quinta-feira, 31 de março de 2022

Amante não pode ser beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado, segundo STJ

 

Ao julgar o REsp 1391954/ RJ, de 31/3/2022, a 4a Turma do STJ, definiu que o seguro de vida não pode ser instituído por pessoa casada – que não é separada judicialmente, nem de fato – em benefício de parceiro em relação concubinária, por força de expressa vedação legal presente nos artigos 550 e 793 do Código Civil.

Com esse entendimento, por maioria, o colegiado deu parcial provimento para reformar decisão do TJRJ que determinou o pagamento do valor do seguro de vida à beneficiária indicada pelo segurado falecido.

Segundo o processo, o segurado, sem ter dissolvido seu matrimônio, convivia com a concubina desde os anos 1970, de forma pública e contínua, ao mesmo tempo em que mantinha o relacionamento com a esposa. Ciente de que a companheira ficaria fora de sua herança, ele instituiu seguro de vida em que a apontou como beneficiária (75%), ao lado do filho que teve com ela (25%) – o qual foi indicado como segundo beneficiário, para receber o total da indenização caso a mãe não pudesse receber sua parte.

No recurso especial apresentado ao STJ, a viúva alegou que seria ilegal a designação da concubina como beneficiária do seguro, razão pela qual pediu a reforma do acórdão do TJRJ, para que o saldo de 75% dos valores depositados pelo falecido fosse destinado a ela, e não à outra.

Ordenamento jurídico consagra monogamia e fidelidade - A relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, explicou que a jurisprudência fixada pelo STJ com base no Código Civil de 1916, e depois positivada no artigo 793 do CC/ 2002, veda que a concubina seja beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado e não separado de fato.

A magistrada destacou ainda o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 1045273/ SE sobre a impossibilidade de reconhecimento de novo vínculo conjugal quando preexistente casamento ou união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723§ 1º, do Código Civil, inclusive para fins previdenciários.

De acordo com Gallotti, a orientação do STF considera que os ideais monogâmicos subsistem na ordem constitucional para o reconhecimento do casamento e da união estável, o que inclui a previsão da fidelidade recíproca como dever dos cônjuges (artigo 1.566I, do Código Civil).

Pagamento do capital segurado ao segundo beneficiário - De acordo com a ministra, como a designação da concubina na apólice foi inválida, a indenização deve ser paga respeitando a indicação alternativa feita pelo falecido para a hipótese de a primeira beneficiária não poder recebê-la – ou seja, ao filho que ambos tiveram.

"Somente na falta também do segundo beneficiário incidiria a regra do artigo 792 do Código Civil, segundo o qual, 'na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que foi feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem de vocação hereditária'", completou a relatora.

Com o parcial provimento do recurso, o colegiado afastou o direito da primeira beneficiária (a concubina) e determinou o pagamento do capital segurado ao segundo beneficiário (o filho), conforme a indicação.

Oportuno indicar nosso artigo sobre União Estável ( clique aqui para ler) onde citamos que o Judiciário traz a distinção entre companheiro e concubino, afirmando que o primeiro conta com a proteção do Estado, posto que legítima a união estável, e o segundo não. Cumpre trazer à colação, relevante voto proferido, no âmbito da 1ª Turma do STF, pelo Ministro Marco Aurélio, no RE 397.762/ BA, cuja ementa segue reproduzida, na parte que interessa:

- “COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel.
- UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato.” (STF, Ministro Marco Aurélio, no RE n. 397.762/ BA - transcrito, na íntegra, logo abaixo).

Naquele julgado, o Ministro Marco Aurélio assinalou que o concubinato não merece proteção do Estado por conflitar com o direito posto. A relação, para o Ministro, não se iguala à união estável que é reconhecida constitucionalmente e apenas gera, quando muito, a denominada sociedade de fato, no que foi acompanhado pelos Ministros Carlos Alberto Menezes Direito (in memorian), Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, este último que assinalou significar a palavra concubinato, do latim concubere, “compartilhar o leito”, enquanto que a união estável significa “compartilhar a vida”.

O STF, em 14.12.2020, concluiu o julgamento do RE 1.045.273/ SE, e estabeleceu a seguinte repercussão geral (Tema 529):

"A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional”.

Em 27/4/2021, o STJ ao afastar pretensão de divisão de pensão por morte de funcionário público entre a viúva e a concubina ( REsp 1894963/ AL, 03/05/2021), frisou-se:

"[...] na forma da jurisprudência de há muito firmada pelo STJ, 'há distinção doutrinária entre 'companheira' e 'concubina'. [...] Companheira é a mulher que vive, em união estável, com homem desimpedido para o casamento ou, pelo menos, separado judicialmente, ou de fato, há mais de dois anos, apresentando-se à sociedade como se com ele casada fosse. Concubina é a mulher que se une, clandestinamente ou não, a homem comprometido, legalmente impedido de se casar. Na condição de concubina, não pode a mulher ser designada como segurada pelo cônjuge adúltero, na inteligência dos artigos 1.177 e 1.474 do Cód. Civil de 1916' [...]"."[...] 'não demonstrada a boa-fé da concubina de forma irrefutável, não se revela cabida (nem oportuna) a discussão sobre a aplicação analógica da norma do casamento putativo à espécie' [...]".

- Fonte: Consulta no site oficial do STF e do STJ.




 

quarta-feira, 30 de março de 2022

Corpo estranho em alimento gera dano moral mesmo sem ingestão, define STJ

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A 2a Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento de 25/8/2021 (no REsp 1899304/ SP, DJe 4/10/2021), firmou a seguinte Tese: “É irrelevante a efetiva ingestão do alimento contaminado por corpo estranho – ou do próprio corpo estranho – para a caracterização do dano moral, pois a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva à saúde do consumidor.”

Portanto, o colegiado de direito privado dirimiu a divergência existente entre as duas turmas que o compõem – Terceira e Quarta Turmas – quanto à necessidade de deglutição do alimento contaminado ou do corpo estranho para a caracterização do dano moral indenizável, bastando a mera exposição do consumidor a risco concreto de lesão à saúde e a sua incolumidade física e psíquica.

Clique aqui para ler a íntegra da Ementa.

Antes disso, embora minoritários, alguns jugados do STJ consideravam necessária a ingestão do alimento com o corpo estranho para que se configurasse o dano moral indenizável, não bastando sua aquisição. São exemplos desse entendimento: 2017, AgInt no AREsp 1018168 (4a Turma), 2014, REsp 1395647 (3a Turma), e 2016, AgRg no REsp 1537730 (3a Turma).

No entanto, mesmo antes da edição da Tese que dirimiu a divergência entre as duas turmas que compõem a 2ª Seção, a maioria dos julgados do STJ já era no sentido da desnecessidade de deglutição do alimento contaminado ou do corpo estranho para a caracterização do dano moral indenizável.

Já frisavam que o simples fato de adquirir ou levar à boca o alimento industrializado com corpo estranho, independentemente de sua ingestão, é suficiente para caracterizar o dano moral. Isso porque o alimento em tais situações expõe o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, mesmo não ocorrendo a ingestão do corpo estranho, o que gera direito à compensação por dano moral, “dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”, conforme afirmou Nancy Andrighi no REsp 1424304 / SP, 3a Turma, julgado em 2014. No mesmo sentido foi julgado o AgRg no REsp 1354077/ SP, da relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3a Turma, também de 2014 e no REsp 1899304/ SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 2a Seção, julgado em 25/8/2021, DJe 4/10/2021).

No julgamento do REsp 1899304/ SP, foram citados julgados da 3ª Turma, cujo posicionamento fora, então, pacificado: AgInt no REsp 1558010/ MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 06/03/2018, DJe 12/03/2018; REsp 1644405/ RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j.em 09/11/2017, DJe 17/11/2017.

Julgados recentíssimos frisaram: "A 3a Turma do STJ, à unanimidade, tem firmado seu entendimento no sentido de que a aquisição de produto alimentício que contenha corpo estranho em seu interior dá direito à indenização por danos morais, independentemente da ingestão de seu conteúdo." (2022, AgInt no REsp 1949473/ SP, AgInt nos EREsp 1876046/ PR, AgInt no REsp 1927719/ DF e REsp 1968143/ RJ, 3a T - STJ).

Inserimos, também, julgados que tratam de quantidade a menor, prazo de validade vencido, bem como ônus da prova.

Causa espanto a grande quantidade de recursos julgados pelo STJ, envolvendo fabricantes famosos e seus produtos contaminados com a presença dos mais diversos elementos indesejados em suas embalagens de produtos alimentícios, como preservativo, fungos, insetos e ácaros, barata, larvas, fio, mosca, aliança, pelos, carteira de cigarros, lâmina e fragmento de metal e pedaços de plástico, pano ou papel-celofane.

- Vejamos alguns casos concretos que passaram pelo crivo do STJ:

Preservativo masculino encontrado em lata de extrato de tomate

de marca conhecida, após usar parte do produto em macarronada servida aos filhos, em 2013. Após comer o alimento, um dos filhos passou mal sendo atendido e medicado em hospital. Após Boletim de Ocorrência e Laudo que constatou a presença do preservativo e considerou o produto impróprio para o consumo. A situação aconteceu de fato, e o caso foi julgado pela 3ª Turma no REsp 1558010, sob a relatoria do ministro Moura Ribeiro. Na sentença, mantida pelo TJ-MG, a fabricante foi condenada a pagar indenização de R$ 6.780 à autora, porém, o pedido de reparação em relação ao filho foi considerado improcedente. No recurso especial, a fabricante alegou que, ao conferir reparação por dano moral, mesmo não tendo ocorrido a comprovação da ingestão do produto, o TJ-MG divergiu da jurisprudência já pacificada no STJ. O ministro Moura Ribeiro, mesmo sem poder rever a conclusão do tribunal mineiro quanto aos fatos, em razão da Súmula 7, citou posicionamento da ministra Nancy Andrighi segundo o qual “a aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Aliança no biscoito

Uma criança de oito anos encontrou uma aliança ao mastigar um biscoito, mas a cuspiu antes de engolir. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença que condenava o fabricante a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais, pois considerou que, como a criança não ingeriu o corpo estranho e não houve consequência significativa da situação, apenas risco potencial à saúde, não ficou demonstrado dano concreto. Ministra Nancy Andrighi no REsp 1644405, julgado em novembro de 2017: 'a jurisprudência da corte está consolidada no sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto alimentício em condições impróprias é consumido, ainda que parcialmente". Porém, para ela, o entendimento mais justo e adequado ao CDC é aquele que “dispensa a ingestão, mesmo que parcial, do corpo estranho indevidamente presente nos alimentos”.
“É indubitável que o corpo estranho contido no recheio de um biscoito expôs o consumidor a risco, na medida em que, levando-o à boca por estar encoberto pelo produto adquirido, sujeitou-se à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso factodefeituoso o produto”, explicou. Para a ministra, “o simples ‘levar à boca’ o corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física e psíquica do consumidor que sua deglutição propriamente dita, pois desde este momento poderá haver contaminações e lesões de diversos tipos”. Portanto, conclui a relatora que o" simples "levar à boca" do alimento industrializado com corpo estranho gera dano moral in re ipsa, independentemente de sua ingestão ".

Inseto no suco

Já no caso do REsp 1597890, julgado em maio de 2016, o consumidor comprou uma garrafa lacrada de suco, e quando foi consumir a bebida, viu um inseto e uma substância esbranquiçada no fundo da embalagem. Alegou que teria sentido grande repulsa e indignação, então pediu a devolução da quantia paga e indenização por danos morais. O relator do caso, ministro Moura Ribeiro, considerou que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que “inexiste dano moral quando não ocorre ingestão do produto considerado impróprio para consumo em razão da presença de objeto estranho no seu interior, pois tal circunstância não implica desrespeito à dignidade da pessoa humana”. Entendimento atual em sentido contrário.

Larvas no chocolate

No AREsp 1095795, da relatoria da ministra Isabel Gallotti, julgado em março de 2018, a autora da ação foi à uma loja de departamentos e comprou dois tabletes de chocolate. Ela comeu um e deu o outro para o namorado, que mordeu um pedaço, mas notou sabor estranho e achou que o produto estava velho. Foi quando identificou a existência de larvas e de teia de aranha no chocolate, bem como a presença de furos possivelmente causados por algum inseto. Os dois ajuizaram ação de reparação contra a loja e a fabricante. O TJ-MG manteve a sentença que condenou as empresas solidariamente à devolução do valor dos produtos e à indenização por dano moral no valor de R$ 8 mil, sendo R$ 4 mil para cada autor: mulher e namorado. No STJ, a fábrica alegou que seria caso de culpa exclusiva da revendedora, pelo mau armazenamento do produto. Mesmo sem rever a posição do tribunal mineiro, em razão da Súmula 7, a ministra concluiu que, em se tratando de relação de consumo, “são solidariamente responsáveis todos da cadeia produtiva, nada impedindo que a parte que comprovar não ter a culpa possa exercer ação de regresso para ser reembolsada do valor da indenização”, como estabelece o artigo 18 do CDC.

Sardinha de menos

Além de produtos alimentícios em condições impróprias, que vão muito além dessas situações de presença de corpos estranhos, a 3ª Turma julgou um caso envolvendo produto com alteração de peso ( REsp 1586515). O colegiado manteve a condenação por danos morais coletivos imposta à proprietária empresa pela venda de sardinha em lata com peso diferente do que constava na embalagem. O Ministério Público do Rio Grande do Sul havia recebido denúncias de consumidores que afirmavam a diminuição da quantidade de sardinhas nas latas e o consequente aumento de óleo. A empresa se recusou a assinar um termo de ajustamento de conduta, então o MP ajuizou ação civil pública. A primeira e segunda instâncias condenaram a empresa a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos e a proibiram de vender as sardinhas com peso inferior ao anunciado. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, afirmou que o STJ adota a orientação de que esse tipo de dano ocorre in re ipsa, ou seja, de forma presumida, pois sua configuração “decorre da mera constatação da prática da conduta ilícita”.

Leite estragado

Em 2016, o mesmo colegiado, sob a relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, determinou a condenação por danos morais e materiais em razão da comercialização de leite em condições impróprias para consumo, em supermercado do Rio Grande do Sul ( REsp 1334364).
O Ministério Público do Rio Grande do Sul propôs ação civil pública contra o supermercado e a fabricante com base em denúncia de consumidora que comprou algumas caixas do leite no estabelecimento e, ao chegar em casa, verificou que, embora dentro do prazo de validade, o produto estava estragado.
A perícia técnica concluiu que o leite estava talhado e com aspectos físico-químicos alterados, portanto, impróprio para o consumo. Diante disso, o MP pediu a retirada do mercado do lote questionado, a publicação da condenação em jornal de grande circulação e a indenização genérica aos consumidores lesados.
O TJ-RS determinou que os produtos que ainda estivessem disponíveis ao consumidor fossem retirados de circulação. Entretanto, afastou a indenização tanto a título genérico aos consumidores potencialmente lesados como por violação de direitos difusos da população.
No STJ, o ministro Villas Bôas Cueva reconheceu ser devida a condenação genérica por danos morais e materiais na forma dos artigos , inciso VI, 91 e 95 do CDC e 13 da Lei 7.347/85, pois, segundo ele, o caso apresenta “a violação do direito básico do consumidor à incolumidade de sua saúde, já que a disponibilização de produto em condições impróprias para o consumo não apenas frustra a justa expectativa do consumidor na fruição do bem, como também afeta a segurança que rege as relações consumeristas. No caso, laudos demonstraram a potencialidade de lesão à saúde pelo consumo do produto comercializado: leite talhado”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Corpo estranho no refrigerante - inseto em decomposição

A 3a Turma do STJ, no julgamento do REsp 1768009/MG, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2019, DJe 09/05/2019, viu risco para consumidor que encontrou corpo estranho em refrigerante e, como consequência, dá direito à compensação por dano moral, em virtude da ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, resultante do princípio da dignidade da pessoa humana. Com esse entendimento,o STJ manteve indenização de R$ 10 mil a um consumidor que, após comprar três garrafas de refrigerante, percebeu que em uma delas havia um corpo estranho, semelhante a um inseto em decomposição. Antes de encontrar o objeto, ele e sua família já haviam consumido dois litros da bebida de uma das garrafas.
“É evidente a exposição a risco nessas circunstâncias, o que necessariamente deve afastar a necessidade de ingestão para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor. Exigir que, para a reparação, houvesse a necessidade de que os consumidores deglutissem tal corpo estranho encontrado no produto parece não encontrar qualquer fundamento na legislação de defesa do consumidor”, afirmou a relatora do recurso da fabricante de bebidas, ministra Nancy Andrighi.
Em primeira instância, o juiz entendeu que a fabricante, por ter comercializado produto impróprio para consumo, deveria ressarcir o consumidor em R$ 3,99 – valor referente ao refrigerante. O magistrado rejeitou o pedido de indenização por danos morais porque concluiu que o elemento estranho no interior da bebida era facilmente perceptível pelo consumidor, tanto que ele conseguiu evitar a ingestão.
Repugnância - A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Ao fixar a indenização por danos morais em R$ 10 mil, a corte concluiu que o sentimento de repugnância vivenciado pelo consumidor não poderia ser considerado mero aborrecimento.
Por meio de recurso especial, a fabricante do refrigerante alegou que a simples contemplação do líquido contendo corpo estranho não poderia causar sensação tão grave a ponto de implicar dano moral indenizável, tampouco constituiria risco à saúde do consumidor que adquiriu o produto.
Risco concreto - A ministra Nancy Andrighi destacou inicialmente que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que há dano moral nos casos em que o produto alimentício é consumido, ainda que parcialmente, em condições impróprias, especialmente quando apresenta situação de risco à saúde ou à incolumidade física. Contudo, no caso dos autos, há a peculiaridade de que não houve a ingestão do produto.

Nesse contexto, a relatora assinalou que o Código de Defesa do Consumidor protege o consumidor contra produtos que coloquem em risco a sua segurança e a sua saúde física e psíquica. Desse dever legal de proteção é que decorre, conforme previsto pelo artigo 12 do CDC, a responsabilidade de o fornecedor reparar o dano causado ao consumidor por defeitos decorrentes de fabricação, fórmulas, manipulação ou acondicionamento de seus produtos.
“É indubitável que o corpo estranho contido no interior da garrafa de refrigerante expôs o consumidor a risco, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna defeituoso o produto”, declarou a relatora.

Segundo a ministra, mesmo que a potencialidade lesiva do dano não possa ser equiparada à hipótese de ingestão do produto contaminado – diferença que terá efeitos no valor da indenização –, ainda permanece a obrigação de reparar o consumidor pelos danos morais e materiais sofridos por ele.
“Assim, uma vez verificada a ocorrência de defeito no produto, a afastar a incidência exclusiva do artigo 18 do CDC à espécie (o qual permite a reparação do prejuízo material experimentado), inafastável é o dever do fornecedor de reparar também o dano extrapatrimonial causado ao consumidor, fruto da exposição de sua saúde e segurança a risco concreto”, concluiu a ministra (STJ, REsp 1768009/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 09/05/2019).

Linguiça com pedaço de metal afiado

No AgRG no AREsp 107948, da 3ª Turma, o ministro relator Sidnei Beneti manteve o valor correspondente a 50 (cinquenta) salários mínimos para reparar o dano moral sofrido por criança que feriu a boca ao comer linguiça tipo toscana em que havia um pedaço de metal afiado.

Barra de cereais com larvas e ovos de insetos

O mesmo Ministro e Turma manteve decisão que condenou uma empresa a pagar R$ 10 mil (equivalente a 15 salários mínimos da época) por dano moral a uma consumidora que comeu parte de uma barra de cereais contendo larvas e ovos de inseto (AREsp 409048).

Lata de leite condensado com barata

No REsp 1239060/ MG, da relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma manteve a condenação em R$ 15 mil (aprox. 30 salários mínimos da época), pela venda de lata de leite condensado contendo inseto (barata) em seu interior, vindo o seu conteúdo a ser parcialmente ingerido pelo consumidor, é fato capaz de provocar dano moral indenizável.

Alimento infantil contaminado com insetos vivos, larvas e fragmentos de insetos.

Infecção gastrointestinal severa. Prescrição de antibiótico agressivo. Perda auditiva. A Turma reduziu a indenização deferida à consumidora menor de R$ 900 mil para R$ 300 mil sendo R$ 200 mil pelos danos morais resultantes da infecção gastrointestinal severa de que foi acometida e R$ 100 mil pela perda auditiva decorrente do tratamento com antibiótico agressivo. Igualmente, reduziram a indenização devida a cada um dos genitores de R$ 300 mil para R$ 50 mil (valores de 2015). REsp 1424164/ SC, da relatoria do Ministro João Otávio de Noronha.

Achocolatado infantil

Consumidor foi hospitalizado com infecção intestinal após consumo da bebida. Mantido o valor da indenização em R$ 19,9 mil. Ag em REsp 816070/ BA, da relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Barra de chocolate com corpo estranho

Em julgamento da 4ª Turma foi mantida a condenação da empresa fabricante de alimentos ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais a consumidor que encontrou três pedaços de borracha em barra de chocolate parcialmente consumida. “A jurisprudência desta corte é firme no sentido de reconhecer a possibilidade de lesão à honra subjetiva decorrente da aquisição de alimentos e bebidas contendo corpo estranho”, afirmou o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira ( AREsp 38957).

Salgadinho tipo chips com peça metálica

Em julgamento da 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, REsp 1220998, foi mantida a condenação do fabricante ao pagamento de 10 (dez) salários mínimos de indenização por danos morais a consumidor que fraturou dois dentes porque mordeu uma peça metálica que estava na embalagem de salgadinho.

Prazo de validade

Caso 1.) Mingau comprado com validade vencida:

RESPONSABILIDADE. FABRICANTE. PRODUTO. VALIDADE VENCIDA. O produto alimentício utilizado no preparo de mingaus e papas foi adquirido do comerciante já com o prazo de validade vencido há mais de um ano. Deteriorado, foi ingerido por dois bebês, o que lhes causou gastroenterite aguda e hospitalização (vício de insegurança). Daí a ação de indenização dos danos materiais e morais sofridos ajuizada em desfavor do fabricante do produto. Ele, por sua vez, defende não poder ser responsabilizado, tendo em vista existir culpa exclusiva de terceiro (art. 12, § 3º, III, do CDC): foi o comerciante quem colocou a mercadoria com a validade expirada em exposição. Diante disso, a Turma, por maioria, acolheu o entendimento aceito pela doutrina de que o comerciante não pode ser considerado um terceiro estranho à relação de consumo, pois ele está inserido na própria cadeia de produção e distribuição, o que afasta a aplicação da mencionada excludente de responsabilidade. Assim, no caso, firmou-se que o fabricante pode ser responsabilizado pelos danos sofridos, cabendo-lhe, se for o caso, a posterior ação de regresso contra o comerciante. Danos morais: R$ 12 mil. STJ, REsp 980.860/ SP, , Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/4/2009 (Informativo de Jurisprudência nº 0390).

Caso 2.) Chocolate com prazo vencido:

Ainda que as relações comerciais tenham o enfoque e a disciplina determinadas pelo Código de Defesa do Consumidor, isso não afasta o requisito da existência de nexo de causalidade para a configuração da responsabilidade civil. Com base nesse entendimento, a 3ª Turma negou provimento ao recurso especial de consumidores que notaram a presença de ovos e larvas de inseto em chocolate que já estava com a data de validade vencida no momento do consumo (STJ, REsp 1252307, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Massami Uyeda, 3a Turma, DJe 02/08/2012). Entendeu que, fora do prazo de validade, rompe-se o nexo causal e, via de consequência, a obrigação de indenizar.

Refrigerante com larvas - Aquisição e consumo - TJ-MG Indenização de R$ 5 mil:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DANO MORAL - AQUISIÇÃO DE PRODUTO IMPRÓPRIO AO CONSUMO - CORPO ESTRANHO EM REFRIGERANTE - DANO MORAL CONFIGURADO - SENTENÇA MANTIDA. - Todos da cadeia de fornecimento do produto são legitimados a figurar no polo passivo da demanda. - Não configura cerceamento de defesa quando a prova pericial é indeferida por ser dispensável ao deslinde da demanda, conforme preconiza o parágrafo único do art. 370 do CPC. - A aquisição e o consumo de refrigerante com corpo estranho - larva em seu interior - é suficiente para configurar dor moral passível de reparação. - Na fixação do"quantum"indenizatório, deve ser levado em conta a extensão do dano, proporcionando à vítima uma satisfação econômica na justa medida do abalo sofrido, não se configurando fonte de enriquecimento sem causa, nem se apresentando inexpressiva. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.20.041126-2/001, Relator (a): Des.(a) Domingos Coelho , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/09/0020, publicação da sumula em 03/09/2020).

Fungos, insetos e ácaros em embalagem de arroz

O consumidor pediu indenização contra uma beneficiadora de arroz e o supermercado que o vendeu. O juiz condenou apenas a beneficiadora, por danos materiais e morais, mas o TJSP, considerando que o alimento não chegou a ser ingerido pelo consumidor, afastando a existência dos danos morais. No STJ, a relatora Nancy Andrighi explicou que o Código de Defesa do Consumidor ( CDC) protege o indivíduo contra produtos que coloquem em risco sua segurança (artigo do CDC). Ela lembrou que o código prevê a responsabilidade objetiva do fornecedor de reparar o dano causado pelo produto defeituoso, conceituado como aquele que não oferece a segurança esperada (artigo 12, caput, e parágrafo 1º, inciso II, do CDC)." A presença de corpo estranho em alimento industrializado excede os riscos razoavelmente esperados em relação a esse tipo de produto, caracterizando-se, portanto, como um defeito, a permitir a responsabilização do fornecedor ", disse a magistrada (dano material: R$ 23,45 – dano moral: R$ 5 mil) – (STJ, REsp 1899304/ SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/08/2021, DJe 04/10/2021).

Pelo em ovo de Páscoa

Nesse caso concreto o consumidor encontrou pelo impregnado em ovo de Páscoa. O TJSC afastou a indenização por dano moral em virtude de não ter havido a ingestão do produto, entendimento que se encontra em desconformidade com o posicionamento firmado pela 2ª Seção do STJ, razão pela qual foi reformado e restabelecida a indenização no valor de R$ 5 mil. (STJ, AgInt no REsp 1879416/ SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4a Turma, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021).

Ônus da prova

O fornecedor ou fabricante que causa dano ao consumidor só se exime da responsabilidade quando consegue provar que não colocou o produto no mercado, ou que, embora tenha colocado, este não possui defeito que o torne impróprio para uso ou, ainda, que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro ( parágrafo 3º do artigo 12 do CDC). É dele o ônus da prova, e não do consumidor (2012, REsp 1220998 e 2022, REsp 1968143/ RJ).

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terça-feira, 29 de março de 2022

Ação de prestação de contas da pensão alimentícia em face do guardião.

 

O alimentante pode propor ação de prestação de contas em face do guardião do alimentando, encargo geralmente exercido pela mãe.

No que pese haver presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros, em casos excepcionais, a jurisprudência do STJ tem admitido o processamento e procedência de tal ação.

Esse direito de fiscalizar a correta destinação das prestações alimentares que paga a seu filho menor decorre do artigo 1.589, caput, e, sobretudo, do artigo 1.583§ 5º (incluído pela Lei nº 13.058/ 2.014), ambos do Código Civil. Mas, antes disso, já era previsto no artigo 15 da Lei 6.515/ 1.977.

Prescreve a parte final do § 5º, do artigo 1.583, do Código Civil:

"(...) qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos."

Importante não confundir essa com a ação de exigir contas (prestação de contas no Código anterior), prevista no artigo 55o e seguintes do Código de Processo Civil, que é bifásica - reúne obrigação de fazer, prestar contas na primeira fase e na segunda pedido de condenação e reconhecimento da existência de crédito - o que é vedado, tendo em vista que as prestações alimentícias já pagas são irrepetíveis e incompensáveis, nos termos do artigo 1.707 do Código Civil, razão pela qual a jurisprudência do STJ era no sentido de não admitir seu processamento por falta de interesse de agir do requerente (ver nesse sentido: 2021, REsp 1767456/ MG e 2012, REsp 970147/ SP - STJ). Portanto, a ação objeto desse artigo tem como escopo fiscalizar como os gastos estão sendo realizados (art. 1.583§ 5º, do Código Civil), seguindo o procedimento comum, não o especial.

No entanto, antes do entendimento atual, em 2019, decidiu a 3a Turma do STJ:

“A beligerância e falta de comunicação entre genitores não se solucionam por meio de prestações de contas, especialmente porque os alimentos prestados para garantir o bem estar da criança ou do adolescente não se caracterizam como relação meramente mercantil ou de gestão de coisa alheia.” (2019, RESP. 1637378/ DF – STJ).

Já em maio de 2020 o STJ mudou novamente seu entendimento:

"É possível determinar a prestação de contas para fiscalização de pensão alimentícia, pois a guarda unilateral pela mãe do menor obriga o pai a supervisionar os interesses dos filhos, sendo parte legítima para solicitar informações"(2020, REsp 1814639/ RS – STJ).

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento a um recurso especial para obrigar a mãe de uma criança a apresentar contas ao pai, demonstrando como utiliza o valor pago em pensão alimentícia. A decisão foi tomada por maioria, por três votos a dois.

Em 2021, o STJ reiterou esse entendimento: 

"O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia. Pensão alimentícia. Filhos menores. Direito-dever de fiscalização. Ação de prestação de contas. Possibilidade". (2021, REsp 1911030/ PR - STJ - Informativo de Jurisprudência nº 699, de 07.6.2021).

Informações do inteiro teor do julgado supra:

"Com o inequívoco objetivo de proteção aos filhos menores, o legislador civil preconiza que, cessando a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, o dever de sustento oriundo do poder familiar resolve-se com a prestação de alimentos por aquele que não ficar na companhia dos filhos (art. 1.703 do CC/ 2002), cabendo-lhe, por outro lado, o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (art. 1.589 do CC/2202).
O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade visa, de forma imediata, à obstrução de abusos e desvios de finalidade quanto à administração da pensão alimentícia, sobretudo mediante verificação das despesas e gastos realizados para manutenção e educação da prole, tendo em vista que, se as importâncias devidas a título de alimentos tiverem sido fixadas em prol somente dos filhos, estes são seus únicos beneficiários.
Nesse contexto, a ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias àquelas da pessoa à qual deve ser destinada, encartando também um caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião.
O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 combinado com o art. 1.638 do CC/2002).
Por fim, a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/ 2002, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos."

Portanto, a nova posição da 3a Turma do STJ autoriza que o alimentante requeira judicialmente do guardião, a prestação de contas dos valores pagos à título de pensão alimentícia para os filhos menores.