domingo, 28 de abril de 2024

Banco responde por transações feitas após comunicação do roubo do celular

 

É dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, nos termos do artigo 14parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor ( CDC), o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele espera, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se pressupõem, e a época em que foi fornecido.

A relatora explicou que o dever de segurança consiste na exigência de que os serviços ofertados no mercado ofereçam a segurança esperada, ou seja, não tenham por resultado dano aos consumidores individual ou coletivamente. Segundo Nancy, é com base nisso que o artigo  do CDC admite que se coloquem no mercado apenas produtos e serviços que ofereçam riscos razoáveis e previsíveis, isto é, que não sejam potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor.

"É dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar a prática de delitos. O surgimento de novas formas de relacionamento entre cliente e banco, em especial por meio de sistemas eletrônicos e pela internet, reafirmam os riscos inerentes às atividades bancárias. É imperioso, portanto, que instituições financeiras aprimorem continuamente seus sistemas de segurança", afirmou.

Cabia ao banco adotar as medidas de segurança necessárias para obstar transações

A ministra também destacou que o fato exclusivo de terceiro é a atividade desenvolvida por uma pessoa que, sem ter qualquer vinculação com a vítima ou com o causador aparente do dano, interfere no processo causal e provoca com exclusividade o evento lesivo. "No entanto, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade", ressaltou.

Dessa forma, a relatora apontou que, ao ser informado do roubo, cabia ao banco adotar as medidas de segurança necessárias para obstar a realização de transações financeiras via aplicativo de celular. Para Nancy, a não implementação das providências cabíveis configura defeito na prestação dos serviços bancários por violação do dever de segurança (artigo 14 do CDC).

"O nexo de causalidade entre os prejuízos suportados pela autora e a conduta do banco – melhor dizendo, ausência de conduta – decorrem do fato de que este poderia ter evitado o dano se tivesse atendido à solicitação da recorrente tão logo formulada. O ato praticado pelo infrator do aparelho celular não caracteriza, então, fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade estabelecido com o banco", concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso interposto pela mulher.

O julgado restou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ROUBO DE CELULAR E REALIZAÇÃO DE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS VIA APLICATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. OCORRÊNCIA. FALHA NO DEVER DE SEGURANÇA. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada em 27/6/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 7/6/2021 e concluso ao gabinete em 24/7/2023.
2. O propósito recursal consiste em dizer se, na hipótese de roubo do aparelho celular, a instituição financeira responde pelos danos decorrentes de transações realizadas por terceiro por meio do aplicativo do banco.
3. O serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar (art. 14§ 1º, do CDC). O dever de segurança é noção que abrange tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto a sua integridade patrimonial. Assim, é dever da instituição financeira verificar a regularidade e a idoneidade das transações realizadas pelos consumidores, desenvolvendo mecanismos capazes de dificultar a prática de delitos.
4. Nos termos da Súmula 479 do STJ, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". A atividade bancária, por suas características de disponibilidade de recursos financeiros e sua movimentação sucessiva, tem por resultado um maior grau de risco em comparação com outras atividades econômicas.
5. O fato exclusivo de terceiro (art. 14§ 3ºII, do CDC) consiste na atividade desenvolvida por uma pessoa sem vinculação com a vítima ou com o aparente causador do dano, que interfere no processo causal e provoca com exclusividade o dano. No entanto, se o fato de terceiro ocorrer dentro da órbita de atuação do fornecedor, ele se equipara ao fortuito interno, sendo absorvido pelo risco da atividade.
6. Na hipótese dos autos, a recorrente teve seu celular roubado e, ato contínuo, informou o fato ao banco, solicitando o bloqueio de operações via pix. No entanto, o recorrido não atendeu à solicitação e o infrator efetuou operações por meio do aplicativo instalado no aparelho celular. A não implementação das providências cabíveis configura defeito na prestação dos serviços bancários por violação do dever de segurança. O ato praticado pelo infrator não caracteriza fato de terceiro, mas sim fortuito interno, porquanto inerente à atividade desempenhada pelo recorrido.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ. REsp n. 2.082.281/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 29/11/2023).

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

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