quarta-feira, 20 de setembro de 2023

10 anos de casamentos homoafetivos no Brasil

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Em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar, passando a ter os mesmos direitos e deveres previstos na lei 9.278/1996 (Lei da União Estável). A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. As ementas estão reproduzidas neste nosso artigo.

Ocorre que, até aquela data, ante a omissão do Legislativo, os casais homoafetivos que buscavam a formalização de suas relações podiam obter decisões favoráveis ou desfavoráveis da Justiça, trazendo insegurança jurídica para o casal, eventuais dependentes, herdeiros e terceiros.

Esse entendimento do STF, de natureza vinculante, afastou qualquer interpretação do dispositivo do Código Civil que impedisse o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo/ gênero como entidade familiar.

Destacou o STF que o inciso IV, do artigo 3º, da CF, veda qualquer discriminação em razão de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou o relator ministro Ayres Britto.

O ministro frisou ainda que o artigo 226 da Constituição Federal garante à família, “base da sociedade”, a proteção especial do Estado. A seu ver, trata-se da família “em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heterossexuais ou por pessoas assumidamente homoafetivas”.

Para o ministro Luiz Fux, diversos princípios constitucionais garantem esse direito aos casais do mesmo sexo, como o da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Segundo ele, o conceito de família só tem validade se privilegiar a dignidade das pessoas que a compõem, e somente por força da intolerância e do preconceito se poderia negar esse direito a casais homossexuais. Fux lembrou, ainda, que a união homoafetiva é um fato da vida, uma realidade social. “Daremos a esse segmento mais do que um projeto de vida, um projeto de felicidade”, concluiu.

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o julgamento demonstrava que ainda há uma longa trilha para a conquista de novos direitos. “A violência continua, minorias são violentadas, discriminações persistem”, afirmou. “Contra todas as formas de preconceito, contra quem quer que seja, há o direito constitucional. Todas elas merecem repúdio de todas as pessoas que se comprometam com a justiça, com a democracia, mais ainda os juízes do Estado Democrático de Direito”.

Já Celso de Mello afirmou que o Estado deve dispensar às uniões homoafetivas o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais. Não há razões de peso que justifiquem que esse direito não seja reconhecido, frisou o ministro. "Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero", disse.

Portanto, definiram que referidos artigos da Constituição se sobrepõem ao artigo 1.723 do Código Civil, que define como união estável aquela "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Transcrevemos fragmento do referido julgado

“(...) INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”
(ADI 4277, Relator(a): Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe 14-10-2011).

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 175/2013, dando efetividade à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando que os cartórios providenciassem a habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre casais do mesmo sexo, inclusive com punição para quem se recusasse.

O STJ, por seu turno, há muito pacificou que "a vara de família é a competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva" - (STJ – REsp 1291924/RJ (2013); REsp 964489/RS (2013); REsp 827962/RS (2011) - Informativo de Jurisprudência nº 524 e Jurisprudência em Tese nº 50.

Aquele mesmo Colegiado reconheceu os direitos sucessórios entre casais do mesmo sexo, ao decidir que “comprovada a existência de união homoafetiva, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento” (STJ – EDcl no REsp 633713/RS (2014), REsp 930460/PR (2011) – Informativo de Jurisprudência nº 524 e Jurisprudência em Tese nº 50.

Apesar do tema estar cristalizado com a decisão com efeito vinculante do Supremo Tribunal Federal desde 2011, ainda continua tramitando pelas comissões da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 5.167/ 2009, objetivando alterar o artigo 1.521 do Código Civil, para expressamente proibir que relações entre pessoas do mesmo sexo sejam equiparadas ao casamento ou a entidade familiar.

Nas justificativas de referido PL o autor além da legislação, usa fundamentos religiosos, transcrevendo passagens bíblicas, dizendo que foram criados apenas homem e mulher, e apenas esses podem se unir, e que tal união deve ser para a vida toda do casal, só podendo ter fim com a morte de uma das partes. Por essa lógica, pergunta-se: estariam preparando um novo PL objetivando revogar a Lei do Divórcio?

Na remota hipótese desse PL ser transformado em Lei pelo Congresso, essa seria uma lei com presunção juris tantum de inconstitucionalidade, ante o já decidido, de modo que seu efeito prático em um primeiro momento seria nulo, já que os poderes Executivo e Judiciário continuariam vinculados à decisão do STF de 2011 (ADI 4277 e ADPF 132) sobre a questão até que o próprio STF, se provocado, analisasse a questão em novo processo de controle de constitucionalidade sobre a lei eventualmente aprovada e a declarasse constitucional, revisando sua anterior jurisprudência cristalizada.

Fontes: STF, STJ, Câmara dos Deputados. nosso blog,




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