terça-feira, 18 de março de 2025

No novo Código Civil uma mãe pode registrar o bebê em nome de um homem sem exame de DNA?

 

Anteprojeto do Código Civil

O Senado Federal recebeu oficialmente em 17/4/2024 o anteprojeto do Código Civil elaborado por uma comissão de juristas. São sugestões de mudanças e atualizações no conjunto de regras que impactam a vida do cidadão desde antes do nascimento e têm efeitos até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança ( leia mais aqui).

Da inclusão do artigo 1.609-A no Código Civil

Entre essas alterações está a sugestão de inclusão do artigo 1.609-A no Código Civil, determinando que:

Art. 1.609-A "Promovido o registro de nascimento pela mãe e indicando ela quem é o genitor do seu filho, o oficial do Registro Civil deve notificá-lo para que faça o registro da criança ou realize o exame de DNA.
§ 1º No caso de a pessoa indicada confirmar expressamente a parentalidade, será lavrado termo de reconhecimento e promovida a respectiva averbação;
§ 2º Se o suposto genitor não atender à notificação extrajudicial, no prazo de trinta dias, se ele não for localizado ou recusar-se, expressamente, a reconhecer a parentalidade que lhe está sendo atribuída, o expediente deverá ser encaminhado ao Ministério Público, para a propositura das medidas judiciais cabíveis;
§ 3o A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse intentar a respectiva ação judicial, visando a obter o reconhecimento pretendido;
§ 4º. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético (DNA) gerará presunção relativa de paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório;
§ 5º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, às expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos de grau mais remoto, importando a respectiva recusa em presunção relativa de paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório"- grifos meus.

No entanto, conforme demonstrarei abaixo, referido artigo e seus parágrafos, se acolhidos, não trariam nenhuma inovação legislativa, apenas reuniriam no Código Civil o que já é previsto em leis esparsas e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vejamos:

Da presunção de paternidade no casamento

De início, importante lembrar que a paternidade é presumida no casamento nas hipóteses previstas no art. 1.597 do Código Civil, que se entende à união estável, conforme julgado pelo STJ, no REsp 1.194.059/ SP ( Informativo de Jurisprudência nº 0508), em acatamento ao art. 226 da Constituição Federal e art. 1.723 do Código Civil.

Portanto, a mulher pode registrar a criança sem a presença do pai, mas também em nome dele, apresentando a certidão de casamento ou de união estável. Até a entrada em vigor da Lei 13.112/ 2015, que alterou o art. 52, da Lei 6.015/ 1973, mesmo casados, apenas o pai podia registar o filho.

Da Lei 8.560/ 1992 (Lei de Investigação de Paternidade)

Na hipótese de filho havido fora do casamento e da união estável o art. da Lei 8.560/ 1992 determina que, sendo o pai ausente ou recusando-se a registrá-lo, a mãe, no ato de registro, pode indicar o nome do suposto pai ao Cartório, que dará início ao processo de reconhecimento ou de investigação judicial de paternidade, remetendo o oficial ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.

Os parágrafos do referido art. da Lei 8.560/ 1992, trazem:

§ 1º O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada e mandará, em qualquer caso, notificar o suposto pai, independente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.
§ 2º O juiz, quando entender necessário, determinará que a diligência seja realizada em segredo de justiça.
§ 3º No caso do suposto pai confirmar expressamente a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento e remetida certidão ao oficial do registro, para a devida averbação.
§ 4º Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade.
§ 5o Nas hipóteses previstas no § 4o deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção. (Redação dada pela Lei nº 12,010, de 2009) Vigência
§ 6o A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade. (Incluído pela Lei nº 12,010, de 2009) Vigência

Da presunção de paternidade na recusa ao exame

O § 1º do artigo 2º-A da Lei 8.560/ 1992 diz que, na investigação de paternidade, a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório (Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009). (Renumerado do parágrafo único, pela Lei nº 14.138, de 2021).

Tal presunção se estende aos parentes consanguíneos do suposto pai:

§ 2º - "Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório" - grifei.

Antes mesmo da previsão legal a Súmula 301 do STJ já trazia que, "Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade" (DJ 22.11.2004, p. 425).

Conclusão

Portanto, a sugestão de inclusão do artigo 1.609-A e seus parágrafos não trazem nenhuma inovação legislativa, pois apenas reúnem no Código Civil o que já está previsto em leis esparsas e na jurisprudência do STJ, sendo absurda a alegação de possibilidade de se atribuir a paternidades à alguém, sem seu reconhecimento expresso ou através da via judicial, com a produção de todos os meios de provas possíveis, especialmente pelo exame de DNA.

Artigos e modelos meus relacionados ao tema:

  1. Conheça as principais propostas de mudanças no Código Civil;
  2. É necessário exame de DNA para atribuir a paternidade ao companheiro falecido antes do registro?;
  3. Ação Investigatória e Negatória de Paternidade de acordo com o NCPC, jurisprudência do STF e do STJ e Modelos de petições;
  4. Ação Negatória de Paternidade e a prevalência da Paternidade Socioafetiva em detrimento da Paternidade Biológica, ainda que com DNA negativo. Sob a ótica do STF e do STJ;
  5. Modelo de Acordo Extrajudicial de Investigação de Paternidade, alimentos, guarda e visitas, caso positivo o exame DNA;
  6. [Modelo] Ação Negatória de Paternidade cumulada com Retificação de Registro Civil;
  7. É possível a Adoção (e o Reconhecimento Socioafetivo) fora do Cadastro de Adotantes (lista);
  8. Indenização por Abandono Afetivo de Filho (valores, casos reais, prescrição e cabimento);
  9. Nascituro - Direitos e limites à proteção jurídica segundo a jurisprudência do STJ;
  10. Da retirada do sobrenome paterno ou materno por abandono afetivo e material;
  11. Juízes reconhecem vínculo de maternidade socioafetiva entre tias e sobrinhos (TJMG e TJPB);
  12. Adoção do enteado pelo padrasto/ madrasta (Adoção Unilateral). Ou: Posso adotar meu enteado?;
  13. Avosidade socioafetiva ou relação avoenga socioafetiva; e
  14. Adoção Póstuma e o reconhecimento da paternidade e da irmandade/ fraternidade socioafetiva "post mortem".

Fontes de pesquisa: Lei 10.406/ 2002 ( Código Civil); Lei 8.560/ 1992 (Lei de Investigação de Paternidade); Lei 6.015/ 1973 ( Lei dos Registros Publicos); Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ); Blog: Wander Fernandes; Instagram: @wander.fernandes.adv; Imagem: Canva.

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