terça-feira, 7 de novembro de 2023

O herdeiro que ocupa sozinho imóvel deixado pelo falecido deve pagar aluguel? E o IPTU e o condomínio?

 

Recorrente nas consultas aos advogados, o tema está pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que o herdeiro ou meeiro, que está na posse exclusiva e usufruindo de bem imóvel da herança, contra a vontade dos demais herdeiros, deverá pagar-lhes aluguel proporcional.

A conclusão daquela Corte encontra fundamento, também, no princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa (art. 884, do Código Civil).

Notificação de oposição - Para a fixação do aluguel o STJ exige a prévia notificação do ocupante exclusivo do imóvel, que pode se dar pela via judicial ou extrajudicial, caso contrário, a ocupação será interpretada à título de comodato gratuito (empréstimo) do bem. A notificação explicitará a oposição dos demais herdeiros ou condôminos à ocupação exclusiva, e terá como escopo a desocupação do imóvel, ou proceder o pagamento de aluguel proporcional, considerando o valor de mercado.

Nesse sentido:

“(...) Cessado o comodato, por meio de notificação judicial ou extrajudicial, o condômino privado da posse do imóvel tem direito ao recebimento de aluguéis proporcionais a seu quinhão dos proprietários que permaneceram na posse exclusiva do bem, medida necessária para evitar o enriquecimento sem causa da parte que usufrui da coisa” (STJ, REsp 1.953.347 / SP).

Ainda:

"(...) Cobrança de aluguel. Herdeiros. Utilização exclusiva do imóvel. Oposição necessária. Termo inicial. Aquele que ocupa exclusivamente imóvel deixado pelo falecido deverá pagar aos demais herdeiros valores a título de aluguel proporcional, quando demonstrada oposição à sua ocupação exclusiva. Nesta hipótese, o termo inicial para o pagamento dos valores deve coincidir com a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros” (STJ, REsp 570723/ RJ).

E ainda, julgado recente (DJe de 12/8/2022):

"(...) São devidos os aluguéis, por uso exclusivo de bem imóvel pertencente ao espólio, após a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. Isso porque somente com a denúncia dos demais herdeiros e coproprietários/condôminos do espólio é que se encerra o comodato gratuito que antes vigorava, que normalmente ocorre com o ajuizamento da ação de cobrança ou com a manifestação inequívoca de discordância já no decorrer da ação de inventário"(STJ, AgInt no REsp n. 1952149/ DF).

IPTU e condomínio – O ocupante do imóvel é responsável pelo pagamento dos gastos ordinários de impostos e condomínio sobre o imóvel assim como é responsável pela manutenção do bem com a obrigação de restitui-lo no estado em que o recebeu. Já decidiu o STJ:

"(...) A questão discutida consiste em saber de quem é a responsabilidade, no bojo de ação de inventário, pelos encargos com IPTU e taxa condominial de imóvel, objeto da herança, utilizado com exclusividade pela inventariante (viúva) 3. Na hipótese, contudo, a inventariante reside de forma exclusiva no imóvel objeto de discussão, tolhendo o uso por parte dos demais herdeiros, não havendo, tampouco, qualquer pagamento de aluguel ou indenização referente à cota-parte de cada um na herança. Dessa forma, em relação ao respectivo imóvel, não se mostra razoável que as verbas de condomínio e de IPTU, após a data do óbito do autor da herança, sejam custeadas pelos demais herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa, devendo, portanto, as referidas despesas serem descontadas do quinhão da inventariante"(STJ, REsp 1704528/ SP).

Direito real de habitação – Importante lembrar que se o cônjuge ou companheiro sobrevivente já residia no imóvel não se aplica a cobrança de aluguel, pois estaremos diante do direito real de habitação. O artigo 1.414 do Código Civil é expresso em relação ao caráter gratuito do direito real de habitação. Já tratei do tema em artigo próprio ( clique aqui). Julgado:

"O direito real de habitação tem caráter gratuito, razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel. Seria um contrassenso atribuir-lhe a prerrogativa de permanecer no imóvel em que residia antes do falecimento do seu companheiro, e, ao mesmo tempo, exigir dele uma contrapartida pelo uso exclusivo (STJ, REsp: 1846167/ SP).

Frisa-se, no entanto, que o direito real de habitação dispensa apenas do pagamento de aluguel, obrigando o cônjuge sobrevivente o pagamento do condomínio e do IPTU sobre o imóvel que usa com exclusividade.

Ação cabível - Como o aluguel só será devido a partir da notificação do herdeiro que exerce a posse, caso não comece a pagar aluguel a partir deste momento ou desocupe o imóvel, os demais herdeiros podem ingressar com Ação de Arbitramento de Aluguel (art. 1.319, do Código Civil), requerendo ao juiz que condene o herdeiro ao pagamento de aluguel proporcional considerando o valor de mercado e também todas as despesas do imóvel. Ação que tem prazo prescricional de 3 (três) anos, contados a partir da notificação (art. 206§ 3ºI, do Código Civil).

Via de regra quem tem legitimidade para propor a ação é o espólio, pois é ele quem pode receber e dar quitação dos aluguéis e não os herdeiros. Portanto, os valores dos aluguéis advindos dos imóveis objetos de inventário podem, por exemplo, ser destinados a pagar dívidas deixadas pelo falecido, bem como impostos. Há, no entanto, julgado do STJ que acolheu a legitimidade dos herdeiros (STJ, Resp 570723/ RJ).

Usucapião - A falta da notificação de oposição da posse exclusiva exercida contra a vontade dos demais herdeiros, não impede a fluição do prazo da prescrição aquisitiva entre os herdeiros, além de preencher alguns dos requisitos (posse com "animus domini"; posse contínua e sem oposição; fluição do prazo aquisitivo). Leia meu artigo sobre usucapião ( clique aqui). Vejamos precedentes do STJ:

"(...) 2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros (...) 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino –, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. 8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária (...)"(STJ, REsp 1631859/ SP).

No mesmo sentido:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva com animus domini e sejam atendidos os requisitos legais do usucapião. 2. Agravo regimental provido. (STJ - AgRg no AREsp 22114/ GO).

Outros julgados no mesmo sentido:

STJ REsp 10978/ RJ, STJ REsp 668131/ PR, e STJ AgRg no Ag 731971/ MS.

Oportuno frisar que todos os entendimentos acima elencados se aplicam igualmente para os bens móveis objetos do inventário. Portanto, na eventualidade do uso de veículo com exclusividade por um dos herdeiros, o espólio poderá cobrar aluguel proporcional, bem como ficará responsável pelo pagamento do IPVA, manutenção e multas.

Conclui-se, portanto, que se um herdeiro receber frutos do acervo patrimonial mais do que o outro, deve devolver, de modo que cada um receba o valor de forma igualitária. Razão pela qual o herdeiro ou meeiro, que está na posse exclusiva e usufruindo de bem imóvel da herança, contra a vontade dos demais herdeiros, deverá pagar-lhes aluguel proporcional, arcando com os impostos, taxa condominial, demais despesas e manutenção do imóvel, objeto da herança. Tal agir obedece o princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa do artigo 884, do CC, bem como responsabiliza o condômino pelos danos que causou (art. 1.219, do Código Civil).

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