sexta-feira, 1 de março de 2024

Os diretos das pessoas LGBTQ+ obtidos através dos julgados do STF e do STJ

 Publicado por Wander Fernandes 


Diante da lacuna legislativa, as pessoas LGBTQIAP+ socorrem-se do Poder Judiciário para a efetiva garantia de seus direitos e/ ou para obstar a prática de atitudes discriminatórias e preconceituosas.

Contemplando o passado da jurisprudência desses tribunais superiores, é possível identificar como evoluiu o tratamento desses temas até o presente.

Observa-se que as demandas da vida real, analisadas pelos tribunais superiores, muitas vezes evoluem para o ordenamento jurídico, ainda que impostas, ante a omissão legislativa, especialmente em temas sensíveis.

As mudanças no comportamento social são frequentes e céleres, reclamando inovação normativa que só virá a longo prazo. Cabe, portanto, aos tribunais superiores, exercerem suas competências constitucionais, garantindo e reconhecimento direitos.

Com especial destaque para o artigo 3º, IV, da Constituição Federal, que traz como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Os direitos da população LGBTQIAP+ foram declarados nas cortes brasileiras com fulcro nos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, previstos no artigo 1º da Constituição Federal, sem que houvesse previsão expressa nas normas legais e administrativas.

Vejamos alguns julgados:

União Estável

Em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar, passando a ter os mesmos direitos e deveres previstos na lei 9.278/1996 ( Lei da União Estável). A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 132. As ementas estão reproduzidas neste nosso artigo.

Ocorre que, até aquela data, ante a omissão do Legislativo, os casais homoafetivos que buscavam a formalização de suas relações podiam obter decisões favoráveis ou desfavoráveis da Justiça, trazendo insegurança jurídica para o casal, eventuais dependentes, herdeiros e terceiros. Esse entendimento do STF, de natureza vinculante, afastou qualquer interpretação do dispositivo do Código Civil que impedisse o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo/ gênero como entidade familiar. Destacou o STF que o inciso IV, do artigo 3º, da Constituição Federal, veda qualquer discriminação em razão de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou o relator ministro Ayres Britto.

Casamento Civil

Ainda em 2011, o STJ entendeu não haver impedimento legal para que pessoas do mesmo sexo se casassem ( RESP 1.183.378/ RS).

Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), citando referida decisão e as dos STF ( ADI 4277 e ADPF 132), editou a Resolução 175/ 2013 dispondo sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo. Trazia, também, a expressa proibição de que autoridades cartorárias se recusassem a realizar o casamento homoafetivo.

Vara de família

A vara de família é a competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva (STJ – Jurisprudência em tese – Edição nº 50 – de 11.02.2016 - Julgados: REsp 1291924/ RJ; REsp 964489/ RS; REsp 827962/ RS (Informativo de Jurisprudência nº 524).

Sucessão - Herança

Equiparação da União Estável ao Casamento para fins sucessórios - No ano de 2017, o STF, ao julgar os RE 878694 e RE 646721, reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1.730 do Código Civil, passando a aplicar o artigo 1.829 do Código Civil também nas sucessões das famílias formadas pela união estável.

Cumpre lembrar que esse já era o entendimento do STJ, inclusive para casais do mesmo sexo: "Comprovada a existência de união homoafetiva, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento" (STJ – Jurisprudência em tese nº 50/ 2016 - EDcl no REsp 633713/RSREsp 930460/PR; e Informativo de Jurisprudência nº 0472/ 2011 - REsp 1.085.646/ RS).

Meio militar

Em 2015, o STF, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 291/ DF, reconheceu a inconstitucionalidade dos termos “pederastia” e “homossexual ou não” no Código Penal Militar.

Colhe-se da ementa: "Não se pode permitir que a lei faça uso de expressões pejorativas e discriminatórias, ante o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade existencial do indivíduo. Manifestação inadmissível de intolerância que atinge grupos tradicionalmente marginalizados" leia a íntegra decisão aqui).

Homofobia e transfobia como Racismo

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADO 26 e o Mandado de Injunção MI 4733, enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo:

O Plenário do STF entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão ADO 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção MI 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin. Por maioria votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria.

Adoção

O STJ, entende que "não há óbice à adoção feita por casal homoafetivo desde que a medida represente reais vantagens ao adotando". Devendo prevalecer, sempre, o princípio do melhor interesse da criança (STJ, HC 404545 / CE; REsp 1525714 / PR; REsp 1333086 / RO; REsp 1540814 / PR; REsp 1281093 / SP; e REsp 889852 / RSJurisprudência em Teses - Edição nº 27/ 2014).

Doação de sangue

Em 2020 - Através da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5543/ DF, o STF declarou inconstitucional a proibição discriminatória da doação de sangue por homens homossexuais ou bissexuais e travestis.

Escolas - Educação sexual - Identidade de gênero

O STF apreciou leis municipais que traziam a nomenclatura "ideologia de gênero", que é tecnicamente incorreta, pois segundo estudos mais recentes acerca da sexualidade humana, o gênero não compõe uma ideologia da pessoa, mas sua identidade, ou seja, como a pessoa se vê e gostaria de ser vista pela sociedade.

Declarou o Supremo a flagrante inconstitucionalidade de referidas leis que, ao pretender proibir a divulgação de qualquer material que trata de orientação sexual e identidade de gênero nas escolas, o município descumpre com o dever estatal de promover políticas de inclusão e de igualdade, contribuindo para a manutenção da discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 457/ GO e ADPF 461/ PR).

  • Ementa da ADPF 457/ GO = "EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI 1.516/2015 DO MUNICÍPIO DE NOVO GAMA – GO. PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE MATERIAL COM INFORMAÇÃO DE IDEOLOGIA DE GÊNERO EM ESCOLAS MUNICIPAIS. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA LEGISLATIVA DA UNIÃO. DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (ART. 22, XXIV, CF). VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ATINENTES À LIBERDADE DE APREENDER, ENSINAR, PESQUISAR E DIVULGAR O PENSAMENTO A ARTE E O SABER (ART. 206, II, CF), E AO PLURALISMO DE IDEIAS E DE CONCEPÇÕES PEDAGOGICAS (ART. 206, III, CF). PROIBIÇÃO DA CENSURA EM ATIVIDADES CULTURAIS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IX, CF). DIREITO À IGUALDADE (ART. 5º, CAPUT, CF). DEVER ESTATAL NA PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À DESIGUALDADE E À DISCRIMINAÇÃO DE MINORIAS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL RECONHECIDAS. PROCEDÊNCIA. 1. Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional ( CF, art. 22, XXIV), de modo que os Municípios não têm competência legislativa para a edição de normas que tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino ou modo de exercício da atividade docente. A eventual necessidade de suplementação da legislação federal, com vistas à regulamentação de interesse local (art. 30, I e II, CF), não justifica a proibição de conteúdo pedagógico, não correspondente às diretrizes fixadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (Lei 9.394/1996). Inconstitucionalidade formal. 2. O exercício da jurisdição constitucional baseia-se na necessidade de respeito absoluto à Constituição Federal, havendo, na evolução das Democracias modernas, a imprescindível necessidade de proteger a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, em especial das minorias. 3. Regentes da ministração do ensino no País, os princípios atinentes à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II, CF) e ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III, CF), amplamente reconduzíveis à proibição da censura em atividades culturais em geral e, consequentemente, à liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF), não se direcionam apenas a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas eventualmente não compartilhada pelas maiorias. 4. Ao aderir à imposição do silêncio, da censura e, de modo mais abrangente, do obscurantismo como estratégias discursivas dominantes, de modo a enfraquecer ainda mais a fronteira entre heteronormatividade e homofobia, a Lei municipal impugnada contrariou um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, relacionado à promoção do bem de todos (art. 3º, IV, CF), e, por consequência, o princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput, CF). 5. A Lei 1.516/2015 do Município de Novo Gama – GO, ao proibir a divulgação de material com referência a ideologia de gênero nas escolas municipais, não cumpre com o dever estatal de promover políticas de inclusão e de igualdade, contribuindo para a manutenção da discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Inconstitucionalidade material reconhecida. 6. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente (STF, ADPF 457/ GO, Tribunal Pleno, Relator Min. Alexandre de Moraes, Julgamento: 27/4/2020, Publicação: 03/6/2020).
  • Ementa da ADPF 461/ PR ="Direito à educação. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Lei municipal que veda o ensino sobre gênero e orientação sexual, bem como a utilização desses termos nas escolas. Procedência do pedido. 1. Violação à competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional ( CF/88, art. 22, XXIV), bem como à competência deste mesmo ente para estabelecer normas gerais em matéria de educação ( CF/88, art. 24, IX). Inobservância dos limites da competência normativa suplementar municipal ( CF/88, art. 30, II). 2. Supressão de domínio do saber do universo escolar. Desrespeito ao direito à educação com o alcance pleno e emancipatório que lhe confere a Constituição. Dever do Estado de assegurar um ensino plural, que prepare os indivíduos para a vida em sociedade. Violação à liberdade de ensinar e de aprender ( CF/88, arts. 205, art. 206, II, III, V, e art. 214). 3. Comprometimento do papel transformador da educação. Utilização do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade. Violação do direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e perpetuação de estigmas ( CF/88, art. 1º, III, e art. 5º). 4. Violação ao princípio da proteção integral. Importância da educação sobre diversidade sexual para crianças, adolescentes e jovens. Indivíduos especialmente vulneráveis que podem desenvolver identidades de gênero e orientação sexual divergentes do padrão culturalmente naturalizado. Dever do estado de mantê-los a salvo de toda forma de discriminação e opressão. Regime constitucional especialmente protetivo ( CF/88, art. 227). 5. Declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, X, da Lei 3.468/2015. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente (STF, ADPF 461/ PR, Tribunal Pleno, Relator Ministro Roberto Barroso, Julgamento: 24/8/2020, Publicação:22/9/2020).

Conceito de Família

STF declara inconstitucional lei municipal que exclui família homoafetiva - O Partido dos Trabalhadores ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei Distrital 6.160/ 2018 (veja aqui a lei revogada), que implantou Política Pública de Valorização da Família no Distrito Federal, porque o seu artigo 2º define como entidade familiar o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher por meio de casamento ou união estável, o que violaria os direitos dos casais homoafetivos.

Frisou o ministro Celso de Mello, que há o “direito de qualquer pessoa de constituir família, independentemente de sua orientação sexual”, tratando-se, portanto, de “norma de inclusão” para “proteção das minorias” (STF, RE 477.554/ MG). Esta Suprema Corte, portanto, proclamou que o texto constitucional proíbe explicitamente a discriminação em razão do sexo ou da natural diferença entre homens e mulheres, afirmando a existência de isonomia entre os sexos, em reconhecimento do direito de minorias e de direitos básicos de igualdade e liberdade de orientação sexual (STF, ADI 4.277 e da ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 14/10/2011)".

Em seu voto, o relator ministro Alexandre de Moraes, assinalou que restringir o conceito de entidade familiar exclusivamente à união entre homem e mulher, viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia:

“Quando a norma prevê a instituição de diretrizes para implantação de política pública de valorização da família no Distrito Federal, deve-se levar em consideração também aquelas entidades familiares formadas por união homoafetiva” (STF, ADI 5971. relator min. Alexandre de Moraes, Pleno, Julgado em 13.8.2019). 

Combate a discriminação no Poder Judiciário

Em 14/11/2023, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em decisão unânime, aprovou resolução com a finalidade de combater, no Poder Judiciário, a discriminação à orientação sexual e à identidade de gênero e regulamentar a adoção, a guarda e tutela de crianças e adolescentes por casal ou família monoparental, homoafetiva ou transgênera.

As diretrizes aprovadas no Ato Normativo 0007383-53.2023.2.00.0000 determinam aos tribunais e à magistratura que zelem pela igualdade de direitos no combate a qualquer forma de discriminação à orientação sexual e à identidade de gênero. De acordo com o texto, são vedadas, nos processos de habilitação de pretendentes e nos casos de adoção de crianças e adolescentes, guarda e tutela, manifestações contrárias aos pedidos pelo fundamento de se tratar de família monoparental, homoafetivo ou transgênero. “O CNJ dá vez e voz à uma determinação constitucional” e “Essa é a materialização de um mandamento constitucional, que passa pela dignidade da pessoa humana”, avaliou o senador Fabiano Contarato, autor do ofíco que originou a resolução, ao citar o artigo 3º, inciso 4º, da Constituição Federal, que traz como fundamento da República Federativa do Brasil a promoção do bem-estar de todos e abolição de toda e qualquer forma de discriminação.

Lei Maria da Penha

Decidiu o STJ que as medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006 ( Lei Maria da Penha) são aplicáveis às minorias, como transexuais, transgêneros, cisgêneros e travestis em situação de violência doméstica, afastado o aspecto meramente biológico - (Resp REsp 1977124/ SP - Jurisprudência em teses nº 205/ 2022 e 209/ 2023 e Informativo de Jurisprudência nº 732).

Mudança de prenome e gênero

Segundo o STJ, a pessoa transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil independentemente da realização de cirurgia de transgenitalização (STJ, REsp 1860649/ SPREsp 1561933/ RJ. REsp 1626739/ RSREsp 1539583/ DF; REsp 1796827/ ES; REsp 1631644/ MT; (Informativo de Jurisprudência nº 608) - (Jurisprudência em Teses nº 138 e Jurisprudência em teses nº 209/ 2023).

CNJ, Provimento nº 73 de 28/06/2018, dispõe sobre a averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Em observância a ADI 4.275/ STF e ao RE 670422/ RJ.

Gênero neutro

Pessoa obtém na Justiça direito de registrar que seu gênero é neutro. A Justiça de Santa Catarina, em uma das primeiras decisões sobre a matéria no Brasil, reconheceu o direito da pessoa declarar que seu gênero é neutro. O caso concreto envolve certa complexidade. Quando nasceu, a pessoa foi registrada como sendo do gênero masculino, mas nunca se identificou como tal e tampouco com o gênero feminino. Extrajudicialmente, tentou mudar na certidão de nascimento o nome e o sexo para "não identificado", com informação de necessária análise judicial sobre o gênero neutro. Por isso, ingressou na Justiça e seu caso foi julgado pela juíza Vânia Petermann. O principal ponto enfrentado na decisão era saber se seria possível reconhecer, juridicamente, o gênero neutro com base na Constituição. Para tanto, foi necessário analisar se o pleito estava em contraste com a norma infraconstitucional - artigo 54§ 2º, da Lei 6.015/1973 - que prescreve sobre o registro civil, essencial para todos os atos de cidadania ( continue lendo aqui).

Não binário

Determinação pioneira da CGJ, de 22/4/2022, autoriza pessoas não binárias a mudar registros de prenome e gênero no cartório. Pessoas não binárias (aquelas que não se identificam nem como homem nem como mulher) agora poderão alterar prenomes e gêneros no seu registro de nascimento, conforme a identidade autopercebida por elas, independentemente de autorização judicial. Conforme Provimento assinado nesta tarde (22/04) pelo Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Giovanni Conti, a mudança poderá incluir a expressão "não binário" mediante requerimento feito pela parte junto ao cartório. A determinação é pioneira, uma vez que permite a alteração de forma administrativa, sem necessidade de buscar a via judicial.A medida é válida para pessoas maiores de 18 anos completos habilitadas à prática de todos os atos da vida civil. (continue lendo aqui).

Intersexual

Justiça do Acre autoriza criança intersexual a mudar o nome e o gênero na certidão de nascimento. Uma decisão pioneira e inédita no Acre, em 18.04.2018, repercutiu em todo o País. A Justiça determinou, após liminar requerida pela OAB-AC, a alteração do nome de uma criança de três anos, que nasceu com os dois sexos, na certidão de nascimento. A mãe só descobriu a ambiguidade sexual dias depois do registro do recém-nascido. Assim, a criança sempre foi chamada pelo nome feminino, além de usar cabelo comprido e roupas de menina. No entanto, em agosto do ano de 2.017, a mãe conseguiu realizar um exame cariótipo, que analisa a quantidade e a estrutura dos cromossomos em uma célula, e o resultado apontou que a criança é geneticamente um menino. No processo judicial impetrado pela OAB-AC foi pedida e concedida liminar. Agora, além de mudar o nome na certidão de nascimento, a criança, registrada como menina, também vai ter o sexo alterado para masculino no documento. Segundo o presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB do Acre, Charles Brasil, responsável pela ação, “a decisão é importante ao proporcionar dignidade a essa criança, e também por ser a primeira vez em que uma criança intersexo tem a mudança do nome e sexo garantido por um juiz de primeiro grau no País” ( continue lendo aqui).

Aposentadoria

Para o servidor que tenha realizado alteração de gênero/ sexo deverá ser considerado o gênero que está constante no registro civil de pessoa natural (certidão de nascimento) no momento do requerimento do benefício previdenciário. E se a alteração do registro do gênero ocorrer após o requerimento de aposentadoria, a concessão do benefício e a apreciação do ato, para fins de registro, deve observar a nova condição. Esse foi o entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina, em 7/2/2023, em resposta à consulta formulada pelo Instituto de Previdência de Itajaí (CON 20/00596880), sobre a aplicabilidade das regras de aposentadoria em casos de mudança de sexo/gênero. A base para o novo prejulgado da Corte de Contas está em consonância com orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, na tese de Repercussão Geral dos Temas 761 e 445, e do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.626.739. A decisao do TCE/SC estabelece ainda que, em atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana e da vedação à discriminação, é defeso ao ente público responsável pela análise de processos de aposentadoria proceder a tratamento diferenciado quando da tramitação de requerimentos de aposentadorias de servidores que promoveram a alteração de seu gênero, atestada pelo documento de registro civil.

União Estável Poliafetiva

Em 2018 o Conselho Nacional de Justiça decidiu acerca da impossibilidade de reconhecimento extrajudicial de poliafetividade como entidade familiar e determinou a proibição de lavratura de escrituras de uniões poliafetivas por Tabelionatos de Notas (CNJ, Processo: 0001459-08.2016.2.00.0000, Rel. João Otávio de Noronha, 48ª Sessão Extraordinária, julgado em 26/06/2018), data em que já havia sido lavradas pelo menos oito escrituras de união estável desse tipo.

Projeto de Lei: Arrasta-se na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.302/ 2016, que objetiva "proibir que seja reconhecido pelos cartórios no Brasil a União Poliafetiva formada por mais de dois conviventes". Sob o argumento de que "reconhecer a Poligamia no Brasil é um atentado que fere de morte a família tradicional em total contradição com a nossa cultura e valores sociais". Curiosamente essa pretensão busca que o Estado intervenha nas relações particulares, proibindo apenas a via extrajudicial, obrigando as pessoas a se socorrerem do Poder Judiciário, abarrotando-o ainda mais.

No entanto, em 2023, a Justiça gaúcha reconheceu a união poliafetiva, composta com um homem e duas mulheres = União poliafetiva - Poliamor - Trisal ( leia aqui, meu artigo sobre o tema).

Nome social e gênero na administração pública

O Decreto 8.727/ 2016, de iniciativa da Presidência da República (Governo Dilma Rousseff), dispôs sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Legitimidade para propor ação penal

STJ = Crime de calúnia contra pessoa morta. União estável homoafetiva. Ajuizamento de ação penal privada por companheira. Legitimidade. Status de cônjuge. Interpretação extensiva. Art.  c/c art. 24§ 1º, do CPP. A companheira, em união estável homoafetiva reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, possuindo legitimidade para ajuizar a ação penal privada. (STJ, Informativo de Jurisprudência nº 0654, de 13.9.2019 - STJ, APn 912/ RJ).

Competência para julgar homofobia na internet

A 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que “compete à Justiça Federal processar e julgar o conteúdo de falas de suposto cunho homofóbico divulgadas na internet, em perfis abertos da rede social Facebook e na plataforma de compartilhamento de vídeos Youtube, ambos de abrangência internacional” (STJ, CC 191970/ RS - informativo de Jurisprudência nº 761).

Presa trans tem o direito de ser questionada sobre local de cumprimento da pena

Nos termos da Resolução 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alterada pela Resolução 366 / 2021 do CNJ, a definição do local de cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício discricionário da Justiça, mas sim uma análise que tem por objetivo resguardar a liberdade sexual e de gênero, a vida e a integridade física desses indivíduos. Tanto a Resolução 348 e 366 do CNJ como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 527 determinam que as presas transexuais e travestis sejam questionadas sobre o local de preferência para o cumprimento da pena.

"É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas", concluiu o desembargador convocado Jesuíno Rissato, ao julgar no STJ, o HC 861817 / SC, de 06/02/2024 ( continue lendo aqui).

Leia também, do STJ: "Transformando a prisão: diferentes olhares sobre direitos, dilemas e esperanças de presos e presas transgênero" e "Segregar ou integrar, um dilema sobre convivência e intolerância na prisão de pessoas transgênero".

Banheiro, uso por pessoa trans

O STF está julgando o RE 845779/ SC (Tema 778 - com Repercussão Geral), que analisa o caso concreto de uma mulher trans impedida de usar banheiro feminino de um shopping center

Julgam se "a abordagem de transexual para utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu configura ou não conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade". O julgamento acumula apenas dois votos, ambos favoráveis às pessoas trans. Os votos são dos ministros Roberto Barroso, relator do caso, e Edson Fachin.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo provimento do recurso extraordinário, a fim de que seja reconhecido o direito da pessoa trans ( aqui, a íntegra do parecer da PGR).

O caso ainda não foi finalizado, cujo tema em discussão é:

Tema 778 - “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 1º, III, 5º, V, X, XXXII, LIV e LV, e 93 da Constituição Federal, se a abordagem de transexual para utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu configura ou não conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade, indenizável a título de dano moral”

Apesar de ainda não finalizado referido julgamento, já existem diversas decisões que concedem o direito da pessoa transexual de utilizarem o banheiro público no qual se sentem confortáveis.

Sob o argumento de que os transexuais possuem o direito à igualdade (art. 5º, Constituição Federal), e isso significa que todos os indivíduos têm igual valor e por isso merecem o mesmo respeito e consideração, bem como devem ser tratadas de forma digna (art. 1º, inciso III, da CF), o que também significa expressar seu gênero da forma que acharem melhor.

A justiça gaúcha condenou boate que impediu transexual de ingressar em banheiro feminino (TJRS, Apelação Cível, Nº 70077986479, J. 28-6- 2018).

Quanto as escolas, a Resolução 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBTs da Secretaria de Direitos Humanos, traz em artigo 6º que "deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito" ( Diário Oficial da União, 12.5.2015).

EUA - Casamentos homoafetivos e inter-raciais

O Congresso dos EUA acaba de aprovar projeto de lei que protege casamentos homoafetivos e inter-racias. Apesar da Suprema Corte daquele país ter legalizado o casamento inter-racial em 1.967 e o homoafetivo em 2.015, sua nova composição se mostrou disposta a reverter seus próprios precedentes, como fez em junho de 2.022, quando anulou uma decisão histórica de 1.973, que legalizava o aborto em todo os EUA. As decisões judiciais recentes se tornaram mais propensas a favorecer conceitos e temas religiosos em detrimento do que antes se consideravam liberdades individuais. Razão pela qual a Câmara dos Deputados e o Senado dos Estados Unidos aprovaram lei que prevê o reconhecimento federal dessas uniões, proibindo que os Estados rejeitem a validade de casamentos com base em sexo, raça ou etnia. A lei foi sancionada pelo presidente Biden em 13/12/2022.

Fontes: CNJ; STF; STJ; TJRS, TJSC, TJAC. Meus artigos disponibilizados no Blog https://wanderfernandes.blogspot.com/





 

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