segunda-feira, 22 de abril de 2024

União Estável Post Mortem: conceito, dicas e modelos de petições.

 Publicado por Wander Fernandes

Reconhecimento e Dissolução de União Estável Post Mortem.

Origem e conceito de união estável

A união estável só passou a ser reconhecida, no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Constituição Federal de 1988, mais precisamente no § 3º, do art. 226, que a consagrou como entidade familiar.

A Lei nº 9.278/ 1996 materializou essa previsão constitucional, posteriormente reproduzida nos arts. 1.723 a 1.727 do Código Civil de 2.022.

Conceito: união estável é um relacionamento público, contínuo e duradouro entre duas pessoas com o intuito de constituir família ( art. 1.723, do CC - affectio maritalis). A lei não exige que o casal tenha filhos ou resida sob o mesmo teto, nem determina um prazo mínimo de convivência.

A demonstração de todos esses requisitos subjetivos provam a união estável.

Ação post mortem - cabimento

Quando um dos conviventes falece sem que a relação esteja oficialmente regulada por contrato escrito ou escritura pública, cabível a ação de reconhecimento de união Estável post mortem.

Frise-se, por oportuno, que a união estável é uma situação de fato, não exigindo formalismos para sua existência. No entanto, a ausência de sua formalização através de instrumento público em vida, acarretará a necessidade de se buscar o reconhecimento pela via judicial.

Modelos de petições

Disponibilizo dois modelos de petições iniciais elaboradas por mim:

Sentença

A sentença reconhecerá ou não a existência da união estável e, em caso positivo, deverá fixar o termo inicial e o termo final da relação, que será o lapso temporal sobre o qual se discutirá eventuais direitos de meação e sucessórios.

Regime de bens

Via de regra, no reconhecimento da união estável post mortem a sentença fixará o regime de bens da comunhão parcial de bens, tendo em vista que é esse o regime legal quando não foi escolhido outro pelos conviventes (STJ, REsp 1845416/ MS).

No caso de maiores de 70 anos valerá o regime da separação de bens. Afasta-se a obrigatoriedade do regime de separação quando o reconhecimento ou conversão em casamento é precedido de longo período de relacionamento, iniciado quando os conviventes não tinham restrição legal à escolha do regime de bens. Essa é a interpretação da legislação que melhor a compatibiliza com o sentido do art. 226§ 3º, da CF, segundo o qual a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento (STJ, REsp 1318281/ PE).

Polo passivo

Em demandas envolvendo reconhecimento de união estável post mortem, os herdeiros necessários (descendentes e convivente e, na falta dos primeiros, os ascendentes do extinto) são partes legítimas para figurarem no polo passivo da ação, "pois a sentença a ser proferida pode atingir a sua esfera jurídico-patrimonial (quinhão de cada herdeiro)" - (STJ, REsp n. 956.047-RS e STJ - AgInt no AREsp 1078591- GO).

Na hipótese de existir herdeiro incapaz, ainda que filho comum das partes, ser-lhe-á nomeado, pelo juiz, curador especial, tendo em vista que os interesses deste colidem com os do autor (a), conforme determina o art. 72I. do Código de Processo Civil.

No entanto, não havendo herdeiros necessários nem colaterais, deve ser citada a Fazenda Pública Municipal.

UE equiparada ao Casamento para fins sucessórios

No ano de 2017, o STF, ao julgar os Recursos Extraordinários RE 646.721/ RS e 878.694/ MG, ambos com repercussão geral, fixou a tese de que"é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002".

Ou seja. o STF equiparou o regime sucessório entre os cônjuges e os companheiros, conforme Teses 498 809 firmadas nos julgados supra, tornando o companheiro herdeiro necessário.

Partilha de bens

Além de ter assegurada sua meação nos bens comuns, o companheiro (a) sobrevivente concorre com igualdade em relação aos descendentes na partilha de bens particulares do autor da herança (STJ, REsp 1617650/RS e REsp 1617501/ RS - Informativo nº 651/ 2019).

Adjudicação integral dos bens

A 3a Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.357.117/ MG, após afirmar ser inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, entendeu que os parentes colaterais, tais como irmãos, tios e sobrinhos, são herdeiros de quarta e última classe na ordem de vocação hereditária, herdando apenas na ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro, em virtude da ordem legal de vocação hereditária.

Portanto, se o extinto não deixar descendentes nem ascendentes mas deixar companheiro (a), a integralidade dos bens será atribuída ao companheiro (a) sobrevivente, excluindo-se os parentes colaterais do falecido. Ou seja, o companheiro (a) sobrevivente antecede os colaterais, independentemente do regime de bens adotado/reconhecido, conforme art. 1829 e 1838 do Código Civil (TJSP, AI 2147151-33.2023.8.26.0000, Registro: 28.6.2023).

Dessa forma, não resta qualquer dúvida de que, na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, ressalvada eventual disposição de última vontade.

Descendentes e ascendentes

Como demostrado, o companheiro (a) supérstite é herdeiro (a) necessário, razão pela qual concorre com os descendentes do morto.

Se ausente descendentes, concorrerá com os ascendentes do falecido.

Filhos

A jurisprudência do STJ - Superior Tribunal de Justiça determinou que a presunção de concepção dos filhos havidos na constância do casamento prevista no art. 1.597II, do CC se estende à união estável. (Informativo de Jurisprudência nº 0508/ 2012) - STJ, REsp 1.194.059-SP).

Parentes colaterais

Apenas na ausência de herdeiros necessários (descendentes, companheiro e ascendente) é cabível a inclusão dos herdeiros colaterais no polo passivo da demanda de reconhecimento e dissolução de união estável post mortem, pois não possuem relação jurídica de direito material com o convivente sobrevivente e somente serão reflexamente atingidos pela decisão proferida nessa demanda (STJ, REsp 1.759.652/SP).

Fazenda Pública Municipal

Na falta de herdeiros necessários, pode o juízo determinar a emenda da inicial, para determinar a inclusão da Fazenda Pública Municipal no polo passivo da ação. Vejamos precedente do TJSP:

"União estável. Ação ajuizada pelo companheiro para obter o reconhecimento da convivência com mulher que não deixou herdeiros. Determinação do juízo para emendar a inicial Inclusão da Prefeitura Municipal de São Paulo ante a possibilidade de herança jacente. Remessa dos autos ao juízo da Fazenda Pública, onde foi declarada a união estável. Apelo da Municipalidade para ser excluída da lide. Recurso provido para este fim e para afastar a condenação nas verbas sucumbenciais. Suficiência de intimação do ente público. Herança jacente que, para existir, dependia da solução desta ação declaratória de sociedade de fato. Desnecessidade de anulação da sentença, proferida no juízo da Fazenda Pública, ante a ausência de prejuízo para as partes"((TJSP; Apelação 9146930-34.2000.8.26.0000; Relator (a): Carlos Teixeira Leite; 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Central; Data de Registro: 17/03/2006).

Reconhecimento no inventário

O reconhecimento de união estável em sede de inventário é possível quando esta puder ser comprovada por documentos incontestes juntados aos autos do processo. Em sede de inventário, a falta de determinação do marco inicial da União Estável só importa na anulação de seu reconhecimento se houver demonstração concreta de que a partilha será prejudicada pela indefinição da duração do relacionamento marital. Na inexistência de demonstração de prejuízo, mantem-se o reconhecimento. (STJ, REsp 1685935/ AM).

Benefícios previdenciários

Compete à Justiça Federal analisar, incidentalmente e como prejudicial de mérito, o reconhecimento da união estável nas hipóteses em que se pleiteia a concessão de benefício previdenciário. (STJ – Jurisprudência em tese – Edição nº 50 – de 11.02.2016).

Direito real de habitação na união estável

O companheiro (a) sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do CC) sobre o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido.

O direito real de habitação tem como finalidade principal garantir o direito constitucional à moradia ao cônjuge sobrevivente, tanto no casamento como na união estável (STJ, EREsp 1.520.294 e STJ, Aglnt no Resp 1.757.984).

O direito real de habitação – vitalício e personalíssimo – emana diretamente da lei ( artigo 1.831 do Código Civil/ 2002 e artigo 7º da Lei 9.278/ 1.996) e objetiva assegurar moradia digna ao viúvo ou viúva no local em que antes residia com sua família ( continue lendo aqui).

No entanto, não subsiste o direito real de habitação se houver co-propriedade sobre o imóvel antes da abertura da sucessão ou se, àquele tempo, o falecido era mero usufrutuário do bem. (STJ – Jurisprudência em teses – Edição nº 50 – de 11.02.2016).

Diferença entre união estável e concubinato

Oportuno indicar meu artigo sobre União Estável ( clique aqui para ler) onde citamos que o Judiciário traz a distinção entre companheiro e concubino, afirmando que o primeiro conta com a proteção do Estado, posto que legítima a união estável, e o segundo não. Cumpre trazer à colação, relevante voto proferido, no âmbito da 1ª Turma do STF, pelo Ministro Marco Aurélio, no RE 397.762/ BA, cuja ementa segue reproduzida, na parte que interessa:

- “COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel.
- UNIÃO ESTÁVEL - PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato.” (STF, Ministro Marco Aurélio, no RE n. 397.762/ BA - transcrito, na íntegra, logo abaixo).

Naquele julgado, o Ministro Marco Aurélio assinalou que o concubinato não merece proteção do Estado por conflitar com o direito posto. A relação, para o Ministro, não se iguala à união estável que é reconhecida constitucionalmente e apenas gera, quando muito, a denominada sociedade de fato, no que foi acompanhado pelos Ministros Carlos Alberto Menezes Direito (in memorian), Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, este último que assinalou significar a palavra concubinato, do latim concubere, “compartilhar o leito”, enquanto que a união estável significa “compartilhar a vida”.

Tema 529 - Tese fixada pelo STF no RE 1.045.273/ SE, em julgamento com repercussão geral reconhecida:

"A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723§ 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro"(ementa publicada no DJ de 9.4.2021).

Pessoa casada e União Estável

De se destacar que nem mesmo a existência de casamento válido obsta o reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato ou judicial entre os casados, nos termos do § 1º, do art. 1.723, do Código Civil.

Uniões estáveis simultâneas

Não é possível o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas ou quando há casamento sem separação de fato ou judicial (STJ – Jurisprudência em teses – Edição nº 50 – de 11.02.2016).

Prescrição

A ação para declaração de existência (ou inexistência) de união estável é imprescritível, mas são passíveis de prescrever os efeitos patrimoniais decorrentes do eventual reconhecimento.

Ou seja, a qualquer tempo a união estável poderá ser reconhecida. No entanto, a contagem do lapso prescricional para a pretensão de partilha se inicia com o encerramento da união, ocorrida com a separação de fato ou com o evento morte do companheiro (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 2117166 / SP).

Decadência

É de quatro anos o prazo decadencial para anular partilha de bens em dissolução de sociedade conjugal ou de união estável, nos termos do art. 178 do Código Civil (STJ, AgInt no REsp 1546979/ SP e Informativo de Jurisprudência nº 600, publicado em 26 de abril de 2017).

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