terça-feira, 22 de março de 2022

Adoção Póstuma e o Reconhecimento da Paternidade e Irmandade/ Fraternidade Socioafetiva "Post Mortem".

 

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Adoção Póstuma e o Reconhecimento da Paternidade e Irmandade/ Fraternidade Socioafetiva "Post Mortem".

É  possível a adoção e o reconhecimento da paternidade e da fraternidade/ irmandade socioafetiva após a morte do adotante e de quem se pretende reconhecer como pai ou irmão.

Há expressa previsão legal acerca da adoção póstuma no artigo. 42, § 6º, do ECA, nos seguintes termos: "A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença."

No que pese o artigo supra, a jurisprudência do STJ evoluiu progressivamente para, em situações excepcionais, reconhecer a possibilidade jurídica do pedido da adoção póstuma, quando, embora não tenha ajuizado a ação em vida, ficar demonstrado, de forma inequívoca, que, diante de longa relação de afetividade, o falecido pretendia realizar o procedimento, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição (2018, AgInt no REsp 1520454/ RS – STJ).

Portanto, o entendimento pacificado é no sentido de que, em situações excepcionais, em que fica amplamente demonstrada a inequívoca vontade de adotar, diante da sólida relação de afetividade, é possível o deferimento da adoção póstuma, mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal de adoção em vida (2014, REsp 1326728/ RS – STJ).

Tal entendimento consagra a ideia de que o parentesco civil não advém exclusivamente da origem consanguínea, podendo florescer da socioafetividade, o que não é vedado pela legislação pátria, e, portanto, plenamente possível no ordenamento (2012, REsp 1217415/ RS e 2003, REsp 457635/ PB – STJ).

Ademais, a socioafetividade é contemplada pelo artigo 1.593 do Código Civil, no sentido de que "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem". Válido mencionar ainda o teor do Enunciado n. 256 da III Jornada de Direito Civil do CJF (Conselho da Justiça Federal), que prevê: "A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil." Ademais, a posse de estado de filho, segundo doutrina especializada (Fachin): "liga-se à finalidade de trazer para o mundo jurídico uma verdade social. Aproxima-se, assim, a regra jurídica da realidade.

Em regra, os requisitos que se exigem estejam presentes na posse de estado são: publicidade, continuidade e ausência de equívoco". E salienta que "a notoriedade se mostra na objetiva visibilidade da posse de estado no ambiente social; esse fato deve ser contínuo, e essa continuidade, que nem sempre exige atualidade, [...] deve apresentar uma certa duração que revele estabilidade".

E ainda: "[...] este STJ, para o reconhecimento da filiação socioafetiva, considera como comprovação da inequívoca vontade do 'de cujus' em ser reconhecido como pai/ mãe as mesmas regras que vigem para as adoções post mortem: o tratamento como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição." (2020, AgInt no AREsp 1381396 / GO – STJ).

Quanto ao polo passivo: "a ação de reconhecimento de paternidade post mortem deve ser proposta contra todos os herdeiros do falecido" (litisconsórcio necessário), não contra o espólio, sob pena de nulidade (STJ, REsp 1028503/ MG).

Por fim, de se frisar que “a paternidade socioafetiva realiza a própria dignidade da pessoa humana, por permitir que um indivíduo tenha reconhecido seu histórico de vida e a condição social ostentada, valorizando, além dos aspectos formais, como a regular adoção, a verdade real dos fatos” (2016, REsp 1500999/ RJ – STJ).

E na hipótese de o falecido ser o filho que se pretende adotar? A Justiça já julgou, em abril de 2020, procedente a ação de adoção póstuma, inclusive para que os pais adotivos tenham direito aos bens a serem inventariados, tendo em vista que o juiz de Direito Alcides Lourenço Cabral Filho, da 2ª vara de Família e Sucessões de Araçatuba/SP, entendeu que os documentos e as testemunhas ouvidas comprovaram o vínculo afetivo entre o jovem e os autores. O casal cuidou do jovem desde bebê e quando ele tinha oito anos de idade, os pais biológicos o entregaram definitivamente e passaram a conviver como pais e filho. Segundo os autos, a mãe biológica manifestou-se favorável ao pedido dos autores, confirmando que esses "deram muito amor" ao jovem e que era desejo dele ser adotado pelos requerentes. Ao analisar a ação, o magistrado explicou que o caso em tela é peculiar "pelo fato do adotando estar morto, sendo caso de atual construção jurisprudencial" (processo em segredo de Justiça - fonte da notícia aqui).

Antes dessa evolução jurisprudencial entendeu o STJ que o filho, em nome próprio, não tem legitimidade para deduzir em juízo pretensão declaratória de filiação socioafetiva entre sua mãe - que era maior, capaz e, ao tempo do ajuizamento da ação, pré-morta - e os supostos pais socioafetivos dela. Afirmou-se que o reconhecimento judicial de vínculo paternal, seja ele genético ou socioafetivo, é pessoal, podendo ser transferido entre filhos e netos apenas de forma sucessiva, na hipótese em que a ação tiver sido iniciada pelo próprio filho e não houver sido extinto o processo. Interpretação do art. 1.606 e parágrafo único, do Código Civil. A ação foi proposta pelos netos objetivando o reconhecimento de vínculo socioafetivo entre a mãe, pré-morta, e os avós, um deles também já falecido, que a teriam criado como filha desde os 3 (três) anos de idade, carecendo os autores, portanto, de legitimidade ativa ad causam, sendo-lhes resguardado, porém, o direito de demandar em nome próprio (2016, REsp 1492861/RS - STJ).

É possível o reconhecimento de parentesco socioafetivo entre irmãos ("irmãos de criação")? De acordo com a jurisprudência recentíssima do STJ, julgado de 04/10/2022, a resposta é sim. O julgado restou assim ementado: "Inexiste qualquer vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem, pois a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico pátrio, merecendo a apreciação do Poder Judiciário"(2022, Resp 1.674.372-SP, STJ). 

Importante frisar que o juiz de piso e o TJSP indeferiram o pedido sob o argumento de falta de amparo no ordenamento jurídico (impossibilidade jurídica do pedido), bem como que a falecida não buscou ser reconhecida como filha dos pais dos autores da ação, o que impossibilitaria o reconhecimento de parentesco colateral socioafetivo unicamente para atribuir direitos sucessórios aos irmãos. O STJ, acolheu o recurso, entendendo que a afetividade pode gerar o parentesco não apenas em linha reta, mas também na linha colateral. Assim, configurada a afetividade, é possível não apenas o reconhecimento de paternidade/maternidade socioafetiva, mas também a fraternidade/irmandade socioafetiva. Podendo ser buscada a segunda (fraternal), independentemente do reconhecimento da primeira.

Conclui-se, portanto, que nunca é demais alertar para, havendo vínculo não regularizado entre filhos e pais e irmãos socioafetivos, importante que se regularize oficialmente tal relação, evitando discussões e litígios futuros, especialmente por envolver direitos patrimoniais. Os institutos da adoção e do reconhecimento voluntário da paternidade/ maternidade sociafetivas têm esse escopo ( leia aqui nosso artigo sobre o tema).

- Fonte de pesquisa: STJ (Superior Tribunal de Justiça); FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996; 

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