quinta-feira, 16 de maio de 2024

Juíza de São Paulo valorou o trabalho invisível da mulher na fixação da pensão alimentícia para o filho.

 Publicado por Wander Fernandes

Em 08/01/2024, ao sentenciar a ação de alimentos que tramita sob segredo de justiça e nº 1018311-98.2023.8.26.0007, o juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo/SP utilizou as diretrizes estabelecidas pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ para fixar a verba devida pelo genitor alimentante.

No caso concreto, a magistrada considerou a existência da “divisão sexual do trabalho”, que atenta-se ao trabalho de cuidado diário exercido com exclusividade pela genitora detentora da guarda, no que diz respeito à casa (limpeza, lavanderia, compras de mercado) e ao filho (higiene, alimentação, cuidados com a saúde).

Como destacou a magistrada, “historicamente, em nossa sociedade, atribui-se aos homens o trabalho produtivo e remunerado, enquanto que às mulheres é relevado o trabalho interno denominado 'economia de cuidado', geralmente desvalorizado. Referida condição deve ser observada nos julgamentos efetuados pelos magistrados do pais e é adotado por este juízo".

O genitor que ganha R$ 8 mil, pediu para que pensão fosse fixada em R$ 925, pois tem outra filha e ajuda sua namorada com R$ 1 mil de aluguel. Disse ainda que a mãe deveria também ser “obrigada” a sustentar a criança.

Fundamentou a julgadora:

"Há três questões a serem tratadas. A primeira refere-se à obrigação da genitora da autora em colaborar com o seu sustento. O CNJ, por meio da Portaria n. 27, de 2 de fevereiro de 2021 instituiu um grupo de trabalho para elaboração de um 'Protocolo de julgamento com perspectiva de gênero de 2021, disponível no site de referido Conselho. Nele consta um tópico denominado 'divisão sexual do trabalho' no qual são lançadas as perspectivas históricas para julgamento do feito conforme as condições político; sociais e econômicas de nossa sociedade.
Historicamente, em nossa sociedade, atribui-se aos homens o trabalho produtivo e remunerado, enquanto que às mulheres é relevado o trabalho interno denominado 'economia de cuidado', geralmente desvalorizado. Referida condição deve ser observada nos julgamentos efetuados pelos magistrados do pais e é adotado por este juízo.
Diante da assertiva do réu, de que a genitora da autora também é obrigada a sustentar a filha e a obrigação não é só dele, necessárias duas anotações: a primeira é que a genitora da menor já contribui com o sustento da filha, pois a mantém sob sua guarda. Neste sentido o Eg. TJSP já se pronunciou que é "evidente que a genitora do menor também é responsável pelo seu sustento e já possui o difícil encargo de cuidar do infante sem a ajuda presencial do réu/ genitor, o que deve ser considerado na fixação da pensão alimentícia" TJSP, 7a Câmara de Direito Privado, Apelação Cível no 1002401-70.2019.8.26.0201, relator desembargador Miguel Brandi, j. 30.05.2023).
A segunda é que ela exerce, com exclusividade, a chamada 'economia de cuidado'. Esta última envolve muitas horas e tempo dedicado ao cuidado com a casa e com pessoas: dar banho e fazer comida, faxinar a casa, comprar os alimentos que serão consumidos, cuidar das roupas (lavar, estender e guardar), prevenir doenças com boa alimentação e higiene em casa e remediar quando alguém fica ou está doente, fazer café da manhã, almoço, lanches e jantar para os filhos, educar e segue por horas a fio. A economia do cuidado é essencial para a humanidade. Todos nós precisamos de cuidados para existir. Embora tais tarefas não sejam precificadas, geram um custo físico, profissional, psíquico e patrimonial de quem os exerce. No caso in comento, como já dito, é a genitora do menor quem arca com todas estas tarefas e referida contribuição não pode ser menoscabada.
A terceira é que o réu alega 'ajudar' com o pagamento do aluguel da namorada Juliana e as despesas da casa de sua genitora e do carro dela. Porém não se mostra razoável fixar os alimentos devidos à filha do réu em valor módico para que ele possa oferecer conforto à namorada ou à genitora dele. Pessoas adultas tem o dever de se sustentar e se o réu quer conceder benefícios à sua mãe ou namorada, pode e deve fazê-lo, mas não à custa de sua filha.
A quarta é a existência de outra filha a quem o réu deve sustento. Inegável o dever de sustento deste outro filho, mas se o réu tem outro filho, isso não constitui motivo para fixar o valor dos alimentos em valor tão modesto quanto ele pretende, especialmente considerando os rendimentos que ele aufere.

Nesse tópico, cita julgado similar ao presente, onde o réu tinha vários filhos, descumprindo o princípio da paternidade responsável previsto no artigo 226§ 7º, da Constituição Federal, discorrendo longamente sobre o resultado da "aplicação cega e generalizada da regra geral em que se visa manter o equilíbrio entre possibilidade do alimentante e necessidade do alimentado: o encargo de sustento dos filhos é transferido em sua integralidade ou quase para as mães, que acabam por criar os filhos sozinhas, já que a elas não se permite a utilização da mesma regra" (TJSP, 3a Câmara de Direito Privado, Apelação Cível no 0026428-08.2017.8.26.0007, da Comarca de São Paulo, relator desembargador, Beretta da Silveira e Viviani Nicolau, j 22.11.2018).

Em outras palavras, a escolha de vasta prole não pode ser suscitada como motivo para fixar os alimentos em valor que não atenda às necessidades mínimas do infante pois além de fomentar a paternidade irresponsável, transferiria para a genitora a quase totalidade da obrigação financeira que é de ambos (pai e mãe).
A quinta é que que o direito de crianças e adolescentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura e à dignidade encontra fundamento na Constituição Federal (artigo 227) e conforme artigo 229 ( CF/88) e artigo 22 do Estatuto da Criança e do adolescente (Lei 8.069/90) o dever de garantir aos infantes a materialização de tais direitos é dos pais. Logo, pai e mãe não 'auxiliam' o filho, mas cumprem um dever moral e legal que lhes é imposto. E o sustento deve ser efetivo e não meramente formal, como seria se acatado o valor oferecido pelo réu (15% de seus rendimentos ou 30% do salário mínimo, fl. 201).

Usando esses parâmetros, o genitor restou condenado e os alimentos fixados em 16,5% dos seus rendimentos líquidos ou 100% do salário mínimo em caso de desemprego ou de trabalho informal.


Nota 1 = O réu suscitou preliminar de impugnação à gratuidade concedida à autora. sob o argumento que sua genitora aufere rendimentos altos, o que foi afastada pela magistrada, pois a autora é criança presumidamente hipossuficiente e sua genitora apenas a representa na ação, por ser incapaz. Leia nosso artigo "Menor tem direito à gratuidade da justiça independentemente da situação econômica dos seus pais".

Nota 2 = A Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo publicou o Comunicado nº 28/24, sobre o painel “Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”, criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Destacando a fundamental colaboração de todos os magistrados para o cumprimento das diretrizes estabelecidas pela Resolução CNJ nº 492/23, bem como para atender às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil.

Nota 3 = Íntegra da sentença ( clique aqui).

Nota 4 = Leia nosso artigo "Tribunal do Paraná valorou o trabalho invisível da mulher na fixação da pensão alimentícia para os filhos".

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terça-feira, 14 de maio de 2024

Spvat, o novo Dpvat - Congresso aprova a volta do seguro obrigatório

 Publicado por Wander Fernandes

Origem do seguro obrigatório

DPVAT - Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de vias terrestre, ou por carga, a pessoas transportadas ou não, foi criado pela Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974.

Referida Lei trazia como indenização o valor de 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país, para o caso de morte e de invalidez permanente. Bem como até 8 (oito) salários mínimos - como reembolso à vitima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas (Incisos I, IIIII, do art.  da Lei nº 6.194/ 1974).

Mudança valor indenização

Através da Lei nº 11.482/ 2007, esses valores foram alterados para R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte e invalidez permanente e até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso no caso de despesas de assistência médica.

Ocorre, no entanto, que esses valores infelizmente nunca foram atualizados, afastando-os da original correspondência ao número de salários mínimos.

Recebimento indenização

O pagamento dessas indenizações eram efetuados mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, havendo ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado e independentemente da identificação do veículo ou seu condutor.

Isso significa que, em um atropelamento por exemplo, havendo morte, invalidez permanente ou despesas médicas do atropelado, o seguro obrigatório pagará a indenização correspondente, mesmo que o atropelador fuja do local tornando impossível sua identificação, o que é muito comum.

Portanto, o seguro DPVAT, que era pago anualmente por todos os proprietários de veículos do país, amparava as vítimas de acidentes de trânsito, independentemente do responsável, oferecendo coberturas para três naturezas: morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas. Era administrado por um consórcio de companhias de seguros.

Partilha

Do total arrecadado com o seguro obrigatório, 45% era repassado ao Ministério da Saúde, para custear o atendimento médico-hospitalar de vítimas de acidentes de trânsito, e 5% iam para os programas de prevenção de acidentes. O restante (50%) ia para o pagamento das indenizações do seguro.

No ano de 2019 o DPVAT arrecadou cerca de R$ 2,26 bilhões, distribuídos da seguinte forma: R$ 1,13 bilhão para as indenizações; R$ 134 milhões ao Denatran e; 1,2 bilhão para SUS.

Todos os anos ao fazer o licenciamento do veículo, o proprietário pagava também o seguro obrigatório, que era depositado num fundo, que garantia o pagamento das despesas médicas e indenização por morte e invalidez permanente das vítimas de acidentes automobilísticos.

Suspensão obrigatoriedade pagamento do prêmio

De forma inconsequente, foi publicada a Medida Provisória nº 904/ 2019, extinguindo a partir de 1º/janeiro/2020, a obrigatoriedade do recolhimento do DPVAT e acabando com os repasses, mas mantendo a obrigação do Estado em pagar as indenizações para as vítimas de acidentes automobilísticos.

A Caixa Econômica Federal, contratada de forma emergencial pela Medida Provisória nº 1.149/ 2022, regularizando o contrato anteriormente firmado com a Susep em substituição a Seguradora Líder, ficou responsável pela gestão dos valores já arrecadados e pelos pagamentos das indenizações relativos ao período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2023.

Suspensão pagamentos indenizações

Diante disso, a Caixa informou não haver recursos para pagar as reparações dos acidentes ocorridos após 14/11/2023suspendendo os pagamentos.

Ou seja, quem sofreu acidente após 15/11/2023 só vai receber a indenização após o seguro obrigatório voltar a ser cobrado, tendo em vista que a obrigação da União pagar as vítimas continua vigente, sem, no entanto, fonte de custeio desde o ano de 2020.

Proposta do SPVAT

Razão pela qual o Governo Federal enviou para o Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar ( PLC nº 233/ 2023) que prevê o retorno do seguro obrigatório, no ano de 2025, sob o nome de Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT).

Referido PLC foi aprovado pela Câmara dos Deputados por 304 votos a 136 e pelo Senado por 41 votos a 28 e segue agora para a sanção presidencial que deve vetar o item que cria multa de trânsito por atraso no pagamento do SPVAT, pois o Presidente da República classificou como uma penalização excessiva colocada pelos deputados na tramitação do projeto na Câmara.

A aprovação do retorno da cobrança do seguro obrigatório contou, inclusive, com votos de parlamentares da oposição ( veja lista aqui).

Valor do prêmio

Esses eram os valores do DPVAT em 2020, último ano em que foi cobrado:

Automóveis: R$5,21; Ciclomotores: R$5,65; Caminhões: R$5,76; Micro-ônibus com frete: R$8,08; Ônibus, micro-ônibus e lotações sem cobrança de frete: R$8,08; Ônibus com cobrança de frete: R$10,53; Motocicletas, motonetas e similares: R$12,25.

Os novos prêmios poderão temporariamente ser cobrados em valor maior para quitar os sinistros ocorridos até a vigência do SPVAT. Os valores para equacionar o déficit do DPVAT serão destinados ao pagamento de indenizações, inclusive decorrentes de ações judiciais ajuizadas.

Crítica - Valor da indenização

Como já exposto acima, originalmente o valor da indenização por morte equivalia a 40 (quarenta) vezes o maior salário mínimo nacional (Lei nº 6.194/ 1974). Já a Lei nº 11.482/ 2007, fixou esse valor em R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), mantendo a paridade com a quantidade de salários mínimos (40 x R$ 350,00 = R$ 14 mil). Ocorre, no entanto, que referida lei deixou o valor fixo, sem prever qualquer índice de atualização.

Portanto, no caso de morte, o valor da indenização deveria equivaler hoje a R$ 56.480,00 (cinquenta e seis mil e quatrocentos e oitenta reais), como previsto originalmente e não a míseros R$ 13,500,00. Limitando também as demais hipóteses de indenização/ compensação.

Deixaram, o Executivo e o Legislativo, de corrigirem essa injustiça ao longo dos anos, até porque suspenderam a cobrança do seguro obrigatório sob o argumento de "excesso de recursos em caixa".

Com a adoção do SPVAT, essa distorção devia ter sido corrigida.

Prescrição

Os prêmios continuarão sendo administrados pela Caixa em um novo fundo agora denominado Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT). O prazo máximo para a vítima ou beneficiário herdeiro entrar com pedido de indenização é de três anos.

Pagamento indenização SPVAT

O pagamento da indenização do SPVAT será feito com prova simples do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa ou dolo e ainda que no acidente estejam envolvidos veículos não identificados ou inadimplentes com o seguro.

Após o recebimento de todos os documentos exigidos, a Caixa terá 30 dias para fazer o pagamento em conta corrente, de pagamento, de poupança ou de poupança social de titularidade da vítima ou do beneficiário. Caso haja atraso no pagamento, ele será reajustado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e por juros moratórios fixados pelo CNSP.

Natureza jurídica do seguro

Importante frisar que o DPVAT/ SPVAT não é imposto, como se afirma. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que se trata de seguro obrigatório de responsabilidade civil, afastada qualquer natureza jurídica tributária (STJ, REsp 1418347 / MG).

Importância do seguro obrigatório

Apenas no ano de 2020 foram pagas 310.710 indenizações, sendo: 33.510 por morte; 210.042 por invalidez permanente e; 67.138 por despesas médicas. Desse total de indenizações, 79% (ou seja 245.551) se referem a sinistros envolvendo motociclistas (fonte: Relatório Anual Seguradora Líder).

Já no ano de 2022 a Caixa recepcionou, pela via administrativa, 406.965 mil pedidos de indenização do DPVAT, sendo a indenização por Invalidez Permanente correspondendo a 59,9%, enquanto as indenizações por Morte e por Despesas Médicas e Suplementares (DAMS) representaram 21,1% e 19%, respectivamente. Os acidentes envolvendo motociclistas se destacaram, representando cerca de 75% do total, o que confirma o histórico de maior exposição desses condutores ao risco de ocorrências que resultem em indenização do DPVAT (fonte: Caixa - Relatório de Administração - DPVAT).

Não raro, essa é a única reparação recebida pela vítima ou sua família.

Fontes: Agência Câmara de Notícias; Senado Notícias: G1; Caixa; Congressoemfoco; Estadão; Relatório anual Seguradora LíderCaixa - Relatório de Administração - DPVAT).