terça-feira, 28 de abril de 2020

Indenização por Abandono Afetivo de Filho (valores, casos reais, prescrição e cabimento).

O STJ - Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que é possível a fixação de indenização por dano moral quando o genitor não cumpre o dever legal de cuidar do filho, sobretudo em relação ao aspecto afetivo, ocorrendo, não raro, tratamento discriminatório em comparação com outros filhos, pois a existência do vínculo de natureza familiar, como o parentesco, não constitui causa de exclusão da indenização do sofrimento moral ante a injusta ação ou omissão.

Decidiu, inclusive, a possibilidade de indenização por dano moral na hipótese em que o pai não cumpre o dever legal de cuidar do filho, exteriorizando-se o abandono em atos concretos como aquisição de propriedades, por simulação, em nome de outros filhos, falta de carinho, afeto, amor, apoio moral, falta de auxílio em despesas médicas, escolares, vestuário e reconhecimento da paternidade apenas na esfera judicial, após longa resistência do genitor, caracterizando a omissão afetiva do pai.

Frisando que não há impedimento para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelos filhos, em razão da parentalidade exercida de forma irresponsável, negligente ou nociva. Vejamos:

I – Valor da reparação:

Caso 01 = Abandono afetivo de filho desde tenra idade. Ruptura abrupta com filha após fim união estável. Dano moral.

O juiz de piso fixou os danos morais em R$ 3 mil. O TJRJ entendeu que não houve dano. Já o STJ fixou o valor dos danos morais em 30 mil - (com juros desde desde a citação, no ano de 2013, e correção monetária desde a publicação do acórdão) - REsp. 1887697/ RJ - Vejamos a íntegra da Ementa:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. APLICAÇÃO DAS REGRAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES. OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS E PERDA DO PODER FAMILIAR. DEVER DE ASSISTÊNCIA MATERIAL E PROTEÇÃO À INTEGRIDADE DA CRIANÇA QUE NÃO EXCLUEM A POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DOS PAIS. PRESSUPOSTOS. AÇÃO OU OMISSÃO RELEVANTE QUE REPRESENTE VIOLAÇÃO AO DEVER DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DO DANO MATERIAL OU MORAL. NEXO DE CAUSALIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS NA HIPÓTESE. CONDENAÇÃO A REPARAR DANOS MORAIS. CUSTEIO DE SESSÕES DE PSICOTERAPIA. DANO MATERIAL OBJETO DE TRANSAÇÃO NA AÇÃO DE ALIMENTOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO NESTA AÇÃO. 1- Ação proposta em 31/10/2013. Recurso especial interposto em 30/10/2018 e atribuído à Relatora em 27/05/2020. 2- O propósito recursal é definir se é admissível a condenação ao pagamento de indenização por abandono afetivo e se, na hipótese, estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil. 3- É juridicamente possível a reparação de danos pleiteada pelo filho em face dos pais que tenha como fundamento o abandono afetivo, tendo em vista que não há restrição legal para que se apliquem as regras da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares e que os arts. 186 e 927, ambos do CC/2002, tratam da matéria de forma ampla e irrestrita. Precedentes específicos da 3ª Turma. 4- A possibilidade de os pais serem condenados a reparar os danos morais causados pelo abandono afetivo do filho, ainda que em caráter excepcional, decorre do fato de essa espécie de condenação não ser afastada pela obrigação de prestar alimentos e nem tampouco pela perda do poder familiar, na medida em que essa reparação possui fundamento jurídico próprio, bem como causa específica e autônoma, que é o descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável. 5- O dever jurídico de exercer a parentalidade de modo responsável compreende a obrigação de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade, sempre com vistas a não apenas observar, mas efetivamente concretizar os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana, de modo que, se de sua inobservância, resultarem traumas, lesões ou prejuízos perceptíveis na criança ou adolescente, não haverá óbice para que os pais sejam condenados a reparar os danos experimentados pelo filho. 6- Para que seja admissível a condenação a reparar danos em virtude do abandono afetivo, é imprescindível a adequada demonstração dos pressupostos da responsabilização civil, a saber, a conduta dos pais (ações ou omissões relevantes e que representem violação ao dever de cuidado), a existência do dano (demonstrada por elementos de prova que bem demonstrem a presença de prejuízo material ou moral) e o nexo de causalidade (que das ações ou omissões decorra diretamente a existência do fato danoso). 7- Na hipótese, o genitor, logo após a dissolução da união estável mantida com a mãe, promoveu uma abrupta ruptura da relação que mantinha com a filha, ainda em tenra idade, quando todos vínculos afetivos se encontravam estabelecidos, ignorando máxima de que existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho, mantendo, a partir de então, apenas relações protocolares com a criança, insuficientes para caracterizar o indispensável dever de cuidar. 8- Fato danoso e nexo de causalidade que ficaram amplamente comprovados pela prova produzida pela filha, corroborada pelo laudo pericial, que atestaram que as ações e omissões do pai acarretaram quadro de ansiedade, traumas psíquicos e sequelas físicas eventuais à criança, que desde os 11 anos de idade e por longo período, teve de se submeter às sessões de psicoterapia, gerando dano psicológico concreto apto a modificar a sua personalidade e, por consequência, a sua própria história de vida. 9- Sentença restabelecida quanto ao dever de indenizar, mas com majoração do valor da condenação fixado inicialmente com extrema modicidade (R$ 3.000,00), de modo que, em respeito à capacidade econômica do ofensor, à gravidade dos danos e à natureza pedagógica da reparação, arbitra-se a reparação em R$ 30.000,00. 10- É incabível condenar o réu ao pagamento do custeio do tratamento psicológico da autora na hipótese, tendo em vista que a sentença homologatória de acordo firmado entre as partes no bojo de ação de alimentos contemplava o valor da mensalidade da psicoterapia da autora, devendo eventual inadimplemento ser objeto de discussão naquela seara. 11- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de julgar procedente o pedido de reparação de danos morais, que arbitro em R$ 30.000,00), com juros contados desde a citação e correção monetária desde a publicação deste acórdão, carreando ao recorrido o pagamento das despesas, custas e honorários advocatícios em razão do decaimento de parcela mínima do pedido, mantido o percentual de 10% sobre o valor da condenação fixado na sentença.

(STJ, REsp n. 1887697/ RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/9/2021, DJe de 23/9/2021.)

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Caso 02 = Abandono afetivo de filho desde a menoridade. Dano moral.

O juiz de piso entendeu que não houve dano. O TJ-SP fixou em R$ 415 mil. Já o STJ reduziu para 200 mil - (desde: 26/11/2008) - REsp 1159242/SP - Vejamos a íntegra da Ementa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.
(STJ, REsp 1159242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 10/05/2012);

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Caso 03 Abandono afetivo de filho menor. Dano moral e material.

O juiz de piso fixou e o TJ-RS e o STJ mantiveram em R$ 35 mil. De se frisar que além do dano moral o pai foi condenado a comprar um imóvel residencial em nome do filho, alguns bens materiais, além do pensionamento mensal. É o teor da Ementa:

"RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ABANDONO MATERIAL. MENOR. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE PRESTAR ASSISTÊNCIA MATERIAL AO FILHO. ATO ILÍCITO ( CC/2002,ARTS. 1861.566IV1.5681.5791.632 E 1.634IECA, ARTS. 18-A18-B E 22). REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002. 2. Estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 3. Recurso especial improvido" .
(STJ, REsp 1087561/RS, Rel. Min. Raul Araújo, 4a Turma, DJe 18/08/2017);

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Caso 04 = Abandono afetivo de filhos menores. Dano Moral. Pai condenado em R$ 120 mil por abandono afetivo de filhos. Relator no TJ/MG destacou que "afeto não é coisa, mas sentimento" ao votar por manter condenação fixada em 1º grau. “Exatamente em razão de o afeto não ser coisa, mas sentimento, é preciso que um pai saiba que não basta pagar prestação alimentícia para dar como quitada sua ‘obrigação’. Seu dever de pai vai além disso e o descumprimento desse dever causa dano, e dano, que pode ser moral, deve ser reparado, por meio da indenização respectiva.”

Assim se manifestou o desembargador Evandro Lopes da Costa, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ao analisar recurso e manter sentença que condenou um pai a indenizar os dois filhos em R$ 120 mil, por danos morais.

Os dois menores de idade, representados pela mãe, entraram com pedido de indenização contra o pai, afirmando que, um ano e dez meses antes do ingresso da ação, ele abandonou o lar, deixando as crianças, então com 8 anos e 1 ano de idade, sob responsabilidade da genitora. Na Justiça, a mãe alegou que o pai não se preocupou com o abalo psíquico e os danos emocionais decorrentes de sua atitude. Relatou ainda que ( clique aqui para continuar lendo).

O acórdão restou assim ementado:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO DEMONSTRADO - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - COMPROVAÇÃO - VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - DANO MORAL - OCORRÊNCIA.- Não demonstrado pela parte ré o impedimento, por parte do perito judicial, da participação do assistente técnico na elaboração do laudo pericial, bem como a ocorrência de prejuízo dela decorrente, não há que se falar em cerceamento de defesa. 3- A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana.- Mostra-se cabível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança, decorrente do abandono afetivo. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.14.323999-4/001, Relator (a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/08/2019, publicação da sumula em 2008/2019).

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II- Ocorrência apenas após o reconhecimento.

"(...) antes do reconhecimento da paternidade, não há se falar em responsabilidade por abandono afetivo.(...)"- ( AgRg no AREsp 766.159/MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3a Turma, DJe 09/06/2016).

No mesmo sentido: STJ - AgRg no AREsp 766159-MS, e REsp 1493125-SP.

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III- Prescrição (03 anos a partir da maioridade - Art. 206, § 3º, v, do Código Civil):

"O prazo prescricional das ações de indenização por abandono afetivo começa a fluir com a maioridade do interessado. Isso porque não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes até a cessação dos deveres inerentes ao poder familiar"- ( REsp 1.298.576-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 21/8/2012).
Fragmento do inteiro teor do voto do relator do julgado supra: "(...) Razão pela qual não pode agora manejar ação que objetiva recebimento de indenização com espeque em danos morais decorrentes de abandono, pois tal pretensão revela-se prescrita. Deve incidir in casu o disposto nos arts. 197II, e 206§ 3ºV, ambos do Código Civil. Pelos quais não corre a prescrição entre ascendente e descendente durante a vigência do poder familiar, e será de três anos o prazo prescricional para pleitear-se a reparação civil (...)"

No mesmo sentido: REsp 430.839-MG, DJ de 23/9/2002, AgRg no Ag 1. 247.622-SP, DJe de 16/8/2010, e AgInt no AREsp 1270784/SP, DJe 15/06/2018.

IV- É cabível indenização por abandono de filho maior de idade?

Segundo a legislação e a jurisprudência o direito de ser indenizado pelos danos que sofreu em razão do abandono, deve ser aquele ocorrido durante a menoridade civil, em violação do poder familiar, tendo em vista que todo genitor tem de manter convivência familiar com os filhos (art. 1.634 do Código Civil), promovendo-lhes a guarda e educação (art. 22, do ECA).

V- Supressão do sobrenome paterno.

Modernamente o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro.

É verdade que o STJ já julgou incabível a supressão do sobrenome paterno sob a alegação de ausência de laços afetivos. Nesse sentido: STJ, REsp 1521719, DJe 01/3/2017 e STJ, AgRg no AREsp 610.788/SP, DJe 09/08/2016.

O mesmo Tribunal em um caso peculiar autorizou que o filho, já adulto, abandonado desde a infância excluísse o sobrenome paterno e incluísse o da avó materna, pois foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó.

A decisão teve como fundamento o entendimento de que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. O rapaz recorreu ao STJ contra acórdão do TJ-SP que acolheu o pedido de inclusão, mas manteve a indisponibilidade do sistema registral. Para o tribunal paulista, a mudança descaracterizaria o nome da família.

No recurso julgado pela 3ª Turma, o rapaz sustentou que a decisão violou o artigo 56 da Lei 6.015/ 73, já que estariam presentes todos os requisitos legais exigidos para a alteração do nome no primeiro ano após ele ter atingido a maioridade civil. Argumentou, ainda, que não pediu a modificação da sua paternidade no registro de nascimento, mas somente a exclusão do sobrenome do genitor, com quem não desenvolveu nenhum vínculo afetivo.

Posição flexível - Citando vários precedentes, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que o STJ tem sido mais flexível em relação à imutabilidade do nome civil em razão do próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade.

Para o relator, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, a pretensão do recorrente está perfeitamente justificada nos autos, pois, abandonado pelo pai desde criança, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna.

“Ademais, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, parece sobrepor-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos”, ressaltou o ministro em seu voto.

Ao acolher o pedido de retificação, Sanseverino enfatizou que a supressão do sobrenome paterno não altera a filiação, já que o nome do pai permanecerá na certidão de nascimento. A decisão foi unânime. O Acórdão restou assim ementado:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. REGISTRO CIVIL. NOME. ALTERAÇÃO. SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO PATERNO. ABANDONO PELO PAI NA INFÂNCIA. JUSTO MOTIVO. RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 56 E 57 DA LEI N.º 6.015/73. PRECEDENTES. 1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Publicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. 4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO".
(STJ, REsp 1304718/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª Turma, DJe 05/02/2015).

No mesmo sentido: STJ, REsp 1412260/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 22/05/2014 e STJ, SEC 5.726/EX, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe 13/09/2012.

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Em julgado de 18.6.2020, a 3a Câmara de Direito Público do TJ-SP reformou sentença para autorizar uma mulher a retirar o sobrenome paterno em razão de abandono afetivo.

Ela alegou que a manutenção do sobrenome trazia constrangimento e sofrimento e afrontava os direitos constitucionais à personalidade e dignidade. A ação foi julgada em 1º grau, mas a sentença foi reformada pelo TJ-SP. Vejamos a ementa:

"AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pretensão da requerente de exclusão do patronímico paterno de seu nome. Julgamento de improcedência. Irresignação. Acolhida impositiva. Medida fundada em abandono sofrido pela interessada por parte de seu genitor. Incontroversa ruptura do vínculo afetivo. Quadro que gera imenso sofrimento à interessada. Cumprimento da hipótese do artigo 57 da Lei nº 6.015/73. Resguardo aos direitos da personalidade da requerente. Precedentes do C. STJ e desta Câmara. Eventuais prejuízos a terceiros, no mais, não evidenciados. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO".
(TJSP; Apelação Cível 1003518-65.2019.8.26.0664; Relator (a): Donegá Morandini; 3ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 18/06/2020; Data de Registro: 18/06/2020).

No mesmo sentido:

“REGISTRO CIVIL. EXCLUSÃO DE PATRONÍMICO. Ação de adoção c.c. retificação de registro civil. Autora que pretende a supressão do patronímico paterno biológico "Cruz", não compartilhado com sua mãe ou avós socioafetivos. Possibilidade. Requerente que foi abandonada afetivamente pelo pai biológico (já falecido) em sua juventude. Motivo suficiente para a modificação pretendida. O nome representa direito de personalidade e, como tal, está intimamente ligado à integridade moral do indivíduo e ao princípio da dignidade humana. Princípio da imutabilidade do nome que não é absoluto. Precedente do STJ. Ausência de prejuízo a terceiros. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO”
(TJ-SP, Apelação Cível nº 1007663-63.2017.8.26.0009, Rel. Alexandre Marcondes, j. 19.03.2019).

E, também:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pedido de retificação para exclusão do patronímico paterno e inclusão de apelido de família da avó materna, além de exclusão da filiação paterna. Recurso interposto pela parte autora em face de sentença de improcedência. Parcial acolhimento. Precedente do STJ. Manifestação favorável do Ministério Público. Substituição do patronímico que é autorizado, diante das especificidades do caso. Autora que além de ter perdido o contato com o genitor quando ainda de tenra idade, possui repulsa a sua figura, visto que ele teria sido acusado de haver abusado sexualmente de sua irmã unilateral, quando esta era criança. Improcedência, no entanto, quanto à exclusão da filiação, na medida em que a questão não é meramente registraria, mas de direito de família, e a referida pessoa não consta dos autos. Sentença reformada, para excluir o nome de família do pai e incluir o nome de família da avó materna. Determinação para anotação de segredo de justiça. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO (v.31469)”
(TJ-SP, Apelação Cível nº 1005592-55.2017.8 .26.0020, Rel. Viviani Nicolau, j. 05.09.2019).-

E ainda: Filho conquista direito de retirar sobrenome paterno após abandono afetivo. Juiz de SP destacou a insuportabilidade de ostentar um sobrenome que traz carga de sofrimento.

Para evitar angústia e sofrimento a um jovem, o juiz de Direito Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, da 1ª vara Cível de SP, autorizou que ele retire o sobrenome do pai do registro civil.
O autor buscou a retificação do seu registro civil para incluir o sobrenome materno e excluir o sobrenome paterno, relatando que com dois anos de idade os pais se separaram e desde então o pai “nunca o procurou, nunca participou de sua infância, nem adolescência ou de qualquer momento de sua vida”.
Na análise do pedido, o magistrado compreendeu que, em que pese a manifestação negativa do genitor, a documentação e os depoimentos das testemunhas comprovam a ausência da figura paterna na vida do jovem, com o desenvolvimento de trauma psicológico.
Se referido distanciamento entre o genitor e o acionante decorreram por culpa daquele ou não, pouco importa. O relevante, no caso, é que a situação de dor, angústia e sofrimento suportado pelo Autor (pela ausência de seu genitor em sua vida) resta agravado com a permanência do sobrenome paterno. O motivo relevante, portanto, consiste na insuportabilidade de ostentar um sobrenome que traz uma carga de sofrimento, devidamente comprovada nos autos.”
O julgador assentou na sentença que o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto e encontra exceções na lei e na jurisprudência; e que o autor é, inclusive, conhecido em seu meio social com sobrenome da mãe.
Deve-se levar em consideração as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, que pode levar uma vida atormentada, tal como se verifica no caso em análise. Ademais, a supressão do sobrenome paterno em nada altera a sua condição de paternidade, que continua íntegra e suficiente.” - Íntegra da sentença - clique aqui

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VI- Posição antiga e minoritária do STJ

Julgado do STJ com entendimento minoritário, no sentido de que não há dever de cuidar afetivamente, bastando para afastar a indenização por danos morais, o cumprimento do dever de cuidado, que compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos.

CIVIL DIREITO DE FAMÍLIA. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. GENITOR. ATO ILÍCÍTO. DEVER JURÍDICO INEXISTENTE. ABANDONO AFETIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. 1. Não ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial. 2. A ação de indenização decorrente de abandono afetivo prescreve no prazo de três anos ( Código Civil, art. 206§ 3ºV). 2. A indenização por dano moral, no âmbito das relações familiares, pressupõe a prática de ato ilícito. 3. O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável. Precedentes da 4ª Turma. 4. Hipótese em que a ação foi ajuizada mais de três anos após atingida a maioridade, de forma que prescrita a pretensão com relação aos atos e omissões narrados na inicial durante a menoridade. Improcedência da pretensão de indenização pelos atos configuradores de abandono afetivo, na ótica do autor, praticados no triênio anterior ao ajuizamento da ação.

4. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido (STJ, REsp 1579021/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4a Turma, DJe 29/11/2017).

- - - Informações complementares à Ementa: (VOTO VENCIDO - MIN. MARCO BUZZI) "Com o escopo de demonstrar a possibilidade de compensação dos danos decorrentes do abandono afetivo parental, ressalta-se que, muito embora não se possa conceber o sentimento do amor como fruto de um dever, há, no seio da família, determinados cuidados, zelos e providências, voltadas ao interesse e bem estar da prole - vulgarmente denominados ou identificados como elementos da mensuração do que se alude como amor entre pai e filhos -, passíveis, portanto, de caracterização como dever jurídico".

-----Fonte de pesquisa: base de dados do TJ-SP, do STJ e site Migalhas.

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