terça-feira, 18 de março de 2025

Quem noticia estupro de vulnerável e atribui conduta ativa (responsabilidade) à vítima comete ato ilícito indenizável

 

É entendimento cristalizado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que matéria jornalística que noticia estupro de vulnerável mas atribui conduta ativa (responsabilidade) à vítima, comete ato ilícito por abuso de direito, gerando o dever de indenizar o dano psicológico sofrido.

Sendo irrelevante a posterior retratação do órgão de imprensa, tendo em vista que já consumado o dano moral à vítima da veiculação da notícia.

A responsabilidade civil é reconhecida, face à junção de todos os seus elementos: ato ilícito cometido por abuso de direito, aliado ao nexo de causalidade entre o agir e o dano moral impingido.

O Informativo de Jurisprudência nº 810/ 2024 traz:

  • Tema: "Estupro de vulnerável. Divulgação de matéria jornalística em site de notícias. Texto que relata fatos verídicos. Manchete que induz o leitor a atribuir conduta ativa à vítima menor de idade. Conteúdo manifestamente ofensivo. Ato ilícito. Ocorrência. Responsabilidade civil caracterizada" e
  • Destaque: "Comete ato ilícito, por abuso de direito, o órgão de imprensa que, apesar de divulgar fato verídico e sem a indicação de dados objetivos quanto aos partícipes do fato, relaciona a notícia à manchete de caráter manifestamente ofensivo à honra da vítima de crime de estupro de vulnerável, atribuindo à adolescente conduta ativa ante o fato ocorrido, trazendo menções injuriosas a sua honra".

Transcrevo julgado recente sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL (ART. 105, III, A E C, DA CF)- AÇÃO INDENIZATÓRIA - DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA, EM SITE DE NOTÍCIAS, A RESPEITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL - TEXTO RELATANDO FATOS VERÍDICOS, MAS ENCABEÇADO POR MANCHETE QUE PERMITE AO LEITOR ATRIBUIR CONDUTA ATIVA, ACERCA DOS FATOS, À PRÓPRIA VÍTIMA, MENOR DE IDADE À ÉPOCA - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INSURGÊNCIA DA AUTORA.
Hipótese: Discussão quanto à responsabilidade civil de órgão de imprensa que, posto divulgue matéria jornalística relatando a ocorrência de fato verídico e sem identificar os envolvidos, intitula a respectiva manchete com termos que permitem atribuir à própria vítima conduta ativa, quando, em verdade, fora agente passiva do crime de estupro de vulnerável.
1. Não se conhece de recurso especial no que tange à tese de afronta a dispositivos Constitucionais, por se tratar de competência privativa do Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário (art. 102, III, da CF.
2. É deficiente a fundamentação do recurso interposto com base na alínea c, do art. 105, III, da CF, quando suas razões deixam de indicar os dispositivos de lei federal supostamente violados, bem como no caso em que são apresentados precedentes paradigma, que tratam de casos com natureza e peculiaridades diversas da hipótese retratada no aresto combatido.
3. Consoante esta Corte Superior tem reiteradamente assentado, "a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático, quais sejam: (I) o compromisso ético com a informação verossímil;
(II) a preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e (III) a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi)" ( REsp n. 801.109/DF, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 12/6/2012, DJe de 12/3/2013).
4. Comete ato ilícito, por abuso de direito, o órgão de imprensa que, apesar de divulgar fato verídico, relaciona a notícia à manchete de caráter manifestamente ofensivo à honra da vítima de crime de estupro de vulnerável, atribuindo à adolescente conduta ativa ante o fato ocorrido, trazendo menções injuriosas a sua honra.
5. Os cuidados a serem dispensados pelos órgãos de imprensa, quando da divulgação de notícias envolvendo menores de idade, devem ser redobrados, face ao dever imposto à toda sociedade de zelar pelos direitos e o bem-estar da pessoa em desenvolvimento (arts. 16 e 17 do ECA).
6. Ainda que a notícia não contenha dados objetivos que possam identificar a vítima ao público em geral, é evidente, contudo, que ela própria e aqueles que circundam seus relacionamentos mais próximos têm conhecimento de que os fatos ofensivos lhe foram atribuídos, ressaindo daí dano psíquico-psicológico decorrente dos termos infamantes contidos na chamada da matéria, sobretudo por se cuidar a ofendida de menor de idade e por ter a manchete denotado a ideia de que esta fora a responsável pelo episódio.
7. Irrelevância de posterior retratação do órgão de imprensa, porquanto já consumado, àquela altura, o dano moral à vítima da veiculação da notícia.
8. Responsabilidade civil reconhecida, face à junção de todos os seus elementos: ato ilícito cometido por abuso de direito, aliado ao nexo de causalidade entre o agir e o dano moral impingido.
Indenização fixada dentro dos parâmetros de razoabilidade, em patamar que não traduz enriquecimento sem causa à vítima.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(STJ, REsp n. 1.875.402/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 9/5/2024).

Indenização por dano moral fixada em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

  • Informações complementares à ementa:
  1. É possível o afastamento da Súmula 7/STJ na hipótese em que se discute se constitui ato ilícito, atribuível a órgão de imprensa, a publicação, em site de notícias, de matéria jornalística que traz em seu bojo relato de um crime de estupro de vulnerável, sem a indicação de dados objetivos quanto aos partícipes do fato, mas que atrela a narrativa do ocorrido a uma manchete de cunho sensacionalista, capaz de colocar em dúvida a conduta moral da vítima por ocasião dos fatos noticiados. Isso porque a análise da suposta violação pode ser realizada, perfeitamente, mediante o exame da moldura fática estabelecida nas instâncias ordinárias, aplicando-se, todavia, solução jurídica diversa daquela proclamada.
  2. "Não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema, uma vez que não existem critérios predeterminados para a quantificação do dano moral, esta Corte Superior tem reiteradamente se pronunciado no sentido de que a indenização deve ser suficiente a restaurar o bem-estar da vítima, desestimular o ofensor em repetir a falta, não podendo, ainda, constituir enriquecimento sem causa ao ofendido".
  3. "Tendo em vista que se trata de relação extracontratual, o termo inicial dos juros legais de mora de 1% ao mês é a data do evento danoso, (Súmula n. 54/STJ), que, no caso, se cuida da data da publicação da matéria jornalística, em 02.03.2017. Por outro lado, a correção monetária deve incidir da data do arbitramento (Súmula n. 362/STJ), momento a partir do qual, 'ao invés de se aplicarem os dois encargos, aplica-se somente a Taxa Selic' [...]".

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