quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guarda compartilhada sim, responsabilidade nem sempre.

 

O presente trabalho busca analisar se a responsabilidade civil dos pais por danos causados por filhos menores é objetiva para ambos os pais, nos termos do art. 932I, do Código Civil, ou se há exceção que obrigue apenas um, especialmente considerando as espécies de guarda e o local que é exercida.

De início, importante frisar que a guarda consiste no dever de prestar assistência educacional, material e moral ao filho menor, no exercício do poder familiar e de responsabilidades, direitos e deveres relativos à criação da criança ou do adolescente, previsto nos arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil.

Código Civil fala em guarda unilateral e em guarda compartilhada. A unilateral ocorre quando um dos pais fica com a guarda exclusiva e o outro possui apenas o direito de visitas/ convivência (art. 1.583§ 1º, do CC). Já na compartilhada ambos os pais são responsáveis pela guarda e decisões relativas ao filho, tomando-as em conjunto, baseadas no diálogo e consenso. O filho terá residência fixada com apenas um dos pais (art. 1.583§ 2º, do CC).

A guarda compartilhada dos filhos passou a ser a regra no sistema jurídico brasileiro a partir da vigência da Lei nº 13.058/ 2014.

A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Em outras palavras, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ, REsp 1605477/ RS).

O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada (STJ, REsp 1878041/ SP, Informativo de Jurisprudência 698).

Caso concreto analisado pelo STJ, com filho menor residindo em cidade diversa da mãe, em companhia do pai, restou decidido que:

"Mãe que mora em cidade diversa de seu filho menor não responde civilmente pelos danos por ele causados". Tendo em vista a seguinte exceção: "os pais só respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia", nos termos do inciso I, do art. 932, do CC.

O presente caso foi destaque no Informativo de Jurisprudência nº 575, do STJ, com o seguinte teor:

DIREITO CIVIL. HIPÓTESE DE INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DA MÃE DE MENOR DE IDADE CAUSADOR DE ACIDENTE.
A mãe que, à época de acidente provocado por seu filho menor de idade, residia permanentemente em local distinto daquele no qual morava o menor - sobre quem apenas o pai exercia autoridade de fato - não pode ser responsabilizada pela reparação civil advinda do ato ilícito, mesmo considerando que ela não deixou de deter o poder familiar sobre o filho.
A partir do advento do CC/2002, a responsabilidade dos pais por filho menor (responsabilidade por ato ou fato de terceiro) passou a embasar-se na teoria do risco, para efeitos de indenização.
Dessa forma, as pessoas elencadas no art. 932 do CC/2002 respondem objetivamente (independentemente de culpa), devendo-se, para tanto, comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual os pais são legalmente responsáveis.
Contudo, nos termos do inciso I do art. 932, são responsáveis pela reparação civil "os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia".
A melhor interpretação da norma se dá nos termos em que foi enunciada, caso contrário, bastaria ao legislador registrar que os pais são responsáveis pelos filhos menores no tocante à reparação civil, não havendo razão para acrescentar a expressão "que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia".
Frise-se que "autoridade" não é sinônimo de "poder familiar". Esse poder é um instrumento para que se desenvolva, no seio familiar, a educação dos filhos, podendo os pais, titulares desse poder, tomar decisões às quais se submetem os filhos nesse desiderato.
"Autoridade" é expressão mais restrita que "poder familiar" e pressupõe uma ordenação. Assim, pressupondo que aquele que é titular do poder familiar tem autoridade, do inverso não se cogita, visto que a autoridade também pode ser exercida por terceiros, tal como a escola.
No momento em que o menor está na escola, os danos que vier a causar a outrem serão de responsabilidade dela, e não dos pais.
Portanto, o legislador, ao traçar que a responsabilidade dos pais é objetiva, restringiu a obrigação de indenizar àqueles que efetivamente exercem autoridade e tenham o menor em sua companhia.
Nessa medida, conclui-se que a mãe que não exerce autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenha o poder familiar, não deve responder pelos danos que ele causar.
STJ, REsp 1.232.011/ SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/12/2015, DJe 4/2/2016 (Informativo de Jurisprudência 575).

O julgado restou assim ementado:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO MENOR. INDENIZAÇÃO AOS PAIS DO MENOR FALECIDO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. REVISÃO. ART. 932I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. A responsabilidade dos pais por filho menor - responsabilidade por ato ou fato de terceiro -, a partir do advento do Código Civil de 2002, passou a embasar-se na teoria do risco para efeitos de indenização, de forma que as pessoas elencadas no art. 932 do Código Civil respondem objetivamente, devendo-se comprovar apenas a culpa na prática do ato ilícito daquele pelo qual são os pais responsáveis legalmente. Contudo, há uma exceção: a de que os pais respondem pelo filho incapaz que esteja sob sua autoridade e em sua companhia; assim, os pais, ou responsável, que não exercem autoridade de fato sobre o filho, embora ainda detenham o poder familiar, não respondem por ele, nos termos do inciso I do art. 932 do Código Civil. 2. Na hipótese de atropelamento seguido de morte por culpa do condutor do veículo, sendo a vítima menor e de família de baixa renda, é devida indenização por danos materiais consistente em pensionamento mensal aos genitores do menor falecido, ainda que este não exercesse atividade remunerada, visto que se presume haver ajuda mútua entre os integrantes dessas famílias. 3. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido também parcialmente (STJ, REsp 1.232.011/ SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, 3a Turma, j. 17/12/2015, DJe de 4/2/2016).

Conclui-se, portanto, que o legislador, ao traçar que a responsabilidade dos pais é objetiva, restringiu a obrigação de indenizar àqueles que efetivamente exercem autoridade e tenham o menor em sua companhia, independentemente da guarda compartilhada e do poder familiar, exercidos por ambos.



 

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