terça-feira, 29 de março de 2022

Ação de prestação de contas da pensão alimentícia em face do guardião.

 

O alimentante pode propor ação de prestação de contas em face do guardião do alimentando, encargo geralmente exercido pela mãe.

No que pese haver presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros, em casos excepcionais, a jurisprudência do STJ tem admitido o processamento e procedência de tal ação.

Esse direito de fiscalizar a correta destinação das prestações alimentares que paga a seu filho menor decorre do artigo 1.589, caput, e, sobretudo, do artigo 1.583§ 5º (incluído pela Lei nº 13.058/ 2.014), ambos do Código Civil. Mas, antes disso, já era previsto no artigo 15 da Lei 6.515/ 1.977.

Prescreve a parte final do § 5º, do artigo 1.583, do Código Civil:

"(...) qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos."

Importante não confundir essa com a ação de exigir contas (prestação de contas no Código anterior), prevista no artigo 55o e seguintes do Código de Processo Civil, que é bifásica - reúne obrigação de fazer, prestar contas na primeira fase e na segunda pedido de condenação e reconhecimento da existência de crédito - o que é vedado, tendo em vista que as prestações alimentícias já pagas são irrepetíveis e incompensáveis, nos termos do artigo 1.707 do Código Civil, razão pela qual a jurisprudência do STJ era no sentido de não admitir seu processamento por falta de interesse de agir do requerente (ver nesse sentido: 2021, REsp 1767456/ MG e 2012, REsp 970147/ SP - STJ). Portanto, a ação objeto desse artigo tem como escopo fiscalizar como os gastos estão sendo realizados (art. 1.583§ 5º, do Código Civil), seguindo o procedimento comum, não o especial.

No entanto, antes do entendimento atual, em 2019, decidiu a 3a Turma do STJ:

“A beligerância e falta de comunicação entre genitores não se solucionam por meio de prestações de contas, especialmente porque os alimentos prestados para garantir o bem estar da criança ou do adolescente não se caracterizam como relação meramente mercantil ou de gestão de coisa alheia.” (2019, RESP. 1637378/ DF – STJ).

Já em maio de 2020 o STJ mudou novamente seu entendimento:

"É possível determinar a prestação de contas para fiscalização de pensão alimentícia, pois a guarda unilateral pela mãe do menor obriga o pai a supervisionar os interesses dos filhos, sendo parte legítima para solicitar informações"(2020, REsp 1814639/ RS – STJ).

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento a um recurso especial para obrigar a mãe de uma criança a apresentar contas ao pai, demonstrando como utiliza o valor pago em pensão alimentícia. A decisão foi tomada por maioria, por três votos a dois.

Em 2021, o STJ reiterou esse entendimento: 

"O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia. Pensão alimentícia. Filhos menores. Direito-dever de fiscalização. Ação de prestação de contas. Possibilidade". (2021, REsp 1911030/ PR - STJ - Informativo de Jurisprudência nº 699, de 07.6.2021).

Informações do inteiro teor do julgado supra:

"Com o inequívoco objetivo de proteção aos filhos menores, o legislador civil preconiza que, cessando a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, o dever de sustento oriundo do poder familiar resolve-se com a prestação de alimentos por aquele que não ficar na companhia dos filhos (art. 1.703 do CC/ 2002), cabendo-lhe, por outro lado, o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (art. 1.589 do CC/2202).
O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade visa, de forma imediata, à obstrução de abusos e desvios de finalidade quanto à administração da pensão alimentícia, sobretudo mediante verificação das despesas e gastos realizados para manutenção e educação da prole, tendo em vista que, se as importâncias devidas a título de alimentos tiverem sido fixadas em prol somente dos filhos, estes são seus únicos beneficiários.
Nesse contexto, a ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias àquelas da pessoa à qual deve ser destinada, encartando também um caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião.
O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 combinado com o art. 1.638 do CC/2002).
Por fim, a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/ 2002, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos."

Portanto, a nova posição da 3a Turma do STJ autoriza que o alimentante requeira judicialmente do guardião, a prestação de contas dos valores pagos à título de pensão alimentícia para os filhos menores.

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