Publicado por Wander Fernandes
Tese de repercussão geral inclusive critérios que diferenciar usuário de traficante.
A Lei 11.343/2006, em seu art. 33 define o crime de tráfico de drogas, com pena de 5 a 15 anos de reclusão e multa. No entanto, a mesma Lei, em seu art. 28 prevê a conduta de portar drogas para consumo próprio, não prevendo pena de detenção ou reclusão, mas tão somente "penas de advertência sobre efeitos do uso de entorpecentes, prestação de serviços à comunidade e participação obrigatória em programa educativo".
Como a legislação não trouxe critérios objetivos, a caracterização do consumo pessoal considerava a natureza e quantidade da substância apreendida, forma e local onde ocorreu a apreensão, circunstâncias sociais e pessoais do autuado, bem como sua conduta e antecedentes criminais. Ou seja, policiais, promotores e juízes que diferenciavam usuários de traficantes.
Em 25/6/2024, após se arrastar por 9 (nove) longos anos, o Recurso Extraordinário (RE) 635659/ SP, com repercussão geral (Tema 506), o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (7 a 4), decidiu que o porte de maconha para consumo pessoal constitui um ilícito administrativo, e não penal. Portanto, o uso de maconha deixa de ser considerado crime, embora continue a ser tratado como uma infração administrativa.
O recurso foi interposto pela Defensoria Pública de São Paulo, l discutiu, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada.
O STF decidiu ainda que o Fundo Nacional Antidrogas, destine parte dos recursos a campanhas educativas sobre os malefícios do consumo de drogas.
Frisou ainda que o consumo de drogas em locais públicos não é legítimo.
A Corte fixou quantidade que diferencie o porte para uso pessoal do porte para tráfico. Ficou definido 40 gramas ou 6 plantas fêmeas.
O Presidente do STF, Ministro Barroso, alertou que esse limite de 40g é "relativo". Ou seja, ainda que uma pessoa porte menos que essa quantidade, mas, adotar práticas de tráfico, será processada criminalmente.
Tema 506 - da Repercussão Geral - Os ministros fixaram as seguintes teses:
"1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, transportar ou trouxer consigo para consumo pessoal a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação das sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I do CP) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III, do CP).
2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta.
3. Em se tratando de posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em juízo, sendo vedada a lavratura de auto de prisão em flagrante ou de termo circunstanciado.
4. Nos termos do § 2º do art. 28 da lei 11.343/06 será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40g de cannabis sativa, ou 6 plantas fêmeas, até que o Congresso legisle a respeito.
5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a autuação em flagrante por tráfico de drogas mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido quando presentes elementos indicativos do intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários e/ou traficantes."
6. Nestes casos, caberá ao delegado de polícia, consignar no auto de prisão em flagrante, justificativas minudentes para o afastamento da presunção do porte para uso pessoal, vedada a alusão a critérios subjetivos e arbitrários.
7. Na hipótese de prisão por critérios superiores ao item 4, deverá o juiz na audiência de custódia avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio.
8. A apreensão de quantidade superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir pela atipicidade da conduta, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário".
(Grifos meus).
Portanto, não se legalizou o uso da maconha, continua sendo ilícito, porém saiu da esfera criminal para a administrativa, afastando especialmente a prisão do usuário e os antecedentes criminais.
Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/23, que visa criminalizar o porte e a posse de drogas, incluindo a maconha, sem distinção de quantidade, apresentando desafios significativos, principalmente para o uso medicinal da cannabis no Brasil.
O constitucionalista Pedro Serrano publicou em sua rede social:"O STF decidiu que tipificar como crime o porte para uso de maconha ofende direito fundamental, logo PEC que vá contra isso estará ofendendo cláusula pétrea, restringindo inconstitucionalmente a extensão concreta de um direito fundamental, não há como ter qualquer sustentação jurídica (...)".
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) noticiou que fará mutirões para revisar casos de condenados por tráfico de maconha, e, se for o caso, revisar decisões judiciais envolvendo usuários de maconha que receberam alguma punição ou foram presos portando até 40 gramas, observando a decisão do STF.
Como votou cada Ministro: Votaram pela inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/ 2006 e, portanto, a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Dias Tófolli, Luiz Fux e Cármem Lúcia. Já André Mendonça, Kassio Nunes Narques e Cristiano Zanin julgaram o artigo constitucional e votaram contra a descriminalização.