Resumo do artigo = A relação conhecida como sugar, em que um adulto oferece vantagens econômicas a um adolescente em troca de favores sexuais, caracteriza exploração sexual quando envolve menores de 18 anos. Essa prática, independentemente do consentimento da vítima, configura o crime previsto no art. 218-B, §2º, I, do Código Penal, dada a vulnerabilidade presumida dessa faixa etária e a natureza mercantilista da relação. Se menor de 14 anos, o crime é o de estupro.
O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas em troca de sexo configura o crime previsto no art , 218-B, parágrafo 2º, I, do Código Penal (exploração sexual).
Ao julgar o AREsp 2529631 / RJ, em 10/9/2024, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assim entendeu, mantendo a condenação de um americano a quatro anos e oito meses de reclusão por exploração sexual de uma menina de 14 anos. Segundo o processo, os dois se conheceram em um site de relacionamentos que favorece o arranjo do tipo sugar daddy-sugar baby, em que há troca de benefícios econômicos por favores sexuais entre uma pessoa madura, bem posicionada financeiramente, e outra mais jovem, muitas vezes menor de idade.
Importante lembrar que em relação aos menores de 14 anos o crime é o de estupro, nos temos da Súmula 593 do STJ =
" O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente” .
Em janeiro de 2021, o americano pagou passagens aéreas para a menor, a mãe e o irmão dela, bem como hospedagem em hotel de luxo no Rio de Janeiro e outras vantagens econômicas indiretas. Sob a promessa de auxílio em sua carreira de influencer digital, a menor foi submetida a atos libidinosos pelo estrangeiro.
Na ocasião, testemunhas chamaram a polícia, que flagrou o homem e a menina em um quarto do hotel. O estrangeiro foi denunciado pelo Ministério Público e condenado a dez anos de reclusão em primeiro grau, pena reduzida para quatro anos e oito meses pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
Proteção à dignidade e à integridade sexual de indivíduos vulneráveis
Ao falar da relação entre moral e direito penal, o relator do caso na Quinta Turma, ministro Ribeiro Dantas, disse que o artigo 218-B do Código Penal estabelece penas rigorosas para aqueles que facilitam ou promovem a prostituição ou outra forma de exploração sexual de menores de 18 anos,"tratando-se de um tipo penal que busca proteger a dignidade e a integridade sexual dos indivíduos mais vulneráveis".
Segundo o ministro, a intenção da lei é prevenir que adultos usem de manipulação, poder econômico ou influência para envolver adolescentes em práticas sexuais. Ao tipificar a conduta de forma objetiva, afirmou, a legislação tem o objetivo de desestimular comportamentos predatórios e garantir um ambiente mais seguro para o desenvolvimento dos jovens.
Em seu voto, Ribeiro Dantas comentou os desafios atuais da proteção aos menores, expostos mais cedo e com mais intensidade a conteúdos sexuais – tanto nas redes sociais quanto pelo acesso fácil a sites de conteúdo adulto. O ministro também ponderou sobre a falta de uma educação sexual adequada, que proporcione aos menores informações precisas e úteis sobre consentimento, limites pessoais e respeito mútuo.
"A proteção da dignidade sexual dos menores entre 14 e 18 anos é um imperativo jurídico e moral em uma sociedade em que a sexualidade precoce está cada vez mais presente. O artigo 218 do Código Penal representa um esforço legislativo para responder a essa realidade, fornecendo uma estrutura legal clara e objetiva para proteger os adolescentes. A eficácia dessa proteção, no entanto, depende de um diálogo constante entre a lei e as mudanças sociais, bem como de uma educação sexual adequada e da aplicação rigorosa da legislação vigente", ressaltou.
Lei protege adolescentes de comportamentos sexuais mercantilistas
O ministro explicou que o arranjo sugar baby-sugar daddy, ainda que envolva a troca de benefícios materiais, não se enquadra necessariamente nos elementos configuradores do crime de exploração sexual, nos casos em que as partes são adultas e consentem com os termos do relacionamento.
Contudo, o relator destacou que induzir adolescente maior de 14 e menor de 18 anos a praticar qualquer ato sexual mediante vantagens econômicas diretas ou indiretas caracteriza o tipo penal do artigo 218-B, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal, e fere os princípios de proteção à dignidade e ao desenvolvimento saudável dos jovens.
"A análise do tipo penal sob a perspectiva das normas sociais apropriadas e dos propósitos característicos dessas práticas revela que tal conduta não encontra aceitação razoável. O legislador, ao proteger a dignidade sexual dos adolescentes entre 14 e 18 anos, reconheceu a vulnerabilidade inerente a essa faixa etária, que os impede de expressar comportamentos sexuais mercantilistas de forma livre e irrestrita", concluiu.
Tese fixada
No referido julgado foi fixada a seguinte tese sobre o tema:
"O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, porquanto essa relação se constrói a partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o menor à prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso".
Íntegra da ementa:
Aqui, a íntegra da ementa do AREsp 2529631 / RJ.
PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ART. 65, III, D, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ENTRE A DENÚNCIA E A SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME DE FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA, ADOLESCENTE OU VULNERÁVEL (ART 218-B, § 2º, I, DO CP). RELAÇÃO CARACTERIZADA PELO FAVORECIMENTO SEXUAL EM TROCA DE VANTAGENS ECONÔMICAS DIRETAS OU INDIRETAS. MENOR DE IDADE NA CONDIÇÃO DE SUGAR BABY NÃO PODE MANTER RELAÇÕES NESSES MOLDES. TIPICIDADE CONFIGURADA. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. LEGALIDADE. AGRAVO CONHECIDO PARA CONHECER EM PARTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESTA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO. 1. Não há prequestionamento do art. 65, III, d, do CP. Com efeito, apesar da oposição dos embargos de declaração, o Tribunal de origem não se manifestou sobre a matéria tratada no dispositivo legal apontado pela parte recorrente, o que atrai a incidência da Súmula 211/STJ. Tampouco pode ser admitido o prequestionamento ficto do tema, pois o recurso especial não demonstrou ofensa ao art. 619 do CPP, para que fosse possível aferir eventual omissão da Corte local.
2. A denúncia detalhou atos que configuram exploração sexual, conforme o art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal. Não há incongruência entre a denúncia e a sentença, pois a peça acusatória especifica a conduta do acusado ao atrair a vítima para seu domínio, sob o pretexto de ajudá-la, mas com o objetivo de exploração sexual.
3. Constata-se dos autos que o réu foi acusado de facilitar e promover a exploração sexual de uma adolescente, maior de 14 e menor de 18 anos, por meio de um site de relacionamentos, oferecendo transporte, hospedagem e outras vantagens econômicas indiretas. A vítima, atraída para um hotel de luxo sob a promessa de auxílio em sua carreira de influencer digital, foi submetida a atos libidinosos pelo réu.
4. A relação conhecida como sugar, em que um adulto oferece vantagens econômicas a um adolescente em troca de favores sexuais, caracteriza exploração sexual quando envolve menores de 18 anos.
Essa prática, independentemente do consentimento da vítima, configura o crime previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, dada a vulnerabilidade presumida dessa faixa etária e a natureza mercantilista da relação.
4.1. Tese fixada: O relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas configura o tipo penal previsto no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal, porquanto essa relação se constrói a partir de promessas de benefícios econômicos diretos e indiretos, induzindo o menor à prática de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.
5. A individualização da pena é uma atividade que deve observar os parâmetros legais abstratamente cominados, permitindo ao julgador certa discricionariedade na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, desde que fundamentada em decisão motivada e após exame cuidadoso dos elementos do delito. O controle pelas Cortes Superiores limita-se à verificação da legalidade e da constitucionalidade na dosimetria.
6. As circunstâncias do crime, ainda que acidentais e não integrantes da estrutura essencial do tipo penal, influenciam significativamente na gravidade da infração. No presente caso, o tribunal de origem valorou negativamente essas circunstâncias com base em elementos concretos e específicos, evitando o uso de conceitos vagos ou indeterminados, o que reforçou a fundamentação da condenação.
7. A conduta do agente foi agravada pela longa e premeditada atividade para alcançar seu objetivo, envolvendo estratégias como o contato inicial via redes sociais, promessas de vantagens e a logística do encontro, demonstrando uma preparação meticulosa para a consumação do ato ilícito. Não há qualquer ilegalidade a ser reparada na dosimetria da pena aplicada, que reflete adequadamente a gravidade do delito conforme o art. 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal.
8. Agravo conhecido para conhecer em parte do recurso especial e, nesta extensão, negar-lhe provimento.
(STJ, AREsp n. 2.529.631/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 17/9/2024).
Fontes: Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Consulto Jurídico (Conjur).