sábado, 30 de dezembro de 2023

Usucapião de imóvel urbano: definições, requisitos e limites, segundo o STJ

 

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Prevista no artigo 183 da Constituição Federal e no artigo 1.240 do Código Civil, a ação de usucapião especial de imóvel urbano possibilita o reconhecimento do direito ao domínio em favor da pessoa que, de forma pacífica e ininterrupta, tenha como sua área de até 250 metros quadrados, por cinco anos, sem oposição, utilizando-a para moradia própria ou de sua família, desde que não seja proprietária de outro imóvel urbano ou rural.

Trata-se de uma forma originária de aquisição de imóvel que tem como objetivo atingir a função social da propriedade. Nas áreas urbanas, ela também é possível na forma do artigo 1.238 do Código Civil, que disciplina a chamada usucapião extraordinária, com exigência de posse por 15 anos sem interrupção nem oposição.

No julgamento do REsp 1.818.564, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Moura Ribeiro explicou que "a usucapião está claramente vinculada à função social da propriedade, pois reconhece a prevalência da posse adequadamente exercida sobre a propriedade desprovida de utilidade social, permitindo, assim, a redistribuição de riquezas com base no interesse público".

Em relação a outros dispositivos legais que abordam a usucapião de imóvel urbano, a ministra Nancy Andrighi destacou, em seu voto no REsp 1.777.404, a importância da Lei 10.257/ 2001, ( Estatuto da Cidade), que trouxe esclarecimentos adicionais sobre quem pode se valer do instituto: "Veio regulamentar o texto constitucional e, nessa regulamentação, os legitimados a usucapir são o possuidor individualmente ou em litisconsórcio, os possuidores em composse e até a associação de moradores regularmente constituída, na qualidade de substituta processual".

Comum nas cidades brasileiras, o instituto é alvo frequente de discussões: a aquisição de metade do imóvel impede o reconhecimento da usucapião? Ela pode ser reconhecida se o prazo só for alcançado no curso do processo judicial? A ação judicial de usucapião depende do prévio pedido na via extrajudicial? O uso simultâneo do imóvel para moradia e comércio compromete a usucapião especial urbana?

Essas e outras questões encontram resposta na jurisprudência do STJ.

Prazo para a usucapião pode ser reconhecido no curso do processo judicial

Ao julgar o REsp 1.361.226, a Terceira Turma considerou ser possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel se o requisito do prazo for alcançado durante a tramitação do processo judicial.

No início do caso, os recorrentes buscavam o reconhecimento da usucapião extraordinária, alegando a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel por mais de 17 anos, mas a sentença e o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negaram o pedido, ao fundamento de que o requisito temporal não tinha sido atingido quando do ajuizamento da ação. Ambos avaliaram que a situação estava sujeita ao artigo 550 do Código Civil/ 1916, impondo-se o prazo de 20 anos para a usucapião extraordinária. Na data da sentença, entretanto, o juiz de primeiro grau destacou que a posse do imóvel já tinha mais de 20 anos.

De acordo com o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o magistrado deve considerar fato constitutivo ou extintivo de direito ocorrido após a propositura da ação, independentemente de provocação das partes. Nessa mesma linha, o ministro citou o Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil (STJ/CJF), segundo o qual "o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor".

Além disso – destacou o ministro –, a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do prazo. Para ele, a peça defensiva não é capaz de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. "Contestar, no caso, impõe mera oposição à usucapião postulada pelos autores, e não à posse", concluiu.

Aquisição de metade do imóvel não impede usucapião especial urbana

Em outubro de 2022, a Terceira Turma fixou que a aquisição de metade do imóvel não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana. Para o colegiado, o fato de os moradores, autores do pedido, já terem a metade da propriedade não atrai a vedação do artigo 1.240 do CC, que impõe como condição não possuir outro imóvel urbano ou rural.

Ao dar provimento ao REsp 1.909.276, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, observou que a jurisprudência do STJ admite a usucapião de bem em condomínio, desde que o condômino exerça a posse com exclusividade. Para ele, essa interpretação se aplicava ao caso em julgamento, pois os recorrentes agiram como donos exclusivos: adquiriram metade do imóvel e pagaram as taxas e os tributos incidentes sobre ele, além de realizarem benfeitorias.

"Sob essa perspectiva, o fato de os recorrentes serem proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não parece constituir o impedimento de que trata o artigo 1.240 do Código Civil, pois não possuem moradia própria, já que, eventualmente, teriam que remunerar o coproprietário para usufruir com exclusividade do bem", afirmou.

Ação de usucapião é viável se a enfiteuse não for registrada

A Quarta Turma, por maioria de votos, entendeu que é possível a ação de usucapião de imóvel urbano na hipótese em que, mesmo convencionada a constituição de enfiteuse entre o possuidor e o proprietário, o título respectivo não tenha sido levado ao registro imobiliário.

Para o colegiado, como o registro é um pressuposto de existência para a maioria dos direitos reais, a sua falta impede a configuração da enfiteuse, ainda que, durante anos, tenha havido o pagamento do foro e tenha sido exercido o direito de resgate. Inexistindo uma efetiva relação jurídica de direito real entre o senhorio direto e o foreiro – avaliou a turma –, não há impedimento à aquisição originária da propriedade pelo possuidor.

O caso teve origem em ação proposta por um casal que alegava ter a posse mansa e pacífica de terreno foreiro por 20 anos, tendo sido realizado o resgate da enfiteuse. A sentença considerou o pedido improcedente, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, sob o fundamento de que o prazo para a prescrição aquisitiva não flui enquanto perdura a enfiteuse, pois faltaria o chamado animus domini ao enfiteuta.

Ao analisar o REsp 1.228.615, o relator do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o artigo 1.227 do CC, combinado com o artigo 172 da Lei 6.015/ 1973, indica o efeito constitutivo do registro em relação a direitos reais sobre imóveis, estabelecendo o princípio da inscrição, segundo o qual a constituição, a transmissão e a extinção de direitos reais sobre imóveis só ocorrem por meio da inscrição no cartório de registro imobiliário.

"A mera convenção entre as partes não é condição suficiente a ensejar a constituição da enfiteuse, fazendo-se mister a efetivação de um ato formal de ingresso do título no registro imobiliário, o qual poderia ensejar o verdadeiro óbice à aquisição originária da propriedade pelo enfiteuta – o qual inexiste na situação vertente", concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso especial.

Cabe usucapião extraordinária em área inferior ao módulo urbano

Sob o rito dos recursos repetitivos ( Tema 985), a Segunda Seção estabeleceu que o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, não pode ser impedido em razão de a área discutida ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

Para o relator dos recursos especiais ( REsp 1.667.843 e REsp 1.667.842), ministro Luis Felipe Salomão, se o legislador quisesse definir parâmetros mínimos para a usucapião de área urbana, ele o teria feito de forma expressa, a exemplo da definição de limites territoriais máximos para a usucapião especial rural, prevista no artigo 1.239 do Código Civil.

O ministro citou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 422.349, que não verificou inconstitucionalidade na lei municipal que fixa o módulo urbano em área superior a 250 metros quadrados, desde que isso não impeça ao particular a aquisição do direito de propriedade de área menor, no caso de o órgão de controle não questionar a aquisição no prazo legal.

Além disso, Salomão salientou que o parcelamento do solo e as normas de edificação são providências relativas à função social da cidade. Por outro lado – explicou –, a usucapião tem por objetivo a regularização da posse e, uma vez reconhecida judicialmente, assegura o cumprimento da função social da propriedade.

Ação de usucapião independe de prévio pedido na via extrajudicial

Em fevereiro de 2020, a Terceira Turma definiu que o ajuizamento da ação de usucapião não está condicionado à negativa do pedido em cartório, mesmo após as alterações feitas na Lei 6.015/1973 ( Lei de Registros Publicos) pelo Código de Processo Civil de 2015.

Com esse entendimento, o colegiado determinou o retorno de um processo que discutia a usucapião de imóvel ao juízo de origem, para prosseguimento da ação.

A sentença, desfavorável à autora, citou o Enunciado 108 do Centro de Estudos e Debates (Cedes-RJ), segundo o qual a ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) manteve a decisão.

No REsp 1,824.133, a Defensoria Pública alegou que o CPC/2015 faculta ao interessado pedir a usucapião em cartório, porém sem prejuízo de optar pela via judicial.

O relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), deu razão à DP, destacando que o artigo 216-A da Lei de Registros Publicos é claro: "Como se verifica já na abertura do caput desse enunciado normativo, o procedimento extrajudicial de usucapião foi disciplinado 'sem prejuízo da via jurisdicional'".

Gratuidade em ação de usucapião especial urbana não tem natureza objetiva

Ao julgar o REsp 1.517.822, a Terceira Turma entendeu ser inadmissível conferir isenções pecuniárias àquele que tem condições de arcar com as despesas da ação de usucapião especial urbana, mesmo que o parágrafo 2º do artigo 12 da Lei 10.257/2001 o permita. Para o colegiado, tal dispositivo deve ser interpretado conciliando-se com a norma especial que regula a matéria, a Lei 1.060/1950, e, a partir de 18 de março de 2016, com o CPC vigente.

Esse posicionamento foi adotado pela turma ao julgar recurso de um médico que ingressou com ação de usucapião especial urbana buscando a gratuidade da assistência judiciária estabelecida em lei, mesmo reconhecendo, na petição inicial, que não era "juridicamente pobre" e que não apresentaria falsa declaração de pobreza.

De acordo com o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Lei 10.257/2001 concede ao autor da ação uma presunção relativa de hipossuficiência, ou seja, de que aquele que pleiteia seja uma pessoa de baixa renda. Em razão disso, o benefício somente não será concedido se houver prova de que ele não é necessitado. No caso em julgamento, conforme apontou o relator, o próprio autor reconheceu que não preenchia os requisitos da Lei 1.060/1950 para obtenção da gratuidade.

Imóvel abandonado do Sistema Financeiro de Habitação não admite usucapião

No julgamento do REsp 1.874.632, a Terceira Turma definiu que não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), ainda que em situação de abandono. O colegiado avaliou que esse tipo de habitação está vinculado à prestação de serviço público, devendo ser tratado como bem público insuscetível à aquisição do direito de propriedade.

Com esse entendimento, foi negado recurso especial a um grupo de pessoas que buscava seguir na posse de um imóvel localizado em um conjunto residencial de Maceió.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, "na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável", explicou.

A relatora lembrou que o imóvel foi adquirido integralmente com recursos públicos e destinado à resolução do problema habitacional no país, não sendo admitida, portanto, a prescrição aquisitiva. Para ela, a inércia dos gestores públicos não pode justificar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de serem chanceladas situações ilegais de invasão de terras.

Loteamento em Planaltina (DF) foi alvo de controvérsia envolvendo usucapião

Em julgamento de recurso repetitivo ( Tema 1.025), a Segunda Seção confirmou que é cabível, por usucapião, a aquisição de imóveis particulares desprovidos de registro no Setor Tradicional de Planaltina (DF).

Os imóveis em discussão eram situados em loteamento que, embora consolidado havia décadas, não foi autorizado nem regularizado pela administração do Distrito Federal.

Na fundamentação do REsp 1.818.564, o relator, ministro Moura Ribeiro, ressaltou que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é indispensável para o reconhecimento do direito material de propriedade, fundado na posse ad usucapionem e no decurso do tempo. Para ele, o registro seria um efeito da sentença declaratória de usucapião, e não uma condição para o reconhecimento do direito material de propriedade ou para o exercício do direito de ação.

"Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e a publicidade que emergem do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística)", declarou Moura Ribeiro.

Uso de imóvel para moradia e comércio não impede usucapião especial urbana

O exercício simultâneo de pequena atividade comercial em propriedade que também é utilizada como residência não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana. Com base nesse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial ( REsp 1.777.404) de dois irmãos e reconheceu a usucapião de um imóvel utilizado por eles de forma mista.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a exclusividade de uso residencial não é requisito expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que tratam da usucapião especial urbana. "O uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família", disse.

De acordo com a relatora, é necessário que o imóvel reivindicado sirva de moradia para o requerente ou sua família, mas não se exige que essa área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio requerente, como na hipótese em julgamento.

Não cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição em ação de usucapião

A Terceira Turma também definiu que não cabe intervenção de terceiros na modalidade de oposição em ações de usucapião. Com isso, foi confirmado acórdão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) que não permitiu a participação de um terceiro interessado em ação judicial.

No julgamento do REsp 1.726.292, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que a intervenção pretendida era desnecessária, pois a tutela buscada por meio da oposição poderia ser alcançada pela simples contestação à ação de usucapião.

"O opoente carece de interesse processual para o oferecimento de oposição na ação de usucapião porque, estando tal ação incluída nos chamados juízos universais (em que é convocada a integrar o polo passivo por meio de edital toda a universalidade de eventuais interessados), sua pretensão poderia ser deduzida por meio de contestação", afirmou.

Esta notícia refere-se ao (s) processo (s):

REsp 1818564; REsp 1777404; REsp 1909276; REsp 1361226; REsp 1228615; REsp 1824133; REsp 1517822; REsp 1726292; REsp 1874632; REsp 1667843; e REsp 1667842.

Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:

  • 1º termo - Usucapião: Também chamada de prescrição aquisitiva, a usucapião é a aquisição da propriedade de um bem móvel ou imóvel em razão do seu uso por determinado prazo, sem oposição do dono, e de outras condições legais.
  • 2º termo - Litisconsórcio: Litisconsórcio é a situação em que mais de uma pessoa (os litisconsortes) figuram no processo como autores (polo ativo) ou réus (polo passivo). O litisconsórcio pode ser necessário (presença obrigatória de todos) ou facultativo; unitário (sentença igual para todos) ou simples (pode haver uma decisão diferente para cada litisconsorte).
  • 3º termo - Sentença: Decisão do juízo de primeiro grau que encerra o processo nessa instância.
  • 4º termo - Acórdão: Acórdão é a decisão do órgão colegiado de um tribunal. No caso do STJ, pode ser das turmas, seções ou da Corte Especial.
  • 5º termo - Provimento: Ato de prover. Dar provimento a recurso significa acolher o pedido para reformar ou anular decisão judicial anterior. No direito administrativo, é o ato de preencher vaga no serviço público.
  • 6º termo - Enfiteuse: Enfiteuse, também chamada de aforamento, é um tipo de contrato pelo qual o proprietário (senhorio direto) transfere ao enfiteuta (foreiro) o domínio útil de um imóvel (direito de usar e explorar) – situação que ocorre frequentemente com os terrenos de marinha no Brasil, pertencentes à União. Essa relação envolve o pagamento de um valor anual (foro) e de uma taxa (laudêmio) toda vez que há uma transferência do imóvel.
  • 7º termo - Foro: Enfiteuse, também chamada de aforamento, é um tipo de contrato pelo qual o proprietário (senhorio direto) transfere ao enfiteuta (foreiro) o domínio útil de um imóvel (direito de usar e explorar) – situação que ocorre frequentemente com os terrenos de marinha no Brasil, pertencentes à União. Essa relação envolve o pagamento de um valor anual (foro) e de uma taxa (laudêmio) toda vez que há uma transferência do imóvel.
  • 8º termo - Foreiro: Enfiteuse, também chamada de aforamento, é um tipo de contrato pelo qual o proprietário (senhorio direto) transfere ao enfiteuta (foreiro) o domínio útil de um imóvel (direito de usar e explorar) – situação que ocorre frequentemente com os terrenos de marinha no Brasil, pertencentes à União. Essa relação envolve o pagamento de um valor anual (foro) e de uma taxa (laudêmio) toda vez que há uma transferência do imóvel.
  • 9º termo - Animus domini: Expressão em latim que significa intenção de dono. Usada para caracterizar a posse exercida por quem age como dono; por quem pretende vir a ser dono do imóvel ou de outro bem.
  • 10º termo - Recurso Especial: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
  • 11º termo - Repetitivos: Recurso repetitivo é um recurso escolhido para ser julgado como representativo de uma questão jurídica presente em muitos outros processos, para que a tese fixada pelo tribunal seja aplicada na solução dos casos semelhantes em todo o país.
  • 12º termo - Caput: Cabeça. Em textos legislativos, remete à parte principal de um artigo.
  • 13º termo - Petição inicial: Petição inicial (também chamada de inicial ou exordial) é o documento que dá início a um processo judicial, levando o caso ao conhecimento da Justiça e apresentando o pedido do autor. No processo penal, a petição inicial é a denúncia do Ministério Público.
  • 14º termo - Interesse processual: O interesse processual, também chamado interesse de agir, é um dos pressupostos para a Justiça aceitar o processamento da ação, e se verifica quando: 1) o processo é necessário para o autor buscar seu direito; 2) o processo é útil porque pode trazer algum benefício jurídico ao autor.

Fonte do texto e das imagens: STJ - Superior Tribunal de Justiça.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Novos entendimentos do STJ sobre registro de imóvel e ação reivindicatória


O Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição nº 227 de "Jurisprudência em Teses", datada de 07/12/2023, com entendimentos extraídos de julgados publicados até 10/11/2023.

O assunto abordado é "Registros Públicos, Cartorários e Notariais IV".

Transcrevemos a seguir as teses e seus respectivos julgados:

1) A mera existência de ação tendo por objeto a declaração de nulidade de registro imobiliário não é suficiente para se concluir pela ilegitimidade ativa daquele que, com base nesse mesmo registro, ajuíza ação reivindicatória (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 - TEMA 39).

Julgados: AgInt no REsp 1534937/DF, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 20/11/2020; REsp 1485014/MA, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 15/05/2017; REsp 990507/DF (recurso repetitivo), Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/11/2010, DJe 01/02/2011 REsp 1538349/DF (decisão monocrática), Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2022, publicado em 04/11/2022; REsp 1291084/DF (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 25/03/2020, publicado em 02/04/2020; REsp 1536532/DF (decisão monocrática), Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/09/2019, publicado em 17/09/2019. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 455) (Vide Repetitivos Organizados por Assunto)(Vide Repetitivos Organizados por Assunto) (Vide Repetitivos - Tema 039).

2) O regime registral brasileiro admite a averbação de informações facultativas de interesse público sobre o imóvel, inclusive as ambientais, e o Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, pode requerer, diretamente ao oficial de registro, o assentamento de informações alusivas a essas funções.

Julgados: REsp 1857098/MS, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2022, DJe 24/05/2022. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 737) (Vide Jurisprudência em Teses N. 214 - TEMA 6) (Vide Repetitivos Organizados por Assunto)

3) Compete ao Juízo federal apreciar os incidentes de suscitação de dúvida apresentados pelo oficial de registro imobiliário em relação a imóveis de autarquia pública federal (Arts.  da Lei n. 5.972/1973 e 198 da Lei n. 6.015/1973).

Julgados: CC 180351/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/09/2022, DJe 03/10/2022; CC 41713/PE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2004, DJ 13/09/2004; CC 32584/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2002, DJ 26/04/2004 CC 154841/RR (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, publicado em 27/06/2019; CC 142648/TO (decisão monocrática), Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/05/2016, publicado em 06/06/2016. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 751) (Vide Súmula Anotada N. 150/STJ)

4) A inexistência de registro de imóvel objeto de ação de usucapião não induz a presunção de que o bem seja público (terras devolutas) e, por isso, cabe ao Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Julgados: AgInt no REsp 1869760/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020; AgInt no AREsp 936508/PI, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 20/03/2018; AgRg no REsp 611577/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012 REsp 2083871/MG (decisão monocrática), Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2023, publicado em 21/08/2023; REsp 1661019/RS (decisão monocrática), Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/04/2022, publicado em 03/05/2022; AREsp 1350057/SC (decisão monocrática), Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 30/09/2019, publicado em 02/10/2019. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 485) (Vide Jurisprudência em Teses N. 133 - TEMA 7).

5) Na ação de retificação de registro público imobiliário, a apresentação de impugnação por interessado legítimo resulta em pretensão resistida, com a necessidade de remessa das partes à jurisdição contenciosa (Art. 213§ 6º, da Lei n. 6.015/1973).

Julgados: AgInt no AREsp 1698166/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/06/2021, DJe 29/06/2021 REsp 2010435/PR (decisão monocrática), Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2023, publicado em 07/06/2023; CC 154841/RR (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, publicado em 27/06/2019; REsp 1315823/MS (decisão monocrática), Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 12/12/2016, publicado em 01/02/2017; REsp 1334886/SP (decisão monocrática), Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/11/2014, publicado em 02/12/2014; AREsp 075303/GO (decisão monocrática), Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, publicado em 26/03/2013. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 372)

6) Em ação reivindicatória, deve prevalecer o primeiro título registrado em cartório, quando houver mais de um registro hígido para o mesmo bem imóvel.

Julgados: REsp 1657424/AM, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2023, DJe 23/05/2023 REsp 1666728/MT (decisão monocrática), Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2021, publicado em 01/02/2022; AREsp 1720607/RN (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2020, publicado em 28/09/2020; AREsp 552345/CE (decisão monocrática), Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2017, publicado em 08/02/2017. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 777)

7) A constituição do usufruto sobre imóvel depende de registro em cartório para dar publicidade e torná-lo oponível a terceiros, pois se trata de requisito para eficácia erga omnes do direito real. Art. 1.391 do Código Civil.

Julgados: REsp 1860313/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2023, DJe 29/08/2023.

8) A inexistência de registro imobiliário da transação (contratos de gaveta) não impede a caracterização do fato gerador do laudêmio, sob pena de incentivar a realização de negócios jurídicos à margem da lei somente para evitar o pagamento dessa obrigação pecuniária (Tese julgada sob o rito do art. 1.036 do CPC/2015 - TEMA 1.142). Item a do Tema n. 1.142/STJ.

Julgados: REsp 1951346/SP (recurso repetitivo), Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/05/2023, DJe 19/05/2023 AgInt no REsp 2035601/SP (decisão monocrática), Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2023, publicado em 26/06/2023. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 11 - Edição Especial) (Vide Repetitivos Organizados por Assunto)(Vide Repetitivos Organizados por Assunto) (Vide Repetitivos - Tema 1142).

9) Ao devedor que possui vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor, caso tenha sido instituído formalmente como bem de família no Registro de Imóveis, ou, se ausente instituição voluntária, a impenhorabilidade automaticamente atingirá o imóvel de menor valor. Art. 1.711 do CC/2002 e art. parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990.

Julgados: AgInt no AREsp 2010681/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/04/2022, DJe 27/04/2022. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 723) (Vide Jurisprudência em Teses N. 200 e N. 200 - TEMA 4) (Vide Legislação Aplicada Lei 8.009/1990 - Impenhorabilidade do bem de família - Art.  e Lei 8.009/1990 - Impenhorabilidade do bem de família - Art. 5º).

10) É possível a penhora de imóvel contíguo ao bem de família que possua matrícula própria no Registro de Imóveis.

Julgados: AgInt no AREsp 1759520/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe 07/04/2021; AgInt no AREsp 1223067/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 16/04/2019; AgRg no REsp 1084683/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 11/02/2009; AgRg no Ag 679395/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2007, DJ 23/04/2007 AREsp 1354498/SP (decisão monocrática), Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2018, publicado em 19/09/2018. (Vide Legislação Aplicada LEI 8.009/1990 - IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA - Art. ).

Fonte: Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Tribunal do Paraná valorou o trabalho invisível da mulher na fixação da pensão alimentícia para os filhos.

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Alimentos para os filhos fixados com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ.

No ano de 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou o "O Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero" ( leia aqui), que tem como escopo ser um instrumento de transformação à disposição da magistratura brasileira, para que o Poder Judiciário busque eliminar julgamentos carregados de preconceitos, de estereótipos e de repetição de desigualdade.

Dada a sua importância, o tema da redação do Enem 2023 foi exatamente a "invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher".

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022, as mulheres destinaram 9,6 horas a mais por semana do que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. A divisão de tarefas é desigual mesmo quando os dois têm uma ocupação ( mais detalhes aqui).

Caso concreto: A 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJPR), ao dar provimento ao recurso de Agravo de Instrumento nº 0013506-22.2023.8.16.0000, em 29/09/2023, readequou valor de alimentos provisórios com fundamento no "Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero" do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), majorando a quantia, considerando no cálculo da proporcionalidade dos alimentos o trabalho doméstico de cuidado diário e não remunerado da mulher.

O juízo de 1º grau havia fixado os alimentos provisórios, destinados aos três filhos em idade escolar do casal, em 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-mínimo. Em sede de agravo de instrumento, a verba foi reajustada para 33% (trinta e três por cento) dos rendimentos mensais líquidos do alimentante.

O Desembargador Relator, Eduardo Augusto Salomão Cambi, aplicou ao caso o princípio constitucional da parentalidade responsável (art. 226, § 7º, Constituição Federal), que busca reduzir a desigualdade de gênero no desempenho da função de cuidado com a prole, tal como preparo de alimentos, correção de tarefas escolares e limpeza da casa.

Para a fixação dos alimentos, “há de ser considerado o trabalho doméstico de cuidado - não pago - desempenhado pela genitora na criação dos filhos, tendo em vista o fato de os alimentados residirem com sua mãe”, destacou o Desembargador.

A decisão do TJPR frisou que “quando os filhos em idade infantil residem com a mãe, as atividades domésticas, inerentes ao dever diário de cuidado (como o preparo do alimento, a correção das tarefas escolares, a limpeza da casa para propiciar um ambiente limpo e saudável) — por exigirem uma disponibilidade de tempo maior da mulher, cria sobrecarga que lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural e na vida pública”.

A majoração da verba também considerou a hipossuficiência financeira em que se encontra a genitora, as necessidades dos alimentados e a capacidade financeira do alimentante (observando o trinômio: necessidade - possibilidade -proporcionalidade).

O julgado é extenso, muito didático e restou assim ementado:

DIREITO DAS FAMÍLIAS. direitos humanos. AÇÃO DE ALIMENTOS C/C REGULAMENTAÇÃO DE CONVIVÊNCIA. Tutela provisória de urgência. DECISÃO recorrida. Fixação dos ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM 50% DO SALÁRIO MÍNIMO AOS TRÊS FILHOS MENORES DE IDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO INTERPOSTO PELA MÃE. PLEITO DE fixação de ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM 33% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO AGRAVADO. OBSERVÂNCIA DO TRINÔMIO ALIMENTAR (POSSIBILIDADE-NECESSIDADE-PROPORCIONALIDADE). FILHOS EM IDADE INFANTIL. NECESSIDADE PRESUMIDA. TRABALHO doméstico DE CUIDADO diário e NÃO REMUNERADO da mulher. CONSIDERAÇÃO NO CÁLCULO DA proporcionalidade dos alimentos. Adoção do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça. aplicação do PRINCÍPIO DA parentalidade responsável. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. A fixação dos alimentos deve obedecer a uma perspectiva solidária entre pais e filhos, pautada na ética do cuidado e nas noções constitucionais de cooperação, isonomia e justiça social, uma vez que se trata de direito fundamental inerente à satisfação das condições mínimas de vida digna, especialmente para crianças e adolescentes que, em virtude da falta de maturidade física e mental, são seres humanos vulneráveis, que necessitam de especial proteção jurídica. Exegese dos artigos 3º, inc. I, 6º e 229 da Constituição Federal, conjugado com os artigos 1.566, inc. IV1.694 e 1.696 do Código Civil, e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, Recomendação nº 123/2022 do Conselho Nacional de Justiça e Precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala (1999).
2. O arbitramento judicial dos alimentos, devidos pelos pais para a manutenção dos filhos, deve observar a equação necessidades do alimentado, capacidade financeira ou possibilidade econômica dos alimentantes e a proporcionalidade dos recursos de cada genitor. Exegese dos artigos 1.566, inc. IV1.694§ 1º, e 1.703 do Código Civil.
3. Pela concepção finalística (e não institucional) e eudemonista, adotada na Constituição Federal de 1988, a família, como refúgio afetivo, é um meio de proteção dos direitos humanos-fundamentais, um instrumento à serviço da promoção da dignidade e do desenvolvimento humano, baseado no respeito mútuo, na igualdade e na autodeterminação individual, devendo assegurar a realização pessoal e a busca da felicidade possível aos seus integrantes. Interpretação do artigo 226, § 8º, 1ª parte, da Constituição Federal.
4. As relações familiares, porque marcadas pelo princípio da afetividade e sua manifestação pública (socioafetividade), devem estar estruturadas no dever jurídico do cuidado (que decorre, por exemplo, da liberalidade de gerar ou de adotar filhos) e na ética da responsabilidade (que, diferentemente da ética da convicção, valida comportamentos pelos resultados, não pela mera intenção) e da alteridade (que se estabelece no vínculo entre o “eu” e o “outro”, em que aquele é responsável pelo cuidado deste, enquanto forma de superação de egoísmos e narcisismos, causadores de todas as formas de situações de desentendimentos, intolerância, discriminações, riscos e violências, que trazem consequências nocivas principalmente para os seres humanos mais vulneráveis, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, meninas/mulheres e idosos). Incidência dos artigos 229 da Constituição Federal e 1634, inc. I, e 1.694 do Código Civil. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Literatura jurídica.
5. Quando os filhos em idade infantil residem com a mãe, as atividades domésticas, inerentes ao dever diário de cuidado (como o preparo do alimento, a correção das tarefas escolares, a limpeza da casa para propiciar um ambiente limpo e saudável) - por exigirem uma disponibilidade de tempo maior da mulher, sobrecarga que lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural e na vida pública - devem ser consideradas, contabilizadas e valoradas, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade, no cálculo dos alimentos, uma vez que são indispensáveis à satisfação das necessidades, bem-estar e desenvolvimento integral (físico, mental, moral, espiritual e social) da criança. Inteligência dos artigos  e , caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) c/c artigo 3.2 da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas.
6. O princípio da parentalidade responsável (artigo 226, § 7º, da Constituição Federal)- concretizado por meio do pagamento de alimentos fixados em montante proporcional aos esforços da mulher, com a realização de trabalhos domésticos e diários na educação da criança - é um instrumento de desconstrução da neutralidade epistêmica e superação histórica de diferenças de gêneros, de identificação de estereótipos presentes na cultura que comprometem a imparcialidade jurídica, de promoção da equidade do dever de cuidado de pai e mãe no âmbito familiar, além de ser um meio de promoção de direitos humanos e de justiça social (artigos 4º, inc. II, e 170, caput, da Constituição Federal).
7. A presunção das necessidades de crianças e adolescentes à percepção de alimentos é uma técnica processual de facilitação da prova e de persuasão racional do juiz na promoção dos direitos fundamentais, para o desenvolvimento humano integral. Interpretação do artigo 373, inc. I, do Código de Processo Civil em conformidade com os artigos 5º, inc. XXXV e § 2º, da Constituição Federal, 4º da Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) e 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
8. A análise do montante ideal da pensão alimentícia, em relação às reais necessidades dos alimentandos, as condições econômicas do alimentante e a distribuição proporcional dos ônus financeiros decorrentes da paternidade/maternidade responsável, pode ser examinada em um momento processual futuro, diante do aprofundamento da discussão pelo exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa, quando da confrontação pelo juiz, em decisão interlocutória posterior ou na sentença, da suficiência de argumentos e provas. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.
9. Recurso conhecido e provido, para readequar o valor da prestação alimentícia para o correspondente a 33% dos rendimentos líquidos do alimentante (salário bruto, excluídos apenas os descontos obrigatórios), aí incluídos valores referentes a férias, 13º salário e adicionais permanentes.
(TJPR - 12ª Câmara Cível - 0013506-22.2023.8.16.0000 - Comarca de Rio Branco do Sul - Rel.: Des. Eduardo Augusto Salomão Cambi - J. 02.10.2023).

Fontes: CNJTJPRMPPRIBGEUOL,

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