 06. Recurso especial conhecido e provido."

(STJ, REsp 1635649/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3a Turma, Julgado em 27.02.2018, DJe 02/03/2018).

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04- Em 03/11/2014, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp 1448969/ SC, reconheceu a filiação socioafetiva e manteve a adoção de neto pelos avós.

Nesse caso concreto, a 3ª Turma “admitiu, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção."

Colhe-se da ementa, as seguintes passagens: “(...) 2. As estruturas familiares estão em constante mutação e para se lidar com elas não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. 3. Pais que adotaram uma criança de oito anos de idade, já grávida, em razão de abuso sexual sofrido e, por sua tenríssima idade de mãe, passaram a exercer a paternidade socioafetiva de fato do filho dela, nascido quando contava apenas 9 anos de idade. 4. A vedação da adoção de descendente por ascendente, prevista no art. 42§ 1º, do ECA, visou evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscou proteger o adotando em relação a eventual "confusão mental e patrimonial" decorrente da "transformação" dos avós em pais. 5. Realidade diversa do quadro dos autos, porque os avós sempre exerceram e ainda exercem a função de pais do menor, caracterizando típica filiação socioafetiva. 6. Observância do art.  do ECA: na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 7. Recurso especial não provido(...)”

(STJ, REsp 1448969/SC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 03/11/2014).

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05 - Avós que criaram neto têm direito a pensão por morte. Em 8/11/2016, ao julgar o Resp 1574859/ SP, a 2a Turma do STJ, reconheceu que os avós têm direito a pensão caso seu neto morra, desde que seja constatado que o criaram e que dependiam dele para sobreviver.

Apesar de não cuidar de adoção, trazemos esse julgado no qual o STJ analisou as relações familiares no âmbito de ação que discutia o direito de avós receberem pensão por morte, após o falecimento do neto que criaram, como se filho fosse, do qual dependiam financeiramente.

Em 2º grau, a pensão foi negada sob o argumento de que a lei que regula os benefícios do INSS não prevê pensionamento para os avós, mas apenas para o cônjuge/companheiro, pais e filhos menores ou com deficiência.

Segundo o ministro Mauro Campbell Marques, relator, tanto a Constituição quanto o Código Civil de 2002 transformaram o conceito de família e deram relevância ao princípio da afetividade, por meio do qual"o escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social para a realização das condições necessárias ao aperfeiçoamento e ao progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto".

Para o ministro, era incontroverso que os avós ocuparam papel semelhante ao dos genitores desde que o neto tinha dois anos de idade, em virtude da morte dos pais biológicos, além de ter ficado comprovada a dependência econômica dos avós em relação ao segurado falecido. Na visão do relator, não se tratava de uma hipótese de ampliação do rol legal de dependentes legitimados a receber o benefício do INSS, mas de reconhecimento de quem efetivamente ocupou a posição de pais na vida do segurado (STJ, REsp n. 1.574.859/ SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2a Turma, j. 8/11/2016, DJe de 14/11/2016).

Precedente sobre pensão por morte para avós, de neto criado como se filho fosse em decorrência da morte de seus pais (STJ, REsp 528.987/ SP).

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Portanto, demonstrado que, apesar da vedação expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Poder Judiciário, através do Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado essa regra, interpretando-a de modo histórico-evolutivo para que se adeque a atual realidade social, objetivando regularizar situações de fato consolidadas, privilegiando as relações socioafetivas, por razões humanitárias e sociais e para atender o princípio constitucional do melhor interesse do menor.

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