segunda-feira, 17 de junho de 2024

Contrato de Namoro e a presunção relativa de veracidade

 Publicado por Wander Fernandes

Da presunção relativa de veracidade

A procura por contrato de namoro no Brasil teve um crescimento significativo nos últimos tempos, conforme informativos do Colégio Notarial Brasil (CNB) - leia aqui e farta cobertura dos meios de comunicação, com o escopo especial de proteção patrimonial.

No entanto, cumpre frisar que essa oficialização das relações informais, que visam diferenciar namoro da união estável, apesar de encerrar um verdadeiro paradoxo, é legítima, mas tal contrato de namoro é dotado de presunção relativa de veracidade, dependendo de conformidade fática e jurídica.

Isso porque, na verdade, o contrato de namoro só espelha a realidade do momento da sua formalização. Independentemente dele a relação pode evoluir ou não para uma união estável. Ou seja, se vierem a se apresentar como família, estará caracterizada a união estável.

Já decidiu o STJ: "(...) 1. Diversamente do casamento, que se comprova com a respectiva certidão, a declaração judicial de união estável, por se tratar de estado de fato, depende de prova plena e convincente de seus elementos caracterizadores, vale dizer, a convivência pública, sua continuidade e razoável duração, bem como, sob o viés subjetivo, o desejo de constituir família, ainda que sem prole ou coabitação, nos termos do art. , da Lei 9.278/96, e art. 1.723, do Código Civil, que regulamentam o art. 226§ 3º, da Constituição Federal. 2. O contrato de namoro pode servir como elemento de prova num processo judicial, mas não possui validade para blindar, esquivar ou libertar os envolvidos das consequências da realidade, do estado de fato construído pela união estável (...) O contrato de namoro é prática que não é capaz, por si só, de afastar as consequências da união estável, pois como dito, esta é um fato da vida, uma construção afetiva, que não pode ser ocultada ou neutralizada por um mero contrato, uma mera declaração de vontades (...)" (STJ, AREsp 2.255.807/ GO, Ministra Nancy Andrighi, DJe de 16/03/2023).

No mesmo sentido: "(...) Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um"contrato de namoro"não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável. A contrario senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma união estável o" contrato de união estável "celebrado antecipariamente à consolidação desta relação não será eficaz ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico (...)" (STJ, AREsp 1.149.402, Ministro Og Fernandes, DJe de 15/09/2017).

União Estável X Namoro X Namoro Qualificado X Noivado X Casamento

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já conceituou esses institutos e a definição de "propósito de constituir família" para efeito de reconhecimento de união estável. Vejamos:

"O fato de namorados projetarem constituir família no futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação. Isso porque essas circunstâncias não bastam à verificação da affectio maritalis. O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado"-, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe precedente do STJ no qual, a despeito da coabitação entre os namorados, por contingências da vida, inclusive com o consequente fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a união estável, justamente em virtude da não configuração do animus maritalis (...) A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. (...) E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento (...)" - (STJ, REsp 1.257.819-SP, 3a Turma, DJe 15/12/2011). REsp 1.454.643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 10/3/2015 - Informativo de Jurisprudência nº 557/ 2015) - Aqui a íntegra da ementa.

Aquela mesma Corte alerta que se ausente o elemento subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família, a união estável não está caracterizada:

"Não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que pública e duradoura e celebrada em contrato escrito, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento subjetivo fundamental consistente no desejo de constituir família. Nesse passo, afastada a configuração da formação de união estável, no caso concreto, reconhece-se como transação particular de direitos disponíveis o acordo firmado entre as partes e apresentado a Juízo para homologação" (STJ, REsp 1558015/ PR, 4a Turma, DJe 23/10/2017).

Cláusulas e Dignidade humana

Importante lembrar que as cláusulas do contrato devem ser lícitas e obedecer ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, não podendo trazer convenções acerca de escolha sobre religião, método contraceptivo, frequência sexual, por exemplo, pois se estaria ferindo a liberdade religiosa e sexual.

Conclusão

Portanto, apesar da euforia midiática, tem o presente artigo o objetivo de alertar acerca de que o contrato de namoro não tem, por si só, o poder de liberar as partes das consequências de eventual união estável que tenha surgido no curso da relação amorosa, nem poderá conter cláusulas que ofendam o princípio da dignidade da pessoa humana.

Artigos relacionados:

A União Estável sob a ótica do STF e do STJ

(Jurisprudência e Modelos de Petições).

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