quinta-feira, 27 de junho de 2024

STF: Portar maconha para uso pessoal é ilícito administrativo e não penal, no limite de 40g ou 6 plantas fêmea.

 Publicado por Wander Fernandes

Tese de repercussão geral inclusive critérios que diferenciar usuário de traficante.

A Lei 11.343/2006, em seu art. 33 define o crime de tráfico de drogas, com pena de 5 a 15 anos de reclusão e multa. No entanto, a mesma Lei, em seu art. 28 prevê a conduta de portar drogas para consumo próprio, não prevendo pena de detenção ou reclusão, mas tão somente "penas de advertência sobre efeitos do uso de entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e participação obrigatória em programa educativo".

Como a legislação não trouxe critérios objetivos, a caracterização do consumo pessoal considerava a natureza e quantidade da substância apreendida, forma e local onde ocorreu a apreensão, circunstâncias sociais e pessoais do autuado, bem como sua conduta e antecedentes criminais. Ou seja, policiais, promotores e juízes que diferenciavam usuários de traficantes.

Em 25/6/2024, após se arrastar por 9 (nove) longos anos, o Recurso Extraordinário (RE) 635659/ SP, com repercussão geral (Tema 506), o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (7 a 4), decidiu que o porte de maconha para consumo pessoal constitui um ilícito administrativo, e não penal. Portanto, o uso de maconha deixa de ser considerado crime, embora continue a ser tratado como uma infração administrativa.

O recurso foi interposto pela Defensoria Pública de São Paulo, l discutiu, à luz do art. X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.

O STF decidiu ainda que o Fundo Nacional Antidrogas, destine parte dos recursos a campanhas educativas sobre os malefícios do consumo de drogas.

Frisou ainda que o consumo de drogas em locais públicos não é legítimo.

A Corte fixou quantidade que diferencie o porte para uso pessoal do porte para tráfico. Ficou definido 40 gramas ou 6 plantas fêmeas.

O Presidente do STF, Ministro Barroso, alertou que esse limite de 40g é "relativo". Ou seja, ainda que uma pessoa porte menos que essa quantidade, mas, adotar práticas de tráfico, será processada criminalmente.

Tema 506 - da Repercussão Geral - Os ministros fixaram as seguintes teses:

"1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação das sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28I do CP) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28III, do CP).

2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta.

3. Em se tratando de posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em juízo, sendo vedada a lavratura de auto de prisão em flagrante ou de termo circunstanciado.

4. Nos termos do § 2º do art. 28 da lei 11.343/06 será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40g de cannabis sativa, ou 6 plantas fêmeas, até que o Congresso legisle a respeito.

5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a autuação em flagrante por tráfico de drogas mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido quando presentes elementos indicativos do intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários e/ou traficantes."

6. Nestes casos, caberá ao delegado de polícia, consignar no auto de prisão em flagrante, justificativas minudentes para o afastamento da presunção do porte para uso pessoal, vedada a alusão a critérios subjetivos e arbitrários.

7. Na hipótese de prisão por critérios superiores ao item 4, deverá o juiz na audiência de custódia avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio.

8. A apreensão de quantidade superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir pela atipicidade da conduta, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário".

(Grifos meus).

Portanto, não se legalizou o uso da maconha, continua sendo ilícito, porém saiu da esfera criminal para a administrativa, afastando especialmente a prisão do usuário e os antecedentes criminais.

Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/23, que visa criminalizar o porte e a posse de drogas, incluindo a maconha, sem distinção de quantidade, apresentando desafios significativos, principalmente para o uso medicinal da cannabis no Brasil.

O constitucionalista Pedro Serrano publicou em sua rede social:"O STF decidiu que tipificar como crime o porte para uso de maconha ofende direito fundamental, logo PEC que vá contra isso estará ofendendo cláusula pétrea, restringindo inconstitucionalmente a extensão concreta de um direito fundamental, não há como ter qualquer sustentação jurídica (...)".

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) noticiou que fará mutirões para revisar casos de condenados por tráfico de maconha, e, se for o caso, revisar decisões judiciais envolvendo usuários de maconha que receberam alguma punição ou foram presos portando até 40 gramas, observando a decisão do STF.

Como votou cada Ministro: Votaram pela inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/ 2006 e, portanto, a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Dias Tófolli, Luiz Fux e Cármem Lúcia. Já André Mendonça, Kassio Nunes Narques e Cristiano Zanin julgaram o artigo constitucional e votaram contra a descriminalização.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Contrato de Namoro e a presunção relativa de veracidade

 Publicado por Wander Fernandes

Da presunção relativa de veracidade

A procura por contrato de namoro no Brasil teve um crescimento significativo nos últimos tempos, conforme informativos do Colégio Notarial Brasil (CNB) - leia aqui e farta cobertura dos meios de comunicação, com o escopo especial de proteção patrimonial.

No entanto, cumpre frisar que essa oficialização das relações informais, que visam diferenciar namoro da união estável, apesar de encerrar um verdadeiro paradoxo, é legítima, mas tal contrato de namoro é dotado de presunção relativa de veracidade, dependendo de conformidade fática e jurídica.

Isso porque, na verdade, o contrato de namoro só espelha a realidade do momento da sua formalização. Independentemente dele a relação pode evoluir ou não para uma união estável. Ou seja, se vierem a se apresentar como família, estará caracterizada a união estável.

Já decidiu o STJ: "(...) 1. Diversamente do casamento, que se comprova com a respectiva certidão, a declaração judicial de união estável, por se tratar de estado de fato, depende de prova plena e convincente de seus elementos caracterizadores, vale dizer, a convivência pública, sua continuidade e razoável duração, bem como, sob o viés subjetivo, o desejo de constituir família, ainda que sem prole ou coabitação, nos termos do art. , da Lei 9.278/96, e art. 1.723, do Código Civil, que regulamentam o art. 226§ 3º, da Constituição Federal. 2. O contrato de namoro pode servir como elemento de prova num processo judicial, mas não possui validade para blindar, esquivar ou libertar os envolvidos das consequências da realidade, do estado de fato construído pela união estável (...) O contrato de namoro é prática que não é capaz, por si só, de afastar as consequências da união estável, pois como dito, esta é um fato da vida, uma construção afetiva, que não pode ser ocultada ou neutralizada por um mero contrato, uma mera declaração de vontades (...)" (STJ, AREsp 2.255.807/ GO, Ministra Nancy Andrighi, DJe de 16/03/2023).

No mesmo sentido: "(...) Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um"contrato de namoro"não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável. A contrario senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma união estável o" contrato de união estável "celebrado antecipariamente à consolidação desta relação não será eficaz ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico (...)" (STJ, AREsp 1.149.402, Ministro Og Fernandes, DJe de 15/09/2017).

União Estável X Namoro X Namoro Qualificado X Noivado X Casamento

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já conceituou esses institutos e a definição de "propósito de constituir família" para efeito de reconhecimento de união estável. Vejamos:

"O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado"-, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a união estável, justamente em virtude da não configuração do animus maritalis (...) A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. (...) E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento (...)" - (STJ, REsp 1.257.819-SP, 3a Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 10/3/2015 - Informativo de Jurisprudência nº 557/ 2015) - Aqui a íntegra da ementa.

Aquela mesma Corte alerta que se ausente o elemento subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família, a união estável não está caracterizada:

"Não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que pública e duradoura e celebrada em contrato escrito, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família. Nesse passo, afastada a configuração da formação de união estável, no caso concreto, reconhece-se como transação particular de direitos disponíveis o acordo firmado entre as partes e apresentado a Juízo para homologação" (STJ, REsp 1558015/ PR, 4a Turma, DJe 23/10/2017).

Cláusulas e Dignidade humana

Importante lembrar que as cláusulas do contrato devem ser lícitas e obedecer ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, não podendo trazer convenções acerca de escolha sobre religião, método contraceptivo, frequência sexual, por exemplo, pois se estaria ferindo a liberdade religiosa e sexual.

Conclusão

Portanto, apesar da euforia midiática, tem o presente artigo o objetivo de alertar acerca de que o contrato de namoro não tem, por si só, o poder de liberar as partes das consequências de eventual união estável que tenha surgido no curso da relação amorosa, nem poderá conter cláusulas que ofendam o princípio da dignidade da pessoa humana.

Artigos relacionados:

A União Estável sob a ótica do STF e do STJ

(Jurisprudência e Modelos de Petições).

-


 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

É necessário exame de DNA para atribuir a paternidade ao companheiro falecido antes do registro?

 Publicado por Wander Fernandes


 A legislação pátria, explicitamente, assevera que: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação", previsto no art. 227 da Constituição Federal, e reproduzido no art. 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e no art. 1, 596 do Código Civil.

No casamento

Na hipótese de casamento, há presunção legal (art. 1.597, do Código Civil) de concepção na constância da união e consequente atribuição de paternidade/ maternidade aos cônjuges, dos filhos:

i) nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; ii) nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; iii) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; iv) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; v) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Portanto, falecendo o marido antes de registrar o filho, presente alguma das hipótese acima, a viúva poderá registrar o filho em seu nome e do pai falecido, tendo em vista a presunção legal de paternidade.

Na união estável

A jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que essa presunção de paternidade/ maternidade do casamento, previstas nas hipóteses do art. 1.597 do Código Civil, se entende à união estável.

Nesse sentido os seguintes julgado: REsp 1.194.059/ SP ( Informativo de Jurisprudência nº 0508)REsp 832.330/ PR; REsp 1.263.015-RN; e REsp 646.259-RS, em acatamento ao art. 226 da Constituição Federal e art. 1.723 do Código Civil. Bem como a ADPF 132/ RJ, DJe 14/10/2011;

Portanto, também na união estável é possível registrar o filho sem a presença do pai (companheiro falecido), mas também em nome dele, apresentando a escritura pública de união estável, posto que também presente a presunção paternidade, conforme precedentes do STJ.

Exame de DNA e investigação de paternidade

No entanto, na hipótese de filho havido fora do casamento e da união estável, sendo o pai ausente ou recusando-se a registrá-lo, a mãe, no ato de registro, pode indicar o nome do suposto pai ao Cartório, que dará início ao processo de reconhecimento ou de investigação judicial de paternidade, conforme previsto no art.  da Lei 8.560/ 1992 (Lei de Investigação de Paternidade), onde será realizado o exame de DNA.

Na ação de investigação de paternidade, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz a presunção de paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório (art. 2º-A, § único da Lei 8.560/ 1.992 e Súmula nº 301 do STJ).

Se o suposto pai houver falecido sem deixar manifestação expressa acerca da existência do filho ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará a realização do exame de DNA em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. Art. 2º-A - § 2º da Lei 8.560/ 1.992

No entanto, se há recusa dos parentes e os elementos de prova forem frágeis, é legal a ordem judicial para a exumação dos restos mortais do investigado, substituindo o exame com os parentes, utilizando o DNA do próprio investigado falecido para averiguação de paternidade (STJ, RMS 67.436/ DF - Informativo de Jurisprudência nº 752, STJ).

Observações minhas:

  • Até a entrada em vigor da Lei 13.112/ 2015, que alterou o art. 52, da Lei 6.015/ 1973, mesmo casados, apenas o pai podia registar o filho.

Artigos e modelos meus relacionados:

  1. Ação Investigatória e Negatória de Paternidade de acordo com o NCPC, jurisprudência do STF e do STJ e Modelos;
  2. Ação Negatória de Paternidade e a prevalência da Paternidade Socioafetiva em detrimento da Paternidade Biológica, ainda que com DNA negativo. Sob a ótica do STF e do STJ;
  3. Modelo de Acordo Extrajudicial de Investigação de Paternidade, alimentos, guarda e visitas, caso positivo o exame DNA;
  4. [Modelo] Ação Negatória de Paternidade cumulada com Retificação de Registro Civil;
  5. É possível a Adoção (e o Reconhecimento Socioafetivo) fora do Cadastro de Adotantes (lista);
  6. Indenização por Abandono Afetivo de Filho (valores, casos reais, prescrição e cabimento);
  7. Nascituro - Direitos e limites à proteção jurídica segundo a jurisprudência do STJ;
  8. Da retirada do sobrenome paterno ou materno por abandono afetivo e material;
  9. Juízes reconhecem vínculo de maternidade socioafetiva entre tias e sobrinhos (TJMG e TJPB);
  10. Adoção do enteado pelo padrasto/ madrasta (Adoção Unilateral). Ou: Posso adotar meu enteado?;
  11. Avosidade socioafetiva ou relação avoenga socioafetiva; e
  12. Adoção Póstuma e o reconhecimento da paternidade e da irmandade/ fraternidade socioafetiva "post mortem".