sexta-feira, 3 de maio de 2024

Da Interdição e da Curatela sob a ótica do STJ e de acordo com a Lei de Inclusão/ Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 Publicado por Wander Fernandes

Resumo do artigo

A interdição tem como objetivo garantir os direitos e interesses do interditado, declarando-o incapaz e nomeando-o curador.  Neste artigo, julgados mais importantes e recentes analisando: legitimidade; escolha, dispensa e escusa do curador; atos anteriores a interdição; Ministério Público; nulidades; laudo médico; mancomunhão; locupletamento ilícito; prestação de contas; terceiro interessado; curatela compartilhada; entre outros. 

Constatada que uma pessoa maior de 18 (dezoito) anos, por algum motivo, não tem capacidade de gerenciar os atos de sua vida civil, necessária sua interdição e consequente nomeação de curador, cuja conveniência será obrigatoriamente apreciada pelo Judiciário.

A interdição e a curatela estão expressamente previstas no artigo 1.774 e seguintes do Código Civil e 747 e seguintes do Código de Processo Civil.

Com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão - LBI - (Lei 13.146/ 2015), a apreciação judicial passou a ter dois momentos distintos: i) a interdição, em que se avalia a real incapacidade para a gestão da vida civil; e ii) a curatela, mecanismo pelo qual uma pessoa (ou mais) se torna responsável por cuidar do interditado e gerir suas rendas e seu patrimônio.

Apesar do curatelado ter a sua capacidade de agir reduzida ou comprometida sobre certos atos da vida civil, a sua dignidade, prevista no art. , inciso III, da Constituição Federal de 1988, permanece inviolada. É a jurisprudência do STJ, que destaca a importância do caráter social da curatela:

"O curador deverá ter sempre em conta a natureza assistencial e o viés de inclusão da pessoa curatelada, permitindo que ela tenha certa autonomia e liberdade, mantendo seu direito à convivência familiar e comunitária, sem jamais deixá-la às margens da sociedade" (STJ, REsp 1.515.701/ RS).

Os casos mais complexos acabam sendo apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vejamos:

Legitimidade ativa para ajuizamento da ação de interdição

Para a 3a Turma, a ordem dos legitimados para o ajuizamento da ação de interdição não é preferencial, e qualquer pessoa que se enquadre no conceito de parente do Código Civil é parte legítima para propor esse tipo de ação.

O processo, REsp 1.346.013/ MG no STJ, começou quando um homem requereu a interdição de sua sobrinha, afirmando que ela foi diagnosticada com esquizofrenia e seria incapaz para os atos da vida civil. Na contestação, a interditanda sustentou que seu tio não tinha legitimidade para ajuizar a ação, uma vez que a ordem prescrita nos artigos 1.768 do CC e 1.177 do CPC não foi observada. A sobrinha alegou, ainda, que somente na falta ou na impossibilidade dos pais é que a lei confere a outro parente a legitimidade para a propositura da ação de interdição.

O relator do recurso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que a enumeração dos legitimados prevista no artigo 1.177 do CPC é taxativa, mas não preferencial, podendo qualquer dos indicados propor a ação.

De acordo com o magistrado, o caso é de legitimação concorrente, não sendo a propositura da ação prerrogativa de uma única pessoa, pois mais de um legitimado pode requerer a curatela, formando-se um litisconsórcio ativo facultativo. "Ambos os pais, ou mesmo mais de um parente pode propor a ação, cabendo ao juiz escolher, em momento oportuno, quem vai exercer o encargo", explicou.

O ministro também destacou que a interdição pode ser requerida por quem a lei reconhece como parente: ascendentes e descendentes de qualquer grau (artigo 1.591 do CC) e parentes em linha colateral até o quarto grau (artigo 1.592 do Código Civil (STJ, REsp 1.346.013/ MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3a Turma, j. 13/10/2015, DJe 20/10/2015).

Processo de escolha do curador pelo juiz

Como o rol de curadores previsto em lei é exemplificativo, como descrito, com base no Código de Processo Civil ( CPC), no Código Civil ( CC) e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao nomear o curador, o juiz deve dar preferência ao cônjuge e aos parentes do curatelado, podendo, residualmente, atribuir o encargo a outra pessoa, procurando atender ao melhor interesse do incapaz.

"Esse processo de escolha do curador pelo juiz deve levar em conta as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências (artigo 755II, do CPC), o que pode ser melhor aferido através, precipuamente, da entrevista a ser realizada com a pessoa interditanda (artigo 751 do CPC)", disse o ministro Marco Aurélio Bellizze, em julgamento de recurso especial relativo à escolha de curador para uma paciente diagnosticada com psicose esquizoafetiva.

Os irmãos da interditanda recorreram ao STJ para alterar a escolha de uma médica nomeada como curadora pelas instâncias ordinárias, sob o fundamento de que haveria conflito de interesses, pois ela já tinha trabalhado na clínica onde a irmã estava internada – cujo dono estaria cobrando um valor muito alto da paciente.

Diante desse contexto, a Terceira Turma reconheceu a inaptidão da curadora, à vista do aparente conflito de interesses (ainda que indireto) no exercício do encargo, e determinou o retorno do processo ao juízo de origem para nomeação de novo curador (STJ, REsp 1.943.699/ SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3a Turma, j. 13/12/2022, DJe de 15/12/2022).

Litígio entre o interditando e o possível curador

No entanto, há muito o STJ considera que, em "havendo litígio entre o interditando e aquele que a lei estabelece como possível curador, não pode ser obedecida a ordem legal, por exigência natural das coisas. Estando a mulher litigando com o marido em ação de divórcio, não deve ser nomeada curadora provisoria dele. Art. 454 do CC/ 1973"(STJ, REsp 138.599/ SP, Rel. Min.Ruy Rosado de Aguiar, 4a Turma, julgado em 08/10/1997, DJ 10/11/1997).

Dispensa e escusa do curador

"(...) 2. O CPC/2015 e o CC estabelecem uma ordem de gradação legal ao exercício da curatela, devendo ser sempre escolhida pelo magistrado, em qualquer caso, aquela pessoa que melhor atenda aos interesses do incapaz, sendo esta a finalidade precípua do processo de interdição. Precedentes. 3. Excetuando-se os casos de dispensa ou escusa, bem como o previsto no art. 1.737, a tutela configura-se como uma obrigação imposta legalmente, um encargo público, que deve ser aceito pelo nomeado, se tiver todas as condições para sua investidura. 4. Motivos alegados como a"falta de tempo"ou a"ausência de afinidade ou afetividade"não são motivos dispostos na lei como possíveis de eximir o curador do encargo (STJ. AgInt no AREsp 2.316.769/ DF, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4a Turma, j. 20/11/2023, DJe de 24/11/2023).

Sentença de interdição não afeta atos anteriores

Ao julgar o AgInt nos EDcl no REsp 1.834.877/ SP, a 4a Turma reafirmou o entendimento de que a sentença de interdição possui natureza constitutiva, pois, além de declarar uma incapacidade preexistente, ela constitui uma nova situação jurídica, de sujeição do interditado à curatela, com efeitos ex nunc.

No caso concreto, um idoso firmou contrato de cessão de crédito em favor de três pessoas. Após a morte do cedente, o espólio afirmou que ele não tinha capacidade mental suficiente para celebrar o negócio, devido à idade avançada e a graves problemas de saúde – o que, inclusive, ensejou sua interdição. O espólio alegou ainda que houve dolo por parte dos cessionários, que teriam se aproveitado da situação do idoso para comprar, por apenas R$ 200 mil, um precatório avaliado em quase R$ 1 milhão.

O TJSP negou provimento ao recurso do espólio. No STJ, o ministro relator Raul Araújo apontou que, conforme consta nos autos, o cedente não aparentava distúrbio mental e estava lúcido à época da negociação, não havendo demonstração inequívoca de que já fosse incapaz naquele momento.

Para o relator, o entendimento do TJSP, de que a superveniência de incapacidade não afeta a validade dos contratos firmados anteriormente, estava em consonância com a jurisprudência do STJ, a qual prevê que a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, tem efeitos ex nunc. (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.834.877/ SP, rel. Min. Raul Araújo, 4a Turma, j. 21/3/2022, DJe de 25/4/2022.)

Ministério Público como defensor do curatelado

O tema não é pacífico no STJ.

Ao julgar o REsp 1.824.208/ BA, em 2019, a 3a Turma do STJ decidiu que a atuação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica, em ação de interdição da qual não é autor, impede que ele atue, simultaneamente, como defensor do curatelando.

No caso concreto uma mulher requereu a interdição de sua irmã. Como a"legislação prevê a nomeação de curador especial ao incapaz, para garantir a tutela dos seus próprios interesses e necessidades; e que a curadoria especial é função atípica e exclusiva da Defensoria Pública; forçoso reconhecer a falta de atribuição do Parquet para funcionar nos autos como defensor da curatelanda. A inexistência, em determinada comarca, de órgão da Defensoria Pública do Estado para exercer a curadoria especial deve ser suprida segundo as normas locais que regulamentam a sua organização e o seu funcionamento e, na impossibilidade de tal suprimento, há de ser designado advogado dativo"(STJ, REsp 1.824.208/BA, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 10/12/2019, DJe de 13/12/2019).

No mesmo ano, a 4a Turma do STJ, ao julgar o AgInt no AREsp 1470628 / BA, lembrou que o entendimento pacífico daquela Corte Superior"é no sentido de que nos procedimentos de interdição não ajuizados pelo Ministério Público, cabe ao órgão ministerial defender os interesses do interditando e a designação de curador especial pressupõe a presença de conflito de interesses entre o incapaz e o representante legal, o que não é o caso dos autos. Precedentes"(STJ, AgInt no AREsp 1.470.628/ BA, rel. Min. Marco Buzzi, 4a Turma, j. 17/12/2019, DJe de 3/2/2020).

Nulidade de ação que envolve incapaz por falta de intimação do MP não é automática

"A ausência da intimação do Ministério Público, quando necessária sua intervenção, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica", declarou o ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1.694.984/ MS.

Uma empresa ajuizou ação de rescisão contratual e reintegração de posse contra uma mulher e obteve vitória parcial em primeira instância. Na apelação, o curador da ré afirmou que ela foi interditada durante o curso do processo, por ter sido considerada absolutamente incapaz para os atos da vida civil, e requereu a declaração de nulidade da citação feita em seu nome.

O MP estadual também pediu a anulação do processo, por vício na citação e ainda porque não houve a intimação do órgão para atuar no feito, o qual envolvia interesse de pessoa que foi declarada incapaz na ação paralela de interdição.

Ao analisar o caso, a 4a Turma reafirmou o entendimento de que os atos do interditado anteriores à interdição até podem ser reconhecidos como nulos, mas esse não é um efeito automático da sentença de interdição, devendo ser proposta ação específica de anulação do ato jurídico, na qual precisará ser demonstrado que já havia incapacidade na época de sua realização.

Quanto à falta de intimação do MP, o ministro Salomão, relator, afirmou que a intervenção do órgão nos processos que envolvem interesse de incapaz"se justifica na possibilidade de desequilíbrio da relação jurídica e no eventual comprometimento do contraditório em função da existência da parte vulnerável". No entanto, o magistrado observou que," no instante do ajuizamento da ação de rescisão contratual, não havia sido decretada a interdição, não havendo se falar, naquele momento, em interesse de incapaz e obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público ". Além disso, apesar da falta de intimação do MP nesse processo, Salomão considerou que o órgão compareceu aos autos, após denúncia de terceiro sobre possíveis irregularidades, e pôde cumprir seu papel por meio de"inúmeras manifestações"(STJ, REsp 1.694.984/ MS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4a Turma, j. 14/11/2017, DJe de 1/2/2018).

No mesmo sentido, acerca da participação do Ministério Público em entrevista com o curatelado, entendeu a Ministra Nancy Andrighi no REsp 1.795.395/ MT, que uma possível nulidade do processo devido à falta de comparecimento do Ministério Público (MP)à audiência de interrogatório do curatelado. Nesse ponto, a relatora destacou que, de acordo com o artigo 279 do CPC, a causa de nulidade não seria a falta de participação do Ministério Público em atos processuais, mas a inexistência de intimação – o que não aconteceu no caso, pois o órgão ministerial foi devidamente intimado. Segundo ela, se é possível ao MP se colocar contra o interesse do autor da ação de interdição, ele também pode, se for intimado, deixar de se manifestar ou de intervir na prática de ato processual quando considerar que isso é dispensável (STJ, REsp 1.795.395/MT, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 4/5/2021, DJe de 6/5/2021).

Ausência de interrogatório do interditando pode levar à anulação do processo

Em outro caso ( REsp 1686161/ SP), no qual também decidiu que o MP não poderia atuar como curador especial, a 3a Turma entendeu que a ausência de interrogatório do interditando dá ensejo à nulidade do processo de interdição.

Uma mulher ajuizou ação de interdição com pedido de tutela antecipada para obter a curatela provisória de sua mãe, diagnosticada com mal de Alzheimer. O MP se manifestou pela necessidade de interrogatório da idosa, mas o juízo de primeiro grau dispensou a providência, com base na qualidade da perícia médica, e decretou a interdição, nomeando a filha como curadora. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento ao recurso do MP.

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou ser importante que o juiz proceda ao exame pessoal por meio de entrevista, ainda que não tenha conhecimentos para fazer diagnósticos. Segundo ela, o exame pessoal não é apenas para avaliação do estado biológico do interditando, mas serve para verificar seus laços afetivos, suas condições materiais e cognitivas, a forma como se relaciona e se comporta em sociedade e, especialmente, sua opinião sobre a interdição e sua relação com quem pretende ser o curador.

"O exame a ser feito mediante interrogatório em audiência, pessoalmente pelo juiz, não é, portanto, mera formalidade. Ao contrário, é medida que garante a participação e a própria defesa do interditando no processo. Aliás, é também medida de humanização do trabalho judicial, que poderá, com habilidade e dedicação, conhecer fatos que o processo oculta ou omite", declarou (STJ, REsp 1.686.161/ SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 12/09/2017, DJe 15/09/2017).

Laudo médico pode ser dispensado na propositura da ação de interdição

O STJ ao analisar o REsp 1.933.597/ RO, entendeu pela flexibilização da exigência do laudo médico como elemento fundamental da petição inicial da ação de curatela, desde que esteja evidenciada a impossibilidade de apresentação do documento, conforme dispõe o art. 750 do CPC/15.

O Recurso Especial em discussão originou-se em razão de ação de curatela que fora extinta sem resolução do mérito com fulcro no art. 485VI, do CPC/15 em razão da ausência do referido laudo médico na propositura da ação.

Ao ajuizarem o pedido de interdição de sua mãe, duas mulheres não conseguiram juntar à petição inicial o laudo médico sobre a condição da interditanda, pois ela se recusava a fazer qualquer tipo de tratamento com especialista. O juízo de primeira instância extinguiu o processo sem resolução do mérito por ausência de interesse processual (artigo 485, inciso VI, do CPC), ao fundamento de que não foi apresentado documento indispensável. O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) negou provimento à apelação das autoras.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, observou que, embora o artigo 750 do CPC mencione o laudo médico como necessário à propositura da ação de interdição, esse mesmo dispositivo legal ressalva, expressamente, a possibilidade de tal documento ser dispensado na hipótese em que for impossível juntá-lo à petição inicial.

A relatora também ressaltou que o laudo precisa apenas fornecer elementos indiciários, que tornem juridicamente plausível a tese de que estariam presentes os requisitos para a interdição, de modo a viabilizar o prosse-guimento da ação. Ela ponderou que o laudo não substitui a prova pericial a ser produzida em juízo, de forma que o julgador não deve ser demasiadamente rigoroso diante da alegação de impossibilidade de apresentá-lo.

"Se se tratasse de um documento indispensável à decisão de mérito, deveria o julgador ser mais rigoroso, mas, por se tratar de documento necessário à propositura da ação e ao perfunctório exame de plausibilidade da petição inicial, deve ele ser mais flexível, justamente para não inviabilizar o acesso à Justiça", afirmou (STJ, REsp 1.933.597/ RO, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 26/10/2021, DJe de 3/11/2021).

Prestação de contas do cônjuge curador em regime de comunhão total de bens

Uma vez escolhido o curador, assim como ocorre na tutela, deverá haver a prestação de contas de sua administração, pois está na posse de bens do incapaz ( CC, artigos 1.7551.774 e 1.781). No entanto, o próprio Código Civil previu uma exceção a essa regra: quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for a comunhão universal (artigo 1.783).

Para a 4a Turma, contudo, a Justiça poderá determinar que seja feita a prestação de contas mesmo nessa situação. Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou à ex-mulher de um curatelado que prestasse contas do período em que administrou os seus bens.

Segundo o processo, ele sofreu um acidente vascular cerebral em 2006 e passou a ser curatelado pela então esposa até 2009. O casamento foi celebrado com regime de comunhão total de bens. Após se recuperar do AVC, ele pediu a prestação de contas sob a alegação de que teria havido dilapidação do seu patrimônio durante o período.

" Ainda que se trate de casamento sob o regime da comunhão de bens, diante do interesse prevalente do curatelado, havendo qualquer indício ou dúvida de malversação dos bens do incapaz, com a periclitação de prejuízo ou desvio de seu patrimônio – tratando-se de bens comuns, objetos de meação –, penso que o magistrado poderá (deverá) decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador, resguardando o interesse prevalente do curatelado e a proteção especial do incapaz ", disse o relator. (STJ, REsp 1.515.701/RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4a Turma, j. 2/10/2018, DJe de 31/10/2018).

Mancomunhão e locupletamento ilícito

Já decidiu o STJ que" a administração do patrimônio comum da família compete a ambos os cônjuges (arts. 1.663 e 1.720 do CC), sendo certo que o administrador dos bens em estado de mancomunhão tem o dever de preservar os bens amealhados no transcurso da relação conjugal, sob pena de locupletamento ilícito "(STJ, REsp 1.470.906/ SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3a Turma, julgado em 06/10/2015, DJe 15/10/2015).

De forma excepcional, poder do curador pode ser estendido a outros atos da vida civil

Como regra, os poderes conferidos ao curador englobam os atos de caráter patrimonial e negocial da vida do curatelado, conforme o artigo 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/ 2015). Para a 3a Turma, no entanto, em caráter excepcional e de forma fundamentada, esses poderes podem ser ampliados para outros atos da vida civil, sem que isso implique a declaração de incapacidade absoluta do curatelado.

Esse entendimento foi aplicado pelo colegiado em recurso no qual a Defensoria Pública de Minas Gerais, como representante de uma curatelada, recorreu de acórdão que ampliou os poderes da curadora, filha da interditada. A decisão foi tomada em razão de a genitora estar internada em estado grave e inconsciente.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que a extensão conferida à curatela, no caso, não significa que as pessoas com enfermidade ou deficiência mental estejam inseridas no rol dos absolutamente incapazes,"o que, aliás, iria de encontro à própria redação atual do artigo  do Código Civil, que restringe a incapacidade absoluta apenas aos menores de 16 anos".

Na avaliação do ministro, a ampliação da curatela para outros atos da vida civil foi feita em caráter excepcional e extraordinário, a partir do reconhecimento do quadro de comprometimento global da curatelada, embasado em laudo pericial minucioso, de modo que não contrariou a lei (STJ, REsp 1.998.492/ MG, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3a Turma, j. 13/6/2023, DJe de 19/6/2023).

Fixação de curatela compartilhada para interditado não tem caráter obrigatório

A curatela compartilhada é instituto desenvolvido pela jurisprudência que visa facilitar o desempenho da curatela ao atribuir o munus (obrigação) a mais de um curador simultaneamente.

Ao contrário do que ocorre com a guarda compartilhada, não há obrigatoriedade na fixação da curatela compartilhada, o que só deve ocorrer quando ambos os genitores tiverem interesse no exercício da curatela ou quando se mostrarem aptos ao exercício do munus, e, ainda, quando o juiz, a partir das circunstâncias do caso, considerar que a medida é a que melhor resguarda os interesses do curatelado.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma em julgamento de recurso no qual o pai de um interditado alegou, entre outros pontos, que seria obrigatório que o filho fosse ouvido para se manifestar sobre a adoção da curatela compartilhada. Nesse caso, a mãe havia sido nomeada pelas instâncias ordinárias como curadora definitiva.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que compete aos legitimados requerer a fixação da medida, não estando o juiz obrigado a estabelecer, de ofício, a curatela compartilhada, tampouco a oportunizar aos interessados a manifestação acerca do tema. No caso, o pedido da curatela compartilhada foi negado em razão de não ter sido feito formalmente pelo pai durante a tramitação do processo em primeiro grau, só sendo apresentado quando o processo já estava em fase de apelação (STJ, REsp 1.795.395/ MT, rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 4/5/2021, DJe de 6/5/2021).

Terceiro interessado também pode propor ação de levantamento de curatela

O rol do artigo 756§ 1º, do CPC não enuncia todos os legitimados para propor a ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que o pedido seja ajuizado por outras pessoas, qualificadas como terceiros juridicamente interessados. Com esse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao recurso de uma terceira interessada para permitir o prosseguimento da ação que discutia a necessidade de manutenção da curatela no caso de um homem que se envolveu em acidente automobilístico e posteriormente foi aposentado por invalidez (STJ, REsp 1735668/ MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. 11/12/2018, DJe 14/12/2018).

Hipotecas legal - Garantia prestada pelo curador

É possível ao juiz exigir a prestação de garantia por parte do curador mediante o registro e a especialização das hipotecas legais, mesmo na vigência do CPC/ 2015, conforme entendimento do STJ.

Para o colegiado, embora a hipoteca não seja mais exigida na vigência do Código de Processo Civil de 2015 ( CPC/2015), o juiz pode determinar a prestação de alguma garantia pelo curador, e nada impede que esta se dê mediante a especialização de hipoteca legal, isto é, a especificação de imóvel do curador que será hipotecado como garantia do patrimônio do curatelado a ser administrado por ele (STJ, REsp 1.640.969/ MG, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4a Turma, j. 2/8/2022, DJe de 16/8/2022).


Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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